Ex-secretário do Rio assume ter recebido vantagens indevidas
Sérgio Côrtes, que trabalhou na secretaria da Saúde, admitiu ter recebido do empresário Miguel Iskin cerca de R$70 mil ao ano para despesas com viagens
Agência Brasil
Publicado em 9 de novembro de 2017 às 06h26.
Em depoimento prestado hoje (8) ao juiz federal Marcelo Bretas, o ex-secretário estadual de Saúde do Rio de Janeiro , Sérgio Côrtes, reconheceu que recebeu algumas vantagens indevidas durante o período em que foi diretor do Instituto Nacional de Traumatologia (Into) entre 2002 e 2006.
Ele admitiu ter recebido do empresário Miguel Iskin cerca de R$70 mil ao ano para despesas com viagens. Os repasses teria continuado mesmo após Côrtes ter assumido a secretaria, em 2007, e só seriam encerrados em 2010. Por outro lado, ele negou que tenha recebido percentual sobre contratos assinados entre o Into e as empresas de Iskin.
Sérgio Côrtes, que está preso desde abril, prestou depoimento no âmbito da Operação Fratura Exposta, um desdobramento da Operação Calicute, que por sua vez é a principal repercussão da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.
Na Operação Calicute, o Ministério Público Federal (MPF) aponta o ex-governador Sérgio Cabral como líder de uma organização criminosa que arrecadava propina em contratos celebrados com o estado. Em outros três processos ligados à Lava Jato, Cabral já foi condenado em primeira instância com penas que somam 72 anos de prisão.
Por sua vez, a Operação Fratura Exposta diz respeito à cobrança das propinas na área da saúde, esquema que teria a participação de Sérgio Côrtes. O esquema envolveria a aquisição de próteses e equipamentos de empresas representadas por Miguel Iskin, de quem o ex-secretário se diz amigo.
De acordo com o MPF, Côrtes teria direito a 2% dos contratos e Cabral 5%. Essa investigação também é subsidiada por informações concedidas por César Romero, ex-subsecretário de Saúde e ex-gestor do Into que fechou acordo de delação premiada.
Em seu depoimento, Sérgio Côrtes disse que o empresário bancava viagens internacionais - passagens, hospedagens e diárias - desde a época em que era apenas residente médico do Into. Estes deslocamentos para o exterior teriam ocorrido para participação em congressos ou visitas a serviços.
Cortês disse que a prática é comum desde a década de 1970 e ocorre em diversos hospitais. "A indústria farmacêutica sempre financiou médicos para irem a determinados eventos e congressos. Quando começou, não havia internet. Então a forma como as empresas divulgavam suas novidades e como o médico tomava conhecimento delas era participando destes eventos", disse.
De acordo com ele, quando assumiu a direção do Into em 2002, a seu pedido, foram interrompidos os pagamentos através de agências de viagens. Os repasses passaram a ser feitos diretamente. Ele também solicitou uma melhoria no padrão das viagens, o que envolveria melhores hospedagens e bilhetes de avião na classe executiva.
A partir de então, cerca de R$ 70 mil eram entregues em sua residência, uma vez por ano, em dinheiro vivo, por Gustavo Estellita, sócio de Iskin.
O ex-secretário disse ainda que essa foi a única vantagem recebida do empresário e que ela não foi usada para o acúmulo de bens financeiros pessoais e nem de patrimônio ou imóveis. Negou também que tenha favorecido as empresas de alguma forma, mas reconheceu que recebia os recursos em função da posição que ocupava.
Perguntado se já havia feito consultoria ou relatório que fosse favorável a determinado produto ou equipamento das firmas representadas por Iskin, ele também respondeu negativamente. "Miguel [Iskin] era o maior fornecedor do Into desde a década de 1970. Ele não teve projeção durante a minha passagem na direção", disse.
Sérgio Côrtes refutou também alegações de César Romero de que havia um esquema para fatiar um percentual dos contratos assinados entre empresas e o Into. Ele negou que a dispensa de licitação fosse prática no instituto e que Romero fosse orientado para favorecer empresas de Iskin.
"Os pedidos eram feito pelas áreas, passava pelo crivo do chefe imediato e o diretor assinava e enviava para a área administrativa. O pregoeiro faz a especificação técnica com base no pedido de área. E o César Romero nunca foi pregoeiro", disse.
O juiz Marcelo Bretas chegou a interromper o depoimento para dizer que a lei lhe permite reduzir a pena nos casos em que há confissão dos crimes. "Há pessoas que vão além e apresentam informações novas. A lei também me permite agraciar a pessoa que colaborou, entre aspas, com o processo", disse.
"Para deixar claro para o senhor: ainda que se reconheça algum desvio, uma confissão é uma confissão quando ela é inteira", acrescentou o magistrado, alertando que a omissão proposital de informações é justificativa para se aumentar a pena. O procurador Eduardo El Hage disse que o MPF será contra qualquer concessão de benefício legal por avaliar que o ex-secretário não estava admitindo todos os crimes e nem colaborando com as investigações.
Campanha
No depoimento, Sérgio Côrtes revelou ainda que queria ser ministro da Saúde, mas não teve apoio de sua legenda, o PMDB. "Tive duas ou três reuniões com a presença da [ex-presidente] Dilma Rousseff e participei da elaboração de parte do programa de governo", contou.
Sem sucesso na investida, ele planejava se candidatar a deputado federal em 2014, imaginando que, se vencesse as eleições, ficaria em boa posição para novamente pleitear o cargo.
Para tanto, quando já estava fora do governo estadual, teria acertado com Iskin uma doação de U$ 3 milhões depositados em uma conta na Suíça. Parte dos recursos foi usada para despesas pessoais e o restante já foi entregue recentemente à Justiça.
Sérgio Côrtes disse também que apresentou Iskin à Sérgio Cabral e que chegou a obter com Gustavo Estellita o valor de R$450 mil reais para as campanhas de Luiz Fernando Pezão (PMDB) ao governo estadual e de Pedro Paulo (PMDB) à prefeitura do Rio de Janeiro. Os valores teriam sido pedidos por Sérgio Cabral e Eduardo Paes e, segundo ele, as doações ocorreram de forma declarada.
Miguel Iskin
Após Sérgio Côrtes, o empresário Miguel Iskin também prestou depoimento. Ele confirmou a doação depositada na conta da Suíça e também o pagamento de despesas de viagens do ex-secretário e de outros médicos.
"Nunca vi nada de errado. Não tinha nada escondido, era tudo aberto", afirmou. Disse ainda que tinha pouca intimidade com Sérgio Cabral e negou já ter pedido contrapartidas em troca de apoio financeiro.
Questionado por procuradores sobre uma agenda em seu celular onde constavam datas de reuniões com o ex-governador, Iskin negou que tenha ido à residência do ex-governador, mas confirmou outros encontros. "Não lembro qual assunto tratamos. Provavelmente devia estar reclamando do Pezão", disse, em referência ao atual governador do Rio de Janeiro.
Iskin ainda fez elogios à performance de Sérgio Côrtes e avaliou que ele fez grandes coisas pelo estado. "Nunca houve um gestor de saúde que fizesse a revolução que esse cara fez. Chegamos a ter hospitais públicos melhores que os privados no Rio de Janeiro".