Brasil falha na fiscalização do bem-estar animal, diz ONG
A WAP avaliou, no entanto, que o Brasil tem um grande número de leis de proteção animal, em comparação com outros países da América Latina, África e Ásia
Da Redação
Publicado em 4 de outubro de 2016 às 18h50.
No Dia Mundial dos Animais , comemorado hoje (4), a organização não governamental Proteção Animal Mundial (WAP, do nome em inglês World Animal Protection) avaliou que o Brasil, em relação a outros países da América Latina e também da África e da Ásia, tem grande número de leis de proteção animal, como a lei federal 9.605/1998, que indica que atos de abuso, maus-tratos, mutilação para qualquer animal, seja ele silvestre ou doméstico, é considerado crime.
Para a gerente de Programas Veterinários da Proteção Animal Mundial, Rosângela Ribeiro, o problema no Brasil não é a falta de legislação, mas o cumprimento das leis.
“É a parte da fiscalização, que fica muito a desejar”. É preciso que se criem instrumentos de fiscalização e, na verdade, que se apliquem as penas da maneira correta, disse Rosângela porque, “muitas vezes, um crime contra um animal é investigado, existem provas contra a pessoa, mas o juiz acaba considerando esse crime de menor potencial ofensivo e modifica a pena para cestas básicas ou trabalho voluntário e aquilo indica para as pessoas que o animal tem um 'status' inferior aos seres humanos”. Com isso, as pessoas acham que não vai acontecer nada, porque o animal tem um valor menor na sociedade.
Em outros países, como a Inglaterra, Suécia, Holanda, as penas são cumpridas. A gerente da WAP apontou a necessidade de serem criados projetos e políticas públicas, em especial no referente ao controle populacional.
“Mas eu acho que, além disso, há necessidade também de se mudar uma cultura, trabalhar na educação da guarda responsável, no valor a todas as formas de vida. Esse é um trabalho a longo prazo", afirmou.
País modelo
A Inglaterra foi o primeiro país a criar uma legislação de proteção animal ainda no século 19 e pode ser considerado modelo nessa questão. A educação é outro elemento considerado fundamental na relação homem/animal, segundo Rosângela. Na Suécia, a pessoa tem que fazer um curso de guarda responsável e ser aprovado no final para poder ter um animal.
É importante inibir o comércio indiscriminado por meio de leis, tentar promover a adoção “e conscientizar as pessoas que existem milhões de animais abandonados em abrigos, centros de controle de zoonoses, ONGs”.
A WAP vê atualmente muitos municípios criando leis que, no futuro, tornarão o mundo melhor para os animais. São legislações que obrigam que haja registro e identificação dos animais, micro chipagem, implementação de programas de esterilização ou controle populacional de forma humanitária, projetos de regulamentação de animais de tração, como cavalos e mulas.
“Esses projetos todos, a longo prazo, acabam até funcionando como projetos educativos”. Isso favorece que as pessoas comecem a pensar que os animais têm direitos, que também sentem dor, medo, angústia, alegria, como qualquer outro ser vivo. “No Brasil, a gente vê mais uma negligência, uma ignorância de informação em relação ao animal que, realmente, precisa de cuidados”.
Animais de criação
Em relação aos animais de criação, a WAP considera que existe um problema grande no Brasil, porque o país é um dos maiores produtores globais de carne bovina, suína e de frangos e, também, um dos principais exportadores. Rosângela Ribeiro avaliou que houve melhorias nessa área nas últimas décadas.
A abertura do comércio europeu, com diretivas específicas com relação à criação, transporte e abate, contribui para que esses processos sejam aperfeiçoados no Brasil.
Segundo a gerente da WAP, os padrões de criação têm mudado entre os fazendeiros brasileiros. Os abatedouros federais, que permitem a exportação, são mais fiscalizados, disse, observando entretanto que os abatedouros estaduais e municipais ainda deixam muito a desejar. “Deve-se ainda fazer muito em relação à fiscalização”.
Chamou a atenção também para a necessidade de se atualizar a legislação nacional relativa à criação, transporte e abate de animais, que “tem mais de 40 anos”, além de se ter mais fiscais agropecuários visitando as fazendas e abatedouros pelo país, treinar as pessoas que fazem o transporte de animais, que somam “mais de 50 bilhões sendo abatidos anualmente no mundo”.
“A gente tem que pensar em melhorar a vida desses animais, criar mecanismos, legislações e maneiras de fiscalizar e de se implementar boas práticas em toda a cadeia produtiva, desde o nascimento do animal, até sua morte. Tudo tem que ser feito para minimizar ao máximo o sofrimento desse animal e respeitar o bem-estar dele”.
Cobaias
Sobre animais utilizados como cobaias em laboratórios, Rosângela Ribeiro lembrou que o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), do Ministério da Ciência e Tecnologia, está criando diversos regramentos para o uso responsável de animais. Infelizmente, comentou, não há ainda na pesquisa 100% de métodos substitutivos ao uso de animais, mas no ensino, nas faculdades, isso já ocorre.
O ideal, segundo a gerente da WAP, é que se criem métodos substitutivos a essa prática, como culturas celulares e programas de computador ('softwares').
“E se for utilizar animais, isso deve ser feito da maneira mais responsável possível, sempre pensando nos três “R”: reduzir o número de animais; refinar o experimento ao máximo, quer dizer, sempre utilizar procedimentos anestésicos; e o terceiro R, do inglês 'replacement', que significa tentar substituir esses animais por um tecido não animal, uma cultura celular. É uma responsabilidade do pesquisador, que deve agir com ética e compaixão para com esses animais”, recomendou.
Saúde pública
O presidente da ONG Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal (Arca Brasil), Marco Ciampi, destacou a força do poder público, tendo em vista que o animal também está ligado à questão da saúde pública. Cabe ao aparato público conscientizar e divulgar as atitudes que devem ter os proprietários de animais, bem como disciplinar essa relação por meio de políticas públicas e, inclusive, de recursos que podem ser gerados com o registro e identificação desses animais e que, eventualmente, podem ser reinvestidos no processo de castração.
“Essa é uma política contemporânea, progressista, e que deve ser imprimida aos poucos”. Não se trata de criar uma taxa sem que se crie uma cultura do vínculo do proprietário com seu animal, advertiu.
Para evitar que haja animais abandonados, Ciampi destacou que é preciso investir no controle populacional. No mesmo eixo do cão e do gato, ressaltou, o papel que deve ser exercido pelas classes veterinárias e ONGs ou grupos de proteção animal que podem, de forma combinada, reduzir custos, maximizar materiais e equipamentos. “E, com isso, tornar mais acessível à população o procedimento da cirurgia de castração”.
Esse trabalho vem sendo efetuado pela Arca Brasil nos últimos 20 anos, promovendo cursos de treinamento cirúrgico, para poder enfrentar essa situação em planos de massa, com redução de custos, informou.
Diversão humana
Marco Ciampi ressaltou que o uso de animais em 'shows' para diversão humana vem sendo questionado no mundo todo. Exemplos são as vaquejadas e rodeios, no Brasil; as touradas, na Espanha; 'shows' aquáticos, nos Estados Unidos; circos.
Cerca de dez estados brasileiros já proibiram o uso de animais em circos. “É um avanço muito grande. Citou o santuário para elefantes que está sendo criado em Mato Grosso, para receber animais oriundos de circos que não podem mais mantê-los. “Isso é um avanço”, reiterou.
Sobre animais silvestres, Ciampi destacou que se trata de uma fauna desprotegida, que vem sendo pressionada pelas fronteiras agrícolas, pela caça, conflitos desses animais com fazendeiros, pelo tráfico. “Tudo isso é uma grande ameaça a esses animais”.
No caso do setor de beleza, a Arca Brasil comemorou a decisão do governo de São Paulo, que proibiu a criação de animais para testes em cosméticos. Essa atitude poderá ser replicada em outros estados, indicou o presidente da ONG.
Tocou, ainda, na questão dos animais utilizados em rituais religiosos, matéria de análise até pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo Ciampi, há uma discussão sobre a manutenção da matriz afro-brasileira, embora pessoas ligadas a essas religiões já defendam que uma coisa é a religião e outra é o sofrimento do animal.
A proteção dos animais é, para a Arca Brasil, uma atitude persistente, que reúne avanços e recuos ao longo dos anos. “Mas a notícia boa, salientou Ciampi, é que o Brasil se torna cada vez mais solidário à causa dos animais”.
No Dia Mundial dos Animais , comemorado hoje (4), a organização não governamental Proteção Animal Mundial (WAP, do nome em inglês World Animal Protection) avaliou que o Brasil, em relação a outros países da América Latina e também da África e da Ásia, tem grande número de leis de proteção animal, como a lei federal 9.605/1998, que indica que atos de abuso, maus-tratos, mutilação para qualquer animal, seja ele silvestre ou doméstico, é considerado crime.
Para a gerente de Programas Veterinários da Proteção Animal Mundial, Rosângela Ribeiro, o problema no Brasil não é a falta de legislação, mas o cumprimento das leis.
“É a parte da fiscalização, que fica muito a desejar”. É preciso que se criem instrumentos de fiscalização e, na verdade, que se apliquem as penas da maneira correta, disse Rosângela porque, “muitas vezes, um crime contra um animal é investigado, existem provas contra a pessoa, mas o juiz acaba considerando esse crime de menor potencial ofensivo e modifica a pena para cestas básicas ou trabalho voluntário e aquilo indica para as pessoas que o animal tem um 'status' inferior aos seres humanos”. Com isso, as pessoas acham que não vai acontecer nada, porque o animal tem um valor menor na sociedade.
Em outros países, como a Inglaterra, Suécia, Holanda, as penas são cumpridas. A gerente da WAP apontou a necessidade de serem criados projetos e políticas públicas, em especial no referente ao controle populacional.
“Mas eu acho que, além disso, há necessidade também de se mudar uma cultura, trabalhar na educação da guarda responsável, no valor a todas as formas de vida. Esse é um trabalho a longo prazo", afirmou.
País modelo
A Inglaterra foi o primeiro país a criar uma legislação de proteção animal ainda no século 19 e pode ser considerado modelo nessa questão. A educação é outro elemento considerado fundamental na relação homem/animal, segundo Rosângela. Na Suécia, a pessoa tem que fazer um curso de guarda responsável e ser aprovado no final para poder ter um animal.
É importante inibir o comércio indiscriminado por meio de leis, tentar promover a adoção “e conscientizar as pessoas que existem milhões de animais abandonados em abrigos, centros de controle de zoonoses, ONGs”.
A WAP vê atualmente muitos municípios criando leis que, no futuro, tornarão o mundo melhor para os animais. São legislações que obrigam que haja registro e identificação dos animais, micro chipagem, implementação de programas de esterilização ou controle populacional de forma humanitária, projetos de regulamentação de animais de tração, como cavalos e mulas.
“Esses projetos todos, a longo prazo, acabam até funcionando como projetos educativos”. Isso favorece que as pessoas comecem a pensar que os animais têm direitos, que também sentem dor, medo, angústia, alegria, como qualquer outro ser vivo. “No Brasil, a gente vê mais uma negligência, uma ignorância de informação em relação ao animal que, realmente, precisa de cuidados”.
Animais de criação
Em relação aos animais de criação, a WAP considera que existe um problema grande no Brasil, porque o país é um dos maiores produtores globais de carne bovina, suína e de frangos e, também, um dos principais exportadores. Rosângela Ribeiro avaliou que houve melhorias nessa área nas últimas décadas.
A abertura do comércio europeu, com diretivas específicas com relação à criação, transporte e abate, contribui para que esses processos sejam aperfeiçoados no Brasil.
Segundo a gerente da WAP, os padrões de criação têm mudado entre os fazendeiros brasileiros. Os abatedouros federais, que permitem a exportação, são mais fiscalizados, disse, observando entretanto que os abatedouros estaduais e municipais ainda deixam muito a desejar. “Deve-se ainda fazer muito em relação à fiscalização”.
Chamou a atenção também para a necessidade de se atualizar a legislação nacional relativa à criação, transporte e abate de animais, que “tem mais de 40 anos”, além de se ter mais fiscais agropecuários visitando as fazendas e abatedouros pelo país, treinar as pessoas que fazem o transporte de animais, que somam “mais de 50 bilhões sendo abatidos anualmente no mundo”.
“A gente tem que pensar em melhorar a vida desses animais, criar mecanismos, legislações e maneiras de fiscalizar e de se implementar boas práticas em toda a cadeia produtiva, desde o nascimento do animal, até sua morte. Tudo tem que ser feito para minimizar ao máximo o sofrimento desse animal e respeitar o bem-estar dele”.
Cobaias
Sobre animais utilizados como cobaias em laboratórios, Rosângela Ribeiro lembrou que o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), do Ministério da Ciência e Tecnologia, está criando diversos regramentos para o uso responsável de animais. Infelizmente, comentou, não há ainda na pesquisa 100% de métodos substitutivos ao uso de animais, mas no ensino, nas faculdades, isso já ocorre.
O ideal, segundo a gerente da WAP, é que se criem métodos substitutivos a essa prática, como culturas celulares e programas de computador ('softwares').
“E se for utilizar animais, isso deve ser feito da maneira mais responsável possível, sempre pensando nos três “R”: reduzir o número de animais; refinar o experimento ao máximo, quer dizer, sempre utilizar procedimentos anestésicos; e o terceiro R, do inglês 'replacement', que significa tentar substituir esses animais por um tecido não animal, uma cultura celular. É uma responsabilidade do pesquisador, que deve agir com ética e compaixão para com esses animais”, recomendou.
Saúde pública
O presidente da ONG Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal (Arca Brasil), Marco Ciampi, destacou a força do poder público, tendo em vista que o animal também está ligado à questão da saúde pública. Cabe ao aparato público conscientizar e divulgar as atitudes que devem ter os proprietários de animais, bem como disciplinar essa relação por meio de políticas públicas e, inclusive, de recursos que podem ser gerados com o registro e identificação desses animais e que, eventualmente, podem ser reinvestidos no processo de castração.
“Essa é uma política contemporânea, progressista, e que deve ser imprimida aos poucos”. Não se trata de criar uma taxa sem que se crie uma cultura do vínculo do proprietário com seu animal, advertiu.
Para evitar que haja animais abandonados, Ciampi destacou que é preciso investir no controle populacional. No mesmo eixo do cão e do gato, ressaltou, o papel que deve ser exercido pelas classes veterinárias e ONGs ou grupos de proteção animal que podem, de forma combinada, reduzir custos, maximizar materiais e equipamentos. “E, com isso, tornar mais acessível à população o procedimento da cirurgia de castração”.
Esse trabalho vem sendo efetuado pela Arca Brasil nos últimos 20 anos, promovendo cursos de treinamento cirúrgico, para poder enfrentar essa situação em planos de massa, com redução de custos, informou.
Diversão humana
Marco Ciampi ressaltou que o uso de animais em 'shows' para diversão humana vem sendo questionado no mundo todo. Exemplos são as vaquejadas e rodeios, no Brasil; as touradas, na Espanha; 'shows' aquáticos, nos Estados Unidos; circos.
Cerca de dez estados brasileiros já proibiram o uso de animais em circos. “É um avanço muito grande. Citou o santuário para elefantes que está sendo criado em Mato Grosso, para receber animais oriundos de circos que não podem mais mantê-los. “Isso é um avanço”, reiterou.
Sobre animais silvestres, Ciampi destacou que se trata de uma fauna desprotegida, que vem sendo pressionada pelas fronteiras agrícolas, pela caça, conflitos desses animais com fazendeiros, pelo tráfico. “Tudo isso é uma grande ameaça a esses animais”.
No caso do setor de beleza, a Arca Brasil comemorou a decisão do governo de São Paulo, que proibiu a criação de animais para testes em cosméticos. Essa atitude poderá ser replicada em outros estados, indicou o presidente da ONG.
Tocou, ainda, na questão dos animais utilizados em rituais religiosos, matéria de análise até pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo Ciampi, há uma discussão sobre a manutenção da matriz afro-brasileira, embora pessoas ligadas a essas religiões já defendam que uma coisa é a religião e outra é o sofrimento do animal.
A proteção dos animais é, para a Arca Brasil, uma atitude persistente, que reúne avanços e recuos ao longo dos anos. “Mas a notícia boa, salientou Ciampi, é que o Brasil se torna cada vez mais solidário à causa dos animais”.