Agências são alvo de manipulação política e desprezo institucional
A perda de qualidade desses órgãos reguladores retira parte da segurança dos investidores na capitalização de setores-chave da economia
Da Redação
Publicado em 30 de agosto de 2010 às 10h18.
São Paulo - O desprestígio e a ingerência política que atualmente assolam as agências reguladoras podem diminuir o potencial de crescimento de longo prazo do país. Especialistas ouvidos por VEJA.com afirmam que a perda de qualidade na atuação dessas autarquias retira parte da segurança dos investidores na capitalização de setores-chave da economia, tais como os de petróleo, telecomunicações e aviação. No final das contas, o maior prejudicado pela deterioração do papel dos órgãos reguladores é o consumidor brasileiro.
Os últimos episódios envolvendo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) levantam sérias dúvidas quanto à eficiência dos seus poderes de fiscalização. Tal quadro é o espelho do progressivo contingenciamento de recursos e aparelhamento político a que foram submetidas desde 2002 - o que contraria os princípios fundamentais de funcionamento dessas autarquias.
O economista Gesner Oliveira, presidente da Sabesp e estudioso do assunto, explica que, à medida que se tornam objeto de manipulação política e desprezo institucional, as agências perdem força. Elas passam, em seguida, a não ser mais reconhecidas como árbitros imparciais por companhias interessadas em investir no Brasil, o que, em última instância, pode diminuir a atratividade do país.
A avaliação é especialmente preocupante no caso dos setores de infraestrutura, onde as deficiências nacionais são escandalosas. "Se não houver investimento hoje, o consumidor de amanhã não terá serviços de qualidade à sua disposição", completou.
Os especialistas afirmam que nunca, em sua vida curta no Brasil, as agências foram tão inexpressivas. De acordo com o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, o governo atual tem uma visão distorcida do papel desses órgãos em uma economia moderna, aberta e competitiva. "Há uma concepção de que estes instrumentos devem estar a serviço do governo. Por isso, salvo raras exceções, as escolhas para cargos nas agências são embasadas mais em relações políticas do que em qualificações técnicas", disse.
A menos que a natureza neutra das agências reguladoras seja resgatada após as eleições de outubro, funcionários pouco qualificados e contingenciamento de verbas continuarão a se retroalimentar. "Administradores sem os atributos técnicos necessários para a condução de agências tão importantes para o funcionamento da economia não fazem questão de exigir melhores condições orçamentárias e, consequentemente, de fiscalização", salienta Oliveira. Se não for respeitado, o interesse público poderá mais uma vez ser deixado às sombras da 'lógica' política.
Início
Apesar de recentes no Brasil, as agências não são novidade mundo afora. As primeiras foram instaladas na Inglaterra, em 1834, e nos Estados Unidos, 1887. Sua missão era exercer o papel do Estado regulador, já que este começava a abandonar a prestação direta de alguns serviços públicos, entregando-os à iniciativa privada.
Ao longo de mais de século, esse órgãos foram se aperfeiçoando para acompanhar as necessidades de uma economia cada vez mais dinâmica e globalizada. Nas décadas de 70 e 80 nos Estados Unidos, elas assumem suas características mais modernas.
Na configuração atual, que ganhou corpo nas nações de cultura anglo-saxônica, as agências regulam e fiscalizam os setores, de modo a promover a concorrência entre os agentes econômicos. O objetivo é atender, da melhor forma possível, o interesse comum. Para isso, virou regra a necessidade de garantir independência gerencial e financeira a essas autarquias, bem como de manter um corpo de profissionais altamente qualificados.
No entendimento desses países, esta é a melhor maneira de o estado - e não o governo e sua base aliada - intervir nos setores produtivos. No Brasil, as agências foram implantadas em 1996, como parte de uma reforma da gestão pública brasileira empreendida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Os especialistas ouvidos por VEJA.com apontam que, a partir de então, deu-se o início de uma transição a outro modelo de atuação estatal (mais semelhante ao que vigora nos EUA). Este processo, contudo, foi paulatinamente desvirtuado nos dois mandatos do presidente Lula.
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