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Arretche, da USP: “Voto é o principal instrumento dos setores mais pobres”

Para cientista política Marta Arretche, saúde e acesso à serviços básicos de saúde são necessidades intrínsecas ao combate à desigualdade social

Marta Arretche: "A solução para o problema educacional não pode se concentrar exclusivamente na questão do financiamento"
DR

Da Redação

Publicado em 14 de junho de 2018 às 15h36.

Última atualização em 14 de junho de 2018 às 17h35.

É possível diminuir a renda em períodos de aperto fiscal? Foi com esta pergunta que o Centro Ruth Cardoso iniciou um debate com a professora Marta Arretche, no mês passado. Cientista social e política, a professora titular do Departamento de Ciência Política da USP, diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cepid) e editora da “Brazilian Political Science Review” afirmou que, embora a renda e a distribuição sejam importantes fatores no combate à desigualdade, elas não são as únicas soluções para a questão.

Para ela, a discussão sobre distribuição de renda sofreu modificações ao longo da história do país. Se antes – entre 1984 e 2015 -discutíamos as taxas de analfabetismo, hoje o tema é substituído pela qualidade do ensino, seja ele fundamental, médio ou superior. Além da educação (que é, para a professora, inegavelmente um dos fatores mais importantes para a redução da desigualdade), a manutenção de estruturas públicas podem ser o ponto chave para o combate às desigualdades sociais, em qualquer momento político e econômico do país. “O acesso às creches, ao serviço básico de saúde e a manutenção da qualidade de educação são estruturas que precisam aumentar e não diminuir, se quisermos evitar o aumento da desigualdade no país”, afirma.

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Além disso, a professora citou a necessidade de discutir a redução da carga tributária e a construção da confiança no governo. Uma pesquisa recente realizada por seu grupo mostrou que o apoio da população à intervenção social do Estado tem diminuído, principalmente por falta de confiança nos governos.

O teto de gastos imposto pelo governo federal vai aumentar ou diminuir a desigualdade?

Está claro que a educação deve ser uma prioridade. Há um grande consenso sobre isso, e que é necessário ampliar as vagas no ensino médio e no ensino universitário. Por outro lado, a emenda do teto até protegeu o setor educacional. Mas isso significa que, embora não deva ignorar  a questão do financiamento, não pode se concentrar exclusivamente nesta questão. Isso quer dizer que a solução para o problema educacional, embora de uma contemplada a questão do financiamento, não pode se concentrar exclusivamente na questão do financiamento. Os estados que foram mais bem sucedidos nos avanços educacionais, no período recente, foram os estados pobres, como Ceará e Espírito Santo. Então a gente deveria examinar melhor quais foram as soluções que eles encontraram para incluir e melhorar a qualidade da educação, num horizonte de escassez de recursos. Eu não estou dizendo que a questão do financiamento não é importante, mas resolver ou melhorar o problema do financiamento não esgota o hall de questões que têm que ser enfrentadas. É necessário enfrentar a questão da gestão educacional, da qualidade do ambiente escolar, dos recursos para os professores, etc.

Desigualdade é uma pauta de esquerda?

Na medida em que sua conexão eleitoral é com uma base social mais desprotegida, os governos de esquerda tendem a produzir resultados melhores em termos de inclusão. Mas isso não significa que governos de direita não façam políticas de inclusão social, se houver pressão eleitoral para isso. No caso brasileiro, que tem 80% da população que depende de serviços públicos, essa pressão eleitoral permanece. Então o que a literatura mostra é que o voto é o principal instrumento que os setores mais pobres têm para melhorar seu bem estar. E isso funciona sob os governos de direita ou não. É mais compatível com governos de direita aplicar políticas de austeridade, mas você pode produzir austeridade com políticas de inclusão.

A senhora afirmou que, em uma pesquisa realizada com a população brasileira, foi possível notar que o apoio à intervenção social do Estado tem caído. Um dos motivos é a falta de confiança nos governos. Existe algum outro motivo?

Existe a seguinte hipótese: nós pensamos o problema da redistribuição em termos de um conflito entre os muito pobres e a elite. Eu acho que esta não é a única clivagem possível. No Brasil, nós temos uma população grande que precisa de serviços públicos, e que não conta com serviços públicos. Então como os setores intermediários da sociedade resolveram o problema dos serviços públicos, dada a abundância de mão de obra baixamente qualificada? Contratando serviços privados a preços muito baixos. Contratando creches privadas muito baratas, trabalhadoras domésticas muito baratas, etc. Na medida em que houve um aumento da renda daqueles baixamente qualificados maior do que aqueles que estavam melhores do que eles, este aumento pesou no orçamento daqueles que são pouco melhores do que eles, mas que precisam desses serviços porque não podem contar com os serviços públicos. Isto pode estar na origem de um conflito entre muito pobres e aqueles menos pobres, que vemos hoje na sociedade brasileira.

Qual o papel das empresas neste processo?

Isso pode acontecer com as empresas que são menos produtivas. As empresas com alta tecnologia, altamente produtivas, podem promover aumentos sistemáticos de salários, porque a produtividade da empresa está garantindo isso. Mas as empresas baixamente produtivas podem chegar a um ponto em que não toleram mais os aumentos dos salários ou as cargas de impostos exigidas pelo governo. E isso pode ser uma razão para a queda do suporte à política de desigualdades. Isso quer dizer que sociedades muito desiguais, quando começam a mexer nas estruturas prévias, podem produzir alguma reação contra os penalizados por essas mudanças. E esses penalizados não são necessariamente os muito ricos.

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