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"Bolsonaro queria informações sobre ele", diz Zambelli sobre troca na PF

Analistas alegam que o presidente não tem o direito de ter informações privilegiadas nem sobre ele mesmo, nem sobre outras pessoas

Jair Bolsonaro: presidente demitiu o diretor-geral da Polícia Federal, ação que culminou na demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro (Adriano Machado/Reuters)
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Agência O Globo

Publicado em 27 de abril de 2020 às 13h41.

Para a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), envolvida no desentendimento entre o ex-ministro Sergio Moro e Jair Bolsonaro , o presidente não interferiu politicamente na Polícia Federal (PF) ao tentar tirar Maurício Valeixo do comando.

Segundo a deputada, Bolsonaro quis ter acesso a informações que diziam respeito somente a ele, não a adversários políticos. Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, no entanto, mesmo assim a prática poderia configurar crime de responsabilidade.

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Sergio Moro declarou, na última sexta-feira, que o presidente quis interferir politicamente na PF para ter acesso a informações sobre investigações sigilosas.

Ao "Jornal Nacional", da TV Globo, Moro enviou imagens de uma troca de mensagens com o presidente e também com Carla Zambelli, que tentava convencê-lo a aceitar o nome do atual diretor da Abin, Alexandre Ramagem, no comando da PF, em substituição a Maurício Valeixo.

Em contrapartida ao aval do ministro, a parlamentar disse que ajudaria a convencer Bolsonaro a indicá-lo ao Supremo Tribunal Federal (STF) na vaga que será aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello.

— O ponto é que ele (Bolsonaro) falava que gostaria de ter acesso a informações relativas a ele, não contra outras pessoas. Um (dos casos) é a tentativa de assasssinato a ele, que até hoje não se descobriu o mandante. Ele não queria que a PF repassasse informações sobre o José Dirceu, por exemplo. O que ele queria eram os últimos acontecimentos do país dentro de cada órgão, aquelas (informações) que podem se tornar públicas. Por que ele pode saber informações de outros órgãos, e não da PF? — diz ela.

Numa transmissão ao vivo em seu Facebook logo após a reportagem do "Jornal Nacional", Zambelli se explicou aos seguidores sobre a ajuda que havia oferecido a Moro para tentar convencer Bolsonaro a indicá-lo a uma vaga no STF.

— O Planalto não queria que o ministro saísse. Então, como eu tenho amizade por ele (Moro), eu me dispus a entrar em contato com ele e conversar, chegar a um entendimento, já que ele e o Bolsonaro não tinham chegado a um entendimento. Me propus a ajudar. Eu sabia que o problema estava em cima do nome do Valeixo. Eu estava propondo para ele aceitar o Ramagem, que era um bom nome para ele (Moro) e para o presidente Bolsonaro. Como uma cidadã, como qualquer um de vocês, eu disse que ajudaria ele a ir para o STF — declarou ela na transmissão.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a abertura de um inquérito ao STF contra Bolsonaro, para investigar as tentativas de interferência na Polícia Federal.

Caso as declarações de Moro não se comprovem, pode ficar caracterizado crime de denunciação caluniosa. Caso se confirmem, existem indícios de que a conduta do presidente Bolsonaro pode ser enquadrada em delitos como obstrução à investigação de organização criminosa e advocacia administrativa.

— Acho que ele vai ter que responder por denunciação caluniosa. Ele não vai conseguir provar, se a prova dele estiver em cima de um print, como fez comigo, calculado. Eu continuo acreditando no Bolsonaro — diz Carla Zambelli.

A deputada diz que cobrou de Sergio Moro informações sobre investigações a respeito do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Segundo ela, o interesse era em saber onde a investigação sobre Maia estaria em andamento.

— Eu mandei para ele (Moro), mas não era uma cobrança. Eu descobri que a investigação contra o Maia não está parada no STF, mas sim na PF. E por que está parada na PF? Eu estou investigando o Maia. Já declarei que sou inimiga dele e vou tentar pegá-lo — afirma ela.

Especialistas contestam

O professor da USP Daniel Falcão, especialista em direito constitucional, afirma que o presidente Bolsonaro não tem direito a ter informação privilegiada, sendo o inquérito sobre ele ou sobre qualquer outra pessoa.

— Isso é quebra do princípio da impessoalidade. Se ele está se utilizando de agentes públicos para conseguir uma informação direta, sem um advogado, ele está cometendo improbidade administrativa. Se o inquérito não for sigiloso, qualquer pessoa tem direito a ter informações sobre o inquérito, desde que vá ou até a delegacia ou contrate um advogado para isso — declara Falcão.

Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV de São Paulo, diz que o presidente da República não está sujeito a ações de improbidade, em razão do regime específico de responsabilização previsto na Constituição. Segundo ela, "presidente que comete improbidade comete, em verdade, crime de responsabilidade".

— Se o presidente da República tem interesse pessoal na troca do diretor-geral da Polícia Federal, seja para saber de investigações que recaiam sobre si, seja para saber casos de opositores políticos, pode existir, ao menos em tese, a prática do crime de prevaricação, já que a troca não teria outra razão senão a satisfação de interesse pessoal do presidente da República — afirma Machado.

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