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Delator diz que entregava dinheiro vivo na sede da Saúde do TO

Depoimento de Antônio Bringel revelou uma rotina de pagamento de propinas em dinheiro vivo

Polícia Federal: investigação começou após a prisão em flagrante dos sócios Antônio Bringel e Cristiano Maciel Rosa (Polícia Federal/Divulgação)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 6 de dezembro de 2017 às 10h42.

São Paulo - A segunda fase da Operação Marcapasso - investigação sobre supostos desvios na área da saúde do Tocantins na compra de órteses e próteses - foi deflagrada nesta terça-feira, 5, com base também na delação premiada de Antônio Bringel que revelou uma rotina de pagamento de propinas em dinheiro vivo até na sede da Secretaria da Saúde do Estado.

Os repasses de valores ilícitos teriam se sucedido por um largo período, de 2009 (Governo Carlos Gaguim) até 2016 (Governo Marcelo Miranda), administrações do PMDB. O delator fala em cifras que somam R$ 2,6 milhões.

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"À luz da colaboração de Antônio Bringel, pode-se verificar um articulado esquema de pagamento de propinas a médicos da área de hemodinâmica do Estado do Tocantins, que, entre os anos de 2009 e 2016, já alcança a cifra de R$ 2.628.241,18 milhões", assinalou o juiz Gabriel Brum Teixeira, substituto da 4ª Vara Federal de Palmas.

A primeira etapa da Marcapasso saiu às ruas no dia 7 de novembro, quando até o pai do governador Marcelo Miranda, José Edimar Brito Miranda, foi alvo de mandados de condução coercitiva e busca e apreensão. Miranda pai foi proibido de acessar ou frequentar órgãos públicos estaduais.

Toda a investigação começou após a prisão em flagrante dos sócios Antônio Bringel e Cristiano Maciel Rosa.

Os empresários, controladores da Cardiomed Comércio e Representação de Produtos Médicos e Hospitalares, forneceram à Secretaria de Saúde do Tocantins produtos para fins terapêuticos ou medicinais com prazos de validade de esterilização vencidos, segundo a investigação.

Acuado, Bringel decidiu fazer a delação que põe contra a parede a Saúde do Tocantins durante vários governos que se sucederam naquele período.

Em seu relato, o empresário afirma que pagou cerca de R$ 25 mil ao ex-secretário da pasta Márcio Carvalho, que ficou 15 dias no cargo. A propina, segundo Bringel, teria sido dada em troca do pagamento de cerca de R$ 500 mil que o Estado devia para sua empresa.

"Esse pagamento foi em espécie e entregue na sala do subsecretário de Finanças", afirma Bringel. "Na época, ele (Marcio Carvalho) era superintendente de Finanças da Secretaria de Saúde e acumulou também como Secretário de Saúde, no final da gestão do Sandoval, por cerca de 15 dias de dezembro de 2014." - uma referência ao ex-governador Sandoval Cardoso (SD), que ocupou a chefia do Executivo estadual de maio de 2013 a janeiro 2015, antecedendo ao terceiro mandato de Marcelo Miranda.

O delator contou, ainda, que se reuniu com José Edimar Brito Miranda e com uma lobista, Sônia Vieira. Segundo ele, o pai do governador "afirmou que intercederia junto à Secretaria de Saúde do Estado para que houvesse liberação de créditos para a sua empresa".

"O acerto do porcentual é feito mensalmente", afirmou. "Em geral, os próprios médicos passam um planilha com a quantidade de cirurgias realizadas e com a descrição dos materiais utilizados e o valor mensal a ser recebido da empresa fornecedora." Ele disse possuir "meios de comprovar as transferências/pagamentos para os médicos".

O delator contou que mensalmente pagava, em média, "o valor de 80, 90 e até 100 mil reais para três cardiologistas". Segundo ele, os cardiologistas recebem de 10% a 20% nas intervenções cirúrgicas dos particulares ou pelo SUS.

"O direcionamento se dá com a intervenção dos médicos, que emitem parecer técnicos e listam como itens a serem licitados produtos demasiadamente específicos de modo que apenas as empresas pré determinadas as possuem", segue o delator. "As empresas beneficiadas com este esquemas são aquelas que acordaram com os médicos. Uma vez vencida a licitação passarão a pagar aos médicos sempre que houver o uso do material."

Gringel ressaltou que "todas as empresas fabricantes dos produtos vendidos sabem dos esquemas fraudulentos para a venda dos OPMEs". "Havia uma conversa informal entre os representantes das empresas como algo trivial."

Questionado sobre "participação de servidores públicos no esquema fraudulento", ele informou que uma operadora "tinha contato direto com o secretário de Administração que estivesse na pasta".

"Foram vários secretários durante o período das fraudes. Além de toda a fraude informada e dos percentuais que tinha que pagar, ainda assim o Estado ficava devendo vários meses de pagamento. Em algumas ocasiões em que teve que cobrar dívidas antigas, chegou a negociar com os responsáveis pela liberação dos pagamentos."

Antônio Bringel destacou que "se recorda de ter feito uma negociação em dezembro do ano de 2014 com Márcio Carvalho, que era o secretário estadual de Saúde à época, para receber uma dívida de aproximadamente R$ 1.600.000,00, sendo negociado a devolução ao ex-secretário de 10% do valor recebido a título de vantagem para liberação do pagamento".

Ele disse "se recordar de outro caso em que teve que pagar um porcentual de 10% para uma pessoa de nome Sônia Vieira, que se apresentou como pessoa que poderia facilitar o recebimento de dívidas da Secretária de Saúde".

"Sônia Vieira o levou até Brito Miranda", afirmou o delator, referindo-se ao pai do governador do Tocantins. Ele disse "não se recordar a data, mas sabe que foi no ano de 2015 e que, efetivamente, recebeu um milhão de reais e pagou à Sônia Vieira o valor de cem mil reais, os quais foram pagos em espécie".

"Sônia Vieira foi buscar o valor na sede da empresa Cardiomed em Araguaína (TO). Não sabe qual a relação entre Sônia e Brito Miranda."

O delator informou, ainda, que "era necessário pagar o porcentual dos médicos e dos hospitais ainda que não tivessem recebido os valores da Secretária de Saúde ou da Secretaria de Administração".

Segundo ele, os produtos cardiovasculares eram licitados tendo como referência a tabela do SUS. "Nas licitações os produtos deveriam ser oferecidos com descontos, tendo como referencia os valores da tabela SUS. Em geral, os valores da tabela SUS estão acima do praticado no mercado e, a título de exemplo, em 2014 um stent coronário convencional era vendido a R$ 2.034,00 e, na última licitação, ocorrida recentemente, este mesmo produto foi ofertado por cerca de R$ 400."

"Os médicos cardiologistas procuravam as empresas com as quais faziam acertos e pediam as especificações direcionadas dos respectivos produtos que seriam colocados no edital de licitação. Os médicos encaminhavam a listagem de materiais necessários, em especial ao Hospital Geral de Palmas, que enviava para a Comissão de Licitação. Como já estava acertado com os médicos, nas licitações não se oferecia descontos, mantinha-se em geral o preço máximo da tabela SUS."

"Às vezes, a pedido dos médicos, fazia-se um teatro com outra empresa, com apresentação de preços com pequenas variações. Os médicos, às vezes, para não ficar refém de uma única empresa, inseriam na listagem dos produtos a serem licitados, o mesmo produto em dois itens diferentes, com pequenas diferenças técnicas específicas da empresa fornecedora, visando o direcionamento."

"Durante a licitação, se alguma empresa que não estava no esquema oferecesse valor abaixo, em razão das características específicas do produto licitado, essas propostas eram desclassificadas através do parecer técnico do médico especialista responsável por aquela área até que a empresa licitante do esquema fosse a vencedora."

"O SUS era o 'osso' ou carne de pescoço e o privado era o 'filé' e todas as empresas trabalhavam nas duas vertentes, privado e SUS. No SUS era a quantidade de procedimentos (volume) e no privado era o valor agregado (poucos procedimentos com valores bem altos)"

"No privado e planos de saúde a tabela utilizada é a Simpro, onde a fabricante publica o preço que quer. As comissões, como eles costumavam dizer, o 'plus', eram variáveis, em geral na média de 20% a 30% sobre o valor vendido, da nota fiscal. A título de exemplo, o stent farmacológico (com drogas) era fornecido por R$ 18 mil e, deste valor, era repassado R$ 8 mil ao médico e o preço de custo para a empresa distribuidora é de cerca de R$ 2.200."

Defesas

"A Secretaria de Estado da Saúde (Ses-TO) esclarece que está colaborando com a investigação e aguarda a apuração da Polícia Federal e decisão da Justiça, em relação às possíveis fraudes praticadas em licitações nos últimos oito anos, apontadas na Operação Marcapasso."

"Sobre o envolvimento de médicos e outros servidores públicos em condutas irregulares, a Secretaria de Estado da Saúde do Tocantins esclarece que vai aguardar o fim das investigações para tomar as providências administrativas, em relação àqueles que, porventura, tiverem a participação comprovada."

A reportagem não localizou a defesa de José Edimar Brito Miranda. O espaço está aberto para manifestação.

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