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Como especialistas em segurança pública avaliam o pacote de Sérgio Moro

Avaliação é que lei ajuda quando mira investigação e fim da impunidade, mas pode trazer problemas novos e agravar violência policial

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, se reúne com governadores e secretários estaduais de Segurança Pública para apresentar o Projeto de Lei Anticrime. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

João Pedro Caleiro

Publicado em 4 de fevereiro de 2019 às 20h50.

Última atualização em 6 de fevereiro de 2019 às 19h10.

São Paulo - O Projeto de Lei Anticrime divulgado nesta segunda-feira (04) por Sérgio Moro , ministro da Justiça e Segurança Pública, recebeu críticas e elogios de especialistas em segurança pública ouvidos por EXAME.

Há pontos universalmente bem vistos, como a tipificação mais clara do crime de caixa dois, e outros que apesar de polêmicos do ponto de vista jurídico, já estavam em amplo debate público, como o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância.

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Entre os advogados, o texto foi visto como genérico e pouco cuidadoso devido aos termos não-jurídicos, contradições em relação a outras normas e possíveis inconstitucionalidades.

Violência policial

Entre os especialistas em segurança pública, a novidade mais criticada foi o relaxamento do "excludente de licitude", uma promessa do presidente Jair Bolsonaro, afetando casos em que o policial age em suposta legítima defesa.

A nova proposta permite ao juiz reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso no uso da força decorrer de "escusável medo, surpresa ou violenta emoção" e não apenas para evitar agressão.

"Isso acaba com a legislação, pois caracteriza um não-critério. Qualquer troca de tiros envolve 'escusável medo, surpresa ou violenta emoção'. É uma licença para matar, e que pode dar guarida a muitos maus policiais", diz Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz.

Outra crítica comum é que nas 14 leis modificadas, Moro importou modelos de fora sem dar atenção às particularidades locais. Este seria o caso dos acordos penais - as plea bargains, comuns nos Estados Unidos e em outros países.

A proposta tem apoio de procuradores e magistrados e potencial de desafogar o Judiciário, na medida que muitos processos seriam encerrados com acordo antes mesmo de serem encaminhados.

No entanto, é criticada onde é usada por deixar os acusados em posição desfavorável, levando à prisão de inocentes. O problema se agravaria em lugares onde há ampla desigualdade no acesso à Justiça, histórico de arbitrariedades e pouco controle público.

"É absurdo trazer o sistema para um país onde existem práticas de tortura evidenciadas nas delegacias", diz Luiz Fábio Silva Paiva, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Superlotação

Outro ponto criticado pelos especialistas é que o endurecimento de penas e da progressão de regimes sem investimentos equivalente em ampliação de vagas pode agravar o problema de superlotação dos presídios, colocando ainda mais poder na mão de organizações criminosas.

"O próprio STF já tem um entendimento consolidado de que o aprisionamento não é a melhor alternativa", diz o advogado Miguel Pereira, presidente da Comissão de Estudos sobre Corrupção, Crimes Econômicos, Financeiros e Tributários do IASP.

O projeto de Moro também prevê que condenados que sejam comprovadamente integrantes de organizações criminosas não terão direito a progressão de regime.

Para o ministro, “um pequeno traficante que é membro de uma organização criminosa não me parece ser um pequeno traficante”, fala vista como desconectada da realidade dos presídios brasileiros.

"Em vários estados, você não tem escolha: se associar a uma facção é a única forma de sobreviver ao sistema prisional. O Judiciário não entende, porque o sistema é totalmente partido e infelizmente muito juiz nunca pisou em uma cadeia", diz Ilona Szabó, fundadora do Instituto Igarapé e especialista em políticas públicas de combate à criminalidade.

Ela também nota que a progressão de pena serve à função de dar ao gestor na ponta do sistema uma moeda de troca que incentiva o bom comportamento do preso.

O que falta

De forma geral, os especialistas e instituições ligadas ao tema veem o projeto como o início de um diálogo, já que não foram procurados antes que a proposta fosse apresentada.

Elas também esperam que Moro coloque o peso do ministério na melhora do preparo das forças policiais e no direcionamento de mais recursos financeiros, humanos tecnológicos para investigações, pontos vistos como um enorme gargalo da segurança no país.

“Essas medidas não são prioridade se quem faz crime contra vida nesse país nunca é levado a julgamento. Há uma cultura no Brasil de tratar o problema da segurança pública com propostas legislativas, mas o mais difícil é fazer com que a polícia chegue no criminoso. Se não conseguirmos chegar a ele e acumulando provas no caminho, não há como combater a impunidade”, diz Marques.

Nesse sentido, um ponto da proposta que ele vê como positivo é a criação de um banco balístico nacional, que permite verificar que uma arma registrada em um estado foi utilizada em um crime em outro estado.

A criação do banco de dados genético nacional prevista na lei também pode contribuir para solução de crimes, ainda que levante preocupações com privacidade e segurança do banco de dados.

Uma nota do Fórum de Segurança Pública aponta que o texto é omisso sobre “funcionamento das polícias – e suas carreiras e estruturas -, governança, gestão ou sistemas de informação ou inteligência” e não traz clareza sobre “ações dos governos estaduais e da União no enfrentamento da corrupção policial, que é um dos aspectos que contribui para o surgimento de milícias”.

Segundo eles, o projeto não parece considerar "as evidências empíricas sobre o que funciona na segurança pública”.

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