Capacidade da agricultura familiar de impulsionar indústria no Brasil enfrenta desafios estruturais
Governo anunciou R$ 547 bi para a agroindústria na nova política industrial, priorizando agricultura de precisão e pequenos produtores. Mas especialistas avaliam que a simples disponibilização de recursos não é suficiente
Repórter
Publicado em 6 de dezembro de 2024 às 06h01.
Anunciada pelo governo federal nesta terça-feira, 3, a Missão 1 da Nova Indústria Brasil (NIB) , focada em cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais, divide especialistas quanto ao seu alinhamento ao objetivo de retomar a industrialização do país em novas bases.
O plano da gestão petista prevê R$ 546,6 bilhões de investimentos públicos e privados até 2029 em equipamentos de agricultura de precisão e na ampliação da capacidade de produção de alimentos saudáveis da agricultura familiar.
Com isso, o governo espera elevar o crescimento do PIB da Agroindústria, que foi de R$ 761 bilhões em 2023. De 2019 a 2023, o crescimento da agroindústria foi de 1,75% em média. O plano é elevá-lo para 3% ao ano até 2026, e 6% de 2027 a 2033.
Algumas cadeias produtivas foram mapeadas, como a de agricultura de precisão (drones), fertilizantes e biocombustíveis e máquinas agrícolas e seus componentes.
"O Mover mobilizou R$ 130 bilhões na indústria automotiva e está incluído nisso tratores e implementos agrícolas, um impulso de crédito tributário privilegiando e eficiência energética, levando a um aumento de mecanização e tecnificação na agricultura", disse no lançamento da Missão ovice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin.
Caso cumpridas, essas metas poderiam levar o PIB do agronegócio brasileiro dos atuais R$ 2,5 trilhões para próximo de R$ 4 trilhões até 2033, segundo Cléber Soares, secretário-executivo em exercício do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Esse aumento da participação da agroindústria na composição do PIB do agro passa, nos planos do governo, por aumentar a taxa de mecanização da agricultura familiar dos atuais 25% para 28%, em 2026, e 35%, em 2033, com tratores e outros implementos, e aumentar a tecnificação da agricultura familiar dos atuais 35% para 43% nos próximos dois anos, e 66%, nos próximos oito anos.
A ênfase na agricultura familiar, no entanto, pode não ser suficiente para impulsionar uma ampla industrialização, na avaliação de Haroldo Torres, economista, sócio-diretor da PECEGE Consultoria e Projetos e professor do MBA USP/Esalq e da Faculdade Pecege. Para Torres, a meta "apresenta coerência parcial com os objetivos da NIB".
Ele pondera que, historicamente, o setor enfrenta desafios estruturais como o acesso limitado a tecnologias avançadas e menor capacidade de investimento. "O que pode restringir sua contribuição para a industrialização em novas bases", afirma.
Para ele, outro desafio do governo é complementar os incentivos à mecanização dos pequenos produtores com políticas que abordem suas limitações para alcançar os objetivos da NIB.
Foco na produção média
O acesso ao financiamento e a equipamentos, e a capacitação do pequeno produtor para utilizar essas novas tecnologias de implemento agrícola, também são vistas como barreiras pelo economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Mas o especialista defende que elas são reconhecidas no processo para a neoindustrailização brasileira.
Cagnin afirma que a meta é coerente com os objetivos da nova política industrial por agregar valor à produção primária, complexificando as atividades produtivas e agregando valor, e pelo potencial de "catapultar" as atividades e produções dos agricultores familiares.
Hoje, o setor representa 23% do valor bruto da produção agropecuária do país e é reconhecido por práticas mais sustentáveis ao equilibrar a produção agrícola com a sustentabilidade ambiental.
"Toda vez que temos como foco melhorar a produção média, ou seja, não olhar só para os grandes ou só para aqueles mais bem localizados, geograficamente inclusive, mas busca puxar as empresas menores, produtores menores e mais para o interior do país, isso ajuda a melhorar produtividade do agregado", diz o economista do Iedi, que vê na medida uma forma de superar as desigualdades regionais de um país dividido por indústrias 1.0 e 4.0.
"Isso puxa a produtividade daquilo que menos tem produtividade, que menos cresce. Alavanca-se quem precisa subir mais. E, ao longo do tempo, à medida que você está reduzindo a simetria e criando uma homogeneidade maior da estrutura produtiva, também facilita o processo de difusão tecnológica, que hoje está obstaculizada por essa heterogeneidade muito forte", acrescenta.
O negócio do agro
A Missão 1, contudo, é apenas uma das quatro missões que foram lançadas desde a divulgação da NIB em janeiro. Há ainda outras duas que devem ser lançadas até o final do ano, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Elas tratam desde setores da saúde, infraestrutura urbana, tecnologia da informação, bioeconomia e defesa.
Há críticas à abrangência das metas e à priorização de setores já privilegiados, como o agro, foco da mais nova missão anunciada.
A criação de uma nova finalidade de financiamento para aquisição de máquinas e implementos agrícolas de pequeno porte, por exemplo, já é prevista no Plano Safra. O programa de crédito para o setor chegará a ter quase R$ 450 bilhões de 2024 a 2025, valor superior ao orçamento da Nova Indústria Brasil para os próximos dois anos.
"A agricultura recebe muito subsídio também, muito mais do que indústria, na verdade. E tudo isso vai favorecendo e reforçando essa competitividade que o setor tem, mas não conseguimos avançar na cadeia produtiva", afirma Cagnin.
O economista do Iedi explica que diante desse caso é fundamental que o país tenha uma agenda também de combate ao Custo Brasil."Ele retira a atratividade econômica dessas atividades mais agregadoras de valor.O que precisamos é reduzir esse obstáculo para poder fluir melhor essa atividade, essas competências produtivas que a gente já tem estabelecido nos setores primários em direção a elos da cadeia mais sofisticados", avalia.
O que diz o governo
Em cerimônia para divulgação da Missão 1 nesta terça, o governo federal detalhou que dos R$ 546,6 bilhões anunciados, R$ 250,2 bilhões são de recursos públicos disponibilizados em linhas de crédito, e R$ 198,1 bilhões foram alocados em 2023 e 2024. Segundo o MDIC, R$ 52,18 bilhões estão disponíveis para 2024 a 2026. Já o setor privado prevê investimentos de R$ 296,3 bilhões até 2029.
O objetivo é também adensar a cadeia de produção de fertilizantes e biofertilizantes, gerando valor aos produtos nacionais e reduzindo a dependência brasileira desses insumos importados.
Dados do Ministério da Agricultura mostram o Brasil é o quarto maior consumidor mundial de fertilizantes, com 8% do total global. Mas mais de 80% deles são importados. A iniciativa federal também visa fortalecer a produção nacional de máquinas agrícolas e suas partes e componentes.
Outra novidade revelada no evento foi a inclusão do Banco do Brasil ao Plano Mais Produção (P+P) como novo braço de financiamento da NIB. As linhas de crédito do banco público somam R$ 101 bilhões, o que elevou os recursos do P+P para próximo dos R$ 507 bilhões.
Além do BB, o plano disponibiliza recursos por meio do BNDES (R$ 259 bilhões), Caixa (R$ 63 bilhões), Finep (R$ 51,6 bilhões), Banco do Nordeste (R$ 16,7 bilhões), Banco da Amazônia (R$ 14,4 bilhões) e Embrapii (R$ 1 bilhão). Até o momento, os investimentos na Missão 1 já somavam R$ 296,3 bilhões – o quarto maior volume de recursos atrás dos setores de construção, Tecnologia da Informação e da Comunicação (TICs) e automotivo.01