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Economia: Temer no fio da navalha

Em seu primeiro discurso na presidência, na quinta-feira, Michel Temer, em tom de brincadeira, disse que espalharia 20 milhões de outdoors pelo país com o lema “Não fale em crise… trabalhe”. Ele estava, obviamente, tentando injetar ânimo na população, nos empresários, nos investidores, em sua própria equipe. Mas o recado também serve para ressaltar o […]

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Da Redação

Publicado em 13 de maio de 2016 às 20h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.

Em seu primeiro discurso na presidência, na quinta-feira, Michel Temer, em tom de brincadeira, disse que espalharia 20 milhões de outdoors pelo país com o lema “Não fale em crise… trabalhe”. Ele estava, obviamente, tentando injetar ânimo na população, nos empresários, nos investidores, em sua própria equipe. Mas o recado também serve para ressaltar o senso de urgência que deve pautar os primeiros dias do novo governo. Para atender as expectativas, Temer de fato vai ter que trabalhar – e muito. Fala-se, em Brasília, que ele terá entre 60 e 90 dias para mostrar serviço. Mas por que, exatamente?

Para começar, Temer precisa aproveitar a onda favorável que costumar vir com novas administrações para romper com uma imagem negativa. Segundo o instituto Datafolha, apenas 1% da população votaria em Temer – e 58% o rejeitam. Uma pesquisa do instituto Ideia Inteligência com 10.000 pessoas mostrou que 65% dos entrevistados acham que o Brasil não melhorará nem piorará com Temer. E só 36% acham que ele conseguirá melhorar a economia. “Temer terá grande dificuldade, porque a população acha que ele e Dilma são a mesma coisa”, diz Maurício Moura, presidente do Ideia Inteligência. Quanto antes mudar essa percepção, melhor.

Na sexta-feira, o novo ministro do Planejamento, Romero Jucá, anunciou que serão cortados 4.000 postos federais entre funções de confiança e cargos comissionados. Resta definir quando, como e onde os cortes serão feitos. “Mais importante do que ações concretas são os sinais que passará aos atores da sociedade. No social, precisa demonstrar que não haverá corte de programas: serão mantidos e aperfeiçoados. Para o mercado, precisa deixar muito claro quais são suas visões de país. Os primeiros 30 dias são muito mais para passar credibilidade e confiança”, afirma o cientista político Lucas Aragão, da consultoria Arko Advice.

Para isso, será preciso equilibrar as demandas populares com a fome dos aliados. Após um vai-e-vem, o número de ministérios caiu no novo governo – de 32 para 23. Mas, na escolha dos ministros, Temer deixou os notáveis de lado e tratou de contemplar os mesmos de sempre. Cerca de 90% são politicos profissionais. Na outra ponta, a escolha revela um vício natural da política brasileira: dos 23 nomeados, dois estão sendo investigados na Lava-Jato e sete foram citados em delações premiadas. Herdeiros de dinastias políticas voltaram aos holofotes, Sarney Filho, no Meio-ambiente, Fernando Bezerra Filho, em Minas e Energia, Helder Barbalho, da Integração Nacional, e Leonardo Picciani, dos Esportes. A forma de fazer política, num primeiro momento, portanto, não mudou. Por outro lado, uma equipe experiente será fundamental para bater de frente com o PT, que tem prometido fazer uma oposição ferrenha.

A agenda

A lógica, a julgar pelos discursos e entrevistas iniciais, é cartesiana: começar pelos frutos mais baixos. Um exemplo concreto está na infraestrutura. EXAME Hoje apurou com investidores que há atualmente 32 bilhões de reais em projetos de concessão praticamente prontos para ser iniciados. Até 2018, a consultoria GO Associados estima que possam ser investidos 70 bilhões de reais em projetos que foram anunciados no Programa de Investimentos de Logísitica de Dilma.

Em sua primeira medida provisória, ainda na quinta-feira, Temer anunciou um grande programa de parceria de investimentos, batizado de Crescer, focado em destravar as concessões. Tocado pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Moreira Franco, o projeto busca garantir uma “expansão com qualidade” da infraestrutura, com “tarifas e preços adequados”, fortalecendo o papel regulador do Estado e a autonomia das agências reguladoras. Em outras palavras, fala a língua de empresários e do mercado financeiro.

As demais prioridades são limitar um teto para os gastos públicos, realizar a reforma da Previdência e racionalizar o sistema tributário. Essas mudanças são inevitavelmente demoradas. Para serem levadas a cabo, precisam ser feitas via propostas de emenda constitucional, o processo mais difícil do Legislativo, que depende de 60% de apoio do Congresso. Além disso, qualquer proposta do governo passará por todas as comissões. Assim, é natural pensar que Temer deverá gestar no primeiro mês seus planos de reforma para apresentá-los aos parlamentares. Reformas legislativas são esperadas no segundo semestre.

No dia 22 de maio, uma parada um pouco mais dura – e decisiva. Temer colocará à prova sua coalizão no Congresso. Com a Câmara envolvida num imbróglio sobre a presidência desde que Eduardo Cunha foi afastado pelo Supremo, terá de votar a revisão da meta fiscal. No início do ano, o governo projetou um superávit de 104,5 bilhões de reais para o ano de 2015. Diante da impossibilidade da projeção, enviou no final de março uma nova proposta com déficit de 96,6 bilhões de reais.

A nova equipe de governo alega que Dilma não incluiu diversos dados na conta, como os da negociação de dívidas entre União e estados. Sem a aprovação do Congresso, Temer pode começar o governo com o orçamento travado. Por isso, os ministros já pensam em votá-la na próxima semana e usar um recurso regimental para que vá direto ao plenário – sem passar pela Comissão Mista de Orçamento.

Nesse processo, o presidente do Senado, Renan Calheiros, pode ser fundamental. Na terça-feira, em reunião com Temer, ensaiou uma reaproximação e apoiou o corte de ministérios. Na quinta-feira, o PMDB se posicionou contra a ação judicial no Supremo, proposta pela Rede, de retirar da linha sucessória presidentes de poderes que tenham sido denunciados criminalmente. Renan é investigado em nove inquéritos da Lava-Jato e ainda resta uma denúncia criminal contra ele não analisada pelos ministros desde 2013. Se o Tribunal aceitasse a ação, Renan seria afastado. Os antigos arranca-rabos entre Temer e Calheiros estão, portanto, postos de lado. Pelo menos por agora.

Hoje, amanhã e depois

No curto prazo, algumas medidas legislativas podem ajudar a sinalizar mudanças de mentalidade econômica. Entre elas, o projeto que acaba com a participação obrigatória da Petrobras na exploração do Pré-sal, o projeto de reforma das estatais e possíveis mudanças no projeto de terceirização, permitindo a prática para a atividade-fim. “Temer vai querer algumas vitórias rápidas, para mostrar que a agenda legislativa está caminhando. O esforço mais difícil está na Fazenda, que terá de bater o martelo sobre as reformas mais estruturantes. Dificilmente elas serão apresentadas sem negociação com alianças partidárias”, afirma o diretor da consultoria Eurasia, Christopher Garman.

Exemplo concreto de pepino à vista: no dia 28 de junho, termina o prazo que o Supremo deu a estados e à União para chegarem a um acordo sobre as dívidas estaduais. No mesmo mês, expirarão os mandatos de diretores da Anvisa, uma agência disputada que pode travar ou fazer rolar diversos projetos na área da saúde. Em 2 de junho e em 2 de julho, também se iniciam os prazos, a depender dos cargos, para que os membros do governo possam se desvincular de postos públicos e disputem eleições. Ou seja: em menos de dois meses, Temer terá que rearranjar algumas peças de seu governo.

Também em junho deve acabar o processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética. Essa é uma incógnita ainda mais complexa porque se a questão for ao Plenário da Câmara Temer pode ver o ex-aliado se tornar um poderoso inimigo e usar seus apoiadores para miná-lo.

Em 18 e 19 julho, deve haver a primeira reunião do Comitê de Política Monetária sob comando do novo presidente do Banco Central, o que atrairá a atenção do mercado com a possibilidade de baixa de juros. No mesmo mês, estava previsto o recesso parlamentar, que já foi suspenso no Senado por Renan Calheiros por causa do processo de julgamento do impeachment de Dilma. Na Câmara, a questão ainda está sendo discutida.

Daí pra frente, a coisa se complica. Em agosto, haverá Olimpíadas no Rio e o processo eleitoral de outubro se aquecerá. Os Jogos Olímpicos, por sinal, podem servir como um trampolim de visibilidade a Temer. O país receberá 206 delegações internacionais, executivos e políticos de todo o planeta. As obras da competição estão em nível avançado de conclusão e tudo caminha para um sucesso, a exemplo da Copa do Mundo, com percalços menores. Vale lembrar: para o bem e para o mal.

Em paralelo, corre a Lava-Jato. Os investigadores parecem determinados em mergulhar nas entranhas do PMDB e suas conexões espúrias em contratos públicos. Os indícios preliminares são arrasadores: entre os membros da cúpula partidária, não há um que escape. Temer foi citado pelo ex-senador Delcídio do Amaral e pelo empresário José Antunes Sobrinho, presidente da Engevix, que relatou em sua proposta de delação premiada ter pago propina a operadores que diziam agir em nome de Temer. Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, também teria revelado repasse de dinheiro sujo a ele. “Ele está andando em gelo fino e, para quebrar, basta estar em cima. A Lava-Jato foge à natureza de outros elementos, dos quais ele tem certo controle. Nessa questão, não há nenhum”, diz o cientista político André Cesar Pereira, da Hold Assessoria Legislativa.

Em meio a essa agenda apertada, Temer precisará também garantir que não cortará benefícios sociais nem acabará com programas já estabelecidos entre a população brasileira. Não à toa, ele fez questão de praticamente soletrar o nome de programas como Bolsa Família, Pronatec e Minha Casa Minha Vida ao dizer que eles não acabariam. Em certa medida, boa parte da população é resistente a uma agenda estritamente liberal e está acostumada com a participação do governo em muitas partes da vida. Se pisar fundo demais, Temer pode ver a população voltando às ruas antes que suas políticas façam efeito. É um risco real — e olhar para o exemplo de Maurício Macri, na Argentina, pode ajudar (veja próxima reportagem).

(Luciano Pádua) 

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