Michel Temer terá que lidar com as promessas que fez ao assumir
O presidente fez muitas promessas ao assumir o cargo. Quatro meses depois, terá que enfrentar a realidade para pô-las de pé.
Gian Kojikovski
Publicado em 31 de agosto de 2016 às 16h25.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.
O ex-primeiro ministro do Reino Unido, Winston Churchill, costumava dizer que “um bom político tem que ter a habilidade dizer o que vai acontecer amanhã, na próxima semana, no próximo mês, e no próximo ano. E depois, ter a capacidade de explicar por que isso não aconteceu”. A partir de agora, como presidente, Michel Temer terá uma prova de fogo da sua qualidade como político.
Quando assumiu como interino, em 12 de maio, não faltaram promessas. Se todas elas fossem implementadas, o Brasil seria outro até 2018. No discurso de posse, falou-se sobre, nos próximos anos, aprovar-se as reformas política, da previdência e trabalhista. Para tirar a economia do buraco, o governo ainda teria que aprovar a limitação do crescimento dos gastos públicos, reduzir o número de ministérios e levar a cabo um plano de concessões e privatizações.
Em 111 dias de governo, Temer cumpriu a primeira parte do discurso de Churchill. Agora, entra em cena a realidade, e a segunda parte da profecia. De todas as reformas que o Brasil desesperadamente precisa, quais delas serão de fato implementadas? E quais entrarão para o campo do “não deu”? Entre os analistas, sobra ceticismo. “O que não foi feito em 13 anos, não será feito em dois”, diz Francisco Almeida, analista político da consultoria Barral M Jorge.
Ainda assim, muita coisa tem que ser feita. A prioridade do governo será tirar, o mais rápido possível, o país da crise. Nesta quarta-feira, o IBGE anunciou que o Produto Interno Bruto recuou em 0,6% no segundo trimestre do ano – pelo sexto trimestre consecutivo. O PIB industrial, no entanto, mostrou sinais de recuperação, e cresceu 0,3%. Nada espetacular, mas animador – o PIB industrial recuava há cinco trimestres consecutivos. Os investimentos também voltaram a crescer – 0,4%, após 10 trimestres de queda.
O primeiro passo para melhorar o ambiente econômico é retomar a confiança de que o país tem controle de sua dívida e tem ferramentas para equilibrar seus gastos. O déficit previsto para este ano é de 170,5 bilhões de reais. A equipe econômica tenta atrelar o limite no crescimento de gastos públicos à inflação do ano anterior. É a principal bandeira do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
O projeto, no entanto, não deve ser aprovado antes das eleições municipais de outubro, primeiro porque os deputados devem passar as próximas semanas em suas bases, depois porque nenhum deles quer abraçar uma pauta polêmica às vésperas de uma eleição. Ainda assim, a intenção é fazer com que o projeto ande o máximo de instâncias possíveis ao longo de setembro. Seria uma sinalização de compromisso com financeiro que o governo tanto precisa.
Ainda em setembro, também devem ser anunciados planos de parcerias público-privadas e concessões. Tanto governo como mercado veem com bons olhos o investimento privado para ajudar a destravar alguns setores do país, principalmente na área de infraestrutura. “O mercado vê os marcos regulatórios feitos por Dilma como intervencionistas por estabelecer limite de retorno e lucro, uso de conteúdo local e outros pontos”, diz Antonio Queiroz, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
As parcerias também podem ser anunciadas em outras áreas, como educação, saúde e segurança pública. São temas mais polêmicos e podem ficar para depois das eleições. A previsão é que uma lista inicial com os projetos a serem oferecidos à iniciativa privada seja divulgado no dia 12 de setembro. Por pressão de parlamentares de todos os estados, a lista vai sofrer mudanças até o último minuto.
No Orçamento de 2017, que deve ser divulgado ainda nesta quarta-feira, o governo deve prever 40 bilhões de reais em receitas extraordinárias, que viriam, em sua maior parte, do programa de concessões e privatizações. Nos cálculos da consultoria Tendências, o governo poderia levantar 20 bilhões de reais em 2017 com os programas. Em um outro cálculo do governo, a estimativa é de que a venda de ativos, concessões e privatizações poderiam levantar, até 2018, 120 bilhões de reais.
De mãos dadas com o limite de gastos e com o pacote de concessões está uma das pautas mais espinhosas para o governo: o aumento de impostos. Na visão de analistas, tudo precisa dar muito certo nas duas frentes para que o governo não precise recorrer a mais tributos para equilibrar as contas. Como essa é uma das medidas mais impopulares na mesa, certamente ficará para o ano que vem. O imposto mais impopular é também o que geraria o maior impacto – a CPMF. Nas contas do ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, em proposta apresentada no início deste ano, a CPMF poderia gerar uma arrecadação de 33,2 bilhões de reais em 2017. Outra possibilidade é o aumento da Cide, o imposto dos combustíveis. Um aumento de 15 centavos por litro no diesel e na gasolina resultaria em 13 bilhões de reais aos cofres públicos em 2017, segundo a consultoria Tendências.
No campo político, uma das primeiras atitudes efetivas de Michel Temer, a ser realizada nas próximas semanas, será a minirreforma ministerial. Ministros que causaram polêmica, como Ricardo Barros, da Saúde, e Fábio Osório, da Advocacia Geral da União, são os favoritos para serem substituídos. O ministério do Turismo, que é comandado pelo interino Alberto Alves, deve ter um ministro efetivo colocado no lugar. O favorito é o deputado alagoano Marx Beltrão, indicado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.
Há chance de Temer criar novamente o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que virou uma secretaria ligada à Casa Civil, depois de críticas vindas dos movimentos sociais e da pressão de alguns parlamentares. Dessa forma, dará algum tipo de aceno aos movimentos sociais e acomodará interesses. O Solidariedade, do deputado Paulinho da Força, apoiador do impeachment, quer um ministério para chamar de seu. O partido já é o responsável pela secretaria.
Reformas
A situação muda de figura quando passamos a analisar as reformas. A da Previdência está sendo formatada e deve ser apresentada ainda em setembro. A intenção é impor uma idade mínima para aposentadoria, que deverá ficar em 65 anos. De acordo com o Planalto, essa seria a única forma de o INSS não quebrar nos próximos anos. O rombo da Previdência em 2016 deve fechar em 146 bilhões de reais. A reforma, no entanto, deve levar um longo período de discussão no Congresso. Mesmo governistas otimistas sabem que ela dificilmente será aprovada em 2016.
A reforma trabalhista também não foi apresentada. O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, já prometeu que terá um projeto até o final do ano. A ideia é flexibilizar as relações de trabalho para trazer um ambiente mais estável aos empresários, que reclamam muito dos direitos garantidos na CLT. O problema é que é difícil tocar uma reforma no Congresso, duas ao mesmo tempo é praticamente impossível. Ainda mais com temas que dividem tanto campos ideológicos diferentes, como o caso dessas. De quebra, aliados do novo governo, como o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, é ferrenho opositor de qualquer mudança.
A reforma política, historicamente um dos campos em que Temer sempre militou, é ainda mais difícil. “Uma reforma política estrutural dependerá da base de apoio no Congresso. A prioridade segue sendo a política econômica, justamente pelo cenário preocupante e pelas demandas do setor industrial”, diz Almeida, da Barral M Jorge.
“A dificuldade é enorme, mas Temer presidiu o PMDB e a Câmara por muito tempo e sabe como lidar com o Congresso”, diz Ricardo Sennes, sócio da consultoria Prospectiva e colunista de EXAME Hoje. Para as medidas que não saírem do papel, sempre haverá a frase de Churchill a ser lembrada – será a vez, então, de explicar por que isso não aconteceu.