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Clima: o flanco aberto de Trump

Camila Almeida Donald Trump não acredita em aquecimento global, mesmo precisando conviver com o fato de que 2016 é o ano mais quente da história, atingindo uma temperatura média de 15ºC, mais de 1ºC acima dos níveis pré-industriais, usados como referência. Para o presidente eleito dos Estados Unidos, as mudanças climáticas não passam de uma […]

INCÊNDIO NOS EUA: se Donald Trump de fato abrir mão do virtuoso mercado de baixo carbono, não faltam interessados em ocupar o espaço / David McNew/Getty Images

INCÊNDIO NOS EUA: se Donald Trump de fato abrir mão do virtuoso mercado de baixo carbono, não faltam interessados em ocupar o espaço / David McNew/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 19 de novembro de 2016 às 07h28.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.

Camila Almeida

Donald Trump não acredita em aquecimento global, mesmo precisando conviver com o fato de que 2016 é o ano mais quente da história, atingindo uma temperatura média de 15ºC, mais de 1ºC acima dos níveis pré-industriais, usados como referência. Para o presidente eleito dos Estados Unidos, as mudanças climáticas não passam de uma grande farsa chinesa, armada para fazer com que os americanos fiquem cada vez menos competitivos.

A possibilidade de os Estados Unidos abandonarem as metas climáticas colocou um ponto de interrogação sobre o Acordo de Paris, firmado em 2015. Para garantir que o planeta não esteja 2°C mais quente em 2030, 175 países assinaram o documento, se comprometendo a cortar emissões de gases poluentes. Com as temperaturas quebrando recordes ano a ano, o objetivo parece cada vez mais difícil de atingir. Durante a COP 22, que se encerrou nesta sexta-feira 18, no Marrocos, o consenso foi de que os esforços precisam ser ainda mais agressivos do que os já assinados. Para piorar, a indefinição em relação aos Estados Unidos fez com que a definição de um plano de trabalho precisasse ser adiada – e deve ficar só para 2018.

A China é o país que mais polui, tendo produzido 10,4 bilhões de toneladas de CO2 em 2015, de acordo com o Global Carbon Project, ou 29% de todo o CO2 do mundo. Os Estados Unidos estão logo atrás, com 5,4 bilhões de toneladas de CO2 anuais, ou 15% do total global. Porém, em termos de emissões per capita, os americanos são, de longe, os que mais poluem o planeta: são 16,8 toneladas por pessoa por ano, contra 7,5 toneladas habitante na China. O número é 3,5 vezes maior que a média global.

A missão americana é a de reduzir em 28% as emissões até 2025, em relação aos níveis de 2005. O plano é tratado como ambicioso pela Casa Branca, mas não é tão ousado quando se olha para o comprometimento global. A União Europeia prometeu cortes de 40%. Para a China, a meta é atingir o pico de emissões até 2030 e aumentar em 20% a fatia de energia limpa. Mas o país também já apresenta um plano mais audacioso: deve cortar em 18% as emissões no período 2015-2020; reduzir a intensidade de emissões em relação ao PIB em 65% até 2030; e ampliar em 4,5 bilhões de m³ o volume de florestas.

O risco é real?

O Acordo de Paris é histórico justamente por contar com a parceria dos dois países – que não estavam guiados pelo Protocolo de Quioto, firmado em 1988. E desfazer esse comprometimento coloca em risco todo o esforço global. Porém, apesar da postura de Trump, que chegou a afirmar vai colocar um ponto final na “guerra ao carvão”, o mercado de energia limpa americano vai bem; e a legislação ambiental é avançada.

Enquanto a capacidade de gerar energia solar cresceu mais de 100% entre 2009 e 2015, o uso de carvão caiu 14% em relação a 2014 e 25% em comparação a 2005, de acordo com a Administração de Informação em Energia dos Estados Unidos (EIA). O avanço desse mercado faz parte do Plano de Energia Limpa do presidente Barack Obama, que Trump tem chamado de “ilegal”. Algumas indústrias poderosas já começam a avançar no lobby. A Aliança do Automóvel, por exemplo, já escreveu uma carta em que se posiciona a favor da revisão das regras, que impuseram um desafio considerável às manufaturas.

Apesar das dúvidas sobre o futuro do compromisso climático que os Estados Unidos já assumiram, qualquer mudança de postura vai esbarrar em embates com movimentos sociais e com o próprio legislativo. Porém, há um ponto que pode colocar por terra o acordo: dinheiro. Os Estados Unidos tinham se comprometido a oferecer 800 milhões de dólares por ano em financiamentos, como forma de ajudar países menos desenvolvidos a se adaptar à uma agenda mais sustentável. Essa verba, numa gestão de Trump, deve ser cortada.

O fim da liderança?

Com as mensagens ameaçadoras de Trump, a delegação americana chegou à Conferência no Marrocos nocauteada – e mais atrapalhou as discussões do que ajudou. O atual secretário de estado, John Kerry, estava de mãos atadas. “O que eu farei é falar à assembleia a respeito de nossos esforços e do nosso profundo comprometimento. Não posso falar pelo novo governo, mas sei que o povo norte-americano apoia isto majoritariamente”, afirmou à imprensa na terça-feira 15.

Ao presidente eleito, não faltaram puxões de orelha e cobranças. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, defendeu o Acordo de Paris afirmando que “o que antes era impensável, hoje é imparável”. Já o presidente francês, François Hollande, reiterou que os Estados Unidos têm a obrigação de respeitar os acordos já assumidos e que “não se trai uma promessa de esperança”.

Mais de 360 empresas, entre elas gigantes como Nike, Unilever e L’Oreal, assinaram uma carta em que reafirmam a necessidade de adotar uma economia de baixo carbono o mais rápido possível. E a União Europeia afirmou que, caso os Estados Unidos desistam do acordo, vai impor uma nova taxa aos produtos americanos, como forma de cobrar pelo prejuízo ambiental.

Enquanto isso, os chineses aproveitaram a deixa para assumir a liderança das discussões, reafirmando compromissos e incentivando outras potências a serem mais agressivas com suas metas. O Brasil se destacou pela inovação – apresentou resultados já surpreendentes de redução do desmatamento na Amazônia, propôs instrumentos financeiros para estimular o setor privado a entrar no mercado de carbono e mostrou que está interessado em fazer da sustentabilidade um grande negócio.

Sobra espaço para esse mercado crescer. Em setembro de 2014, a Aliança Internacional de Redução de Carbono e Compensação (ICROA) e a Universidade Imperial College London lideraram estudo sobre o mercado de carbono. Dentre as 72 empresas consultadas, 67% relataram benefícios comerciais concretos provenientes de programas de compensação voluntários. O estudo concluiu que cada tonelada de CO2 reduzida gera cerca de 664 dólares em benefícios, ambientais ou econômicos. Se Donald Trump de fato abrir mão desse mercado virtuoso, não faltam interessados em ocupar o espaço.

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