A quem serve o novo ministro?
O receio de uma ingerência do Ministério da Justiça no Tribunal Superior Eleitoral e na Polícia Federal geram desconfiança desde o início do governo
Raphael Martins
Publicado em 29 de maio de 2017 às 19h38.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.
A cadeira de ministro da Justiça é a mais quente de um momento especialmente aquecido de Brasília. Em pouco mais de um ano, o presidente Michel Temer trocou três vezes de ministro. O titular, deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), dará lugar ao ministro da Transparência, Torquato Jardim. A substituição de um pelo outro foi anunciada neste domingo. Temer quer, com a mudança, mais influência no Tribunal Superior Eleitoral às vésperas do julgamento da chapa Dilma-Temer, marcada para o dia 6. Mas também pode iniciar uma ofensiva sobre a Polícia Federal (PF), que ficará sob a batuta de Jardim. Nas duas frentes, a troca de comando da pasta evidencia a sinuca de bico em que, com a Lava-Jato a mil, transformou-se o Ministério da Justiça.
Defensor mordaz do presidente Michel Temer, Jardim chega à pasta após uma marcante entrevista ao jornal Correio Braziliense, publicada no domingo. Na oportunidade, ainda como ministro da Controladoria-Geral da União, minimizou o fatídico encontro fora da agenda entre Temer e Joesley Batista. Também colocou em dúvida a validade dos áudios como provas lícitas. No passado, em entrevista ao jornal O Globo, criticou a extensão das prisões preventivas aplicadas pela Lava-Jato e o uso de delações como “coação” para obtenção de confissões. Jardim não concedeu entrevista a EXAME Hoje.
O receio de uma ingerência do ministério na PF não é de hoje. Na era Temer, o primeiro sob escrutínio foi Alexandre de Moraes, depois nomeado para o Supremo Tribunal Federal. Moraes, entre outras declarações polêmicas, antecipou uma etapa da operação a correligionários do PSDB num domingo. No dia seguinte, o ex-ministro Antonio Palocci foi preso pela PF na Operação Omertà, 35ª fase da Lava-Jato.
O substituto de Moraes, para agradar o Congresso às vésperas de tramitar as reformas da Previdência e trabalhista, foi o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR). O contexto de sua substituição por Torquato Jardim é igualmente contraditório. Uma gravação de Joesley Batista traz críticas pesadas do senador Aécio Neves (PSDB-MG) a Serraglio. “Ele [Temer] errou de novo de nomear essa por#* desse [inaudível]. Porque aí mexia na PF”, disse o tucano. Com um ministro “forte”, insinua Aécio, seria possível evitar inquéritos contra a classe política.
“Uma troca de ministro é geralmente um processo mais prolongado, com avaliação de currículo. Desta vez foi às escuras, com uma postura duvidosa por parte do ministro, em um momento que expoentes da política brasileira manifestam intenção de interferir nos rumos da PF”, afirma Carlos Eduardo Sobral, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal.
Outro pecado de Serraglio foi silenciar em momentos de crise no governo. A gota d’água, fala-se no Planalto, foi a quarta-feira de manifestações em Brasília, em que o então ministro não deu as caras em meio ao caos. Jardim chega para ocupar este vácuo. O momento é difícil. O Ministério da Justiça tem 13,3 bilhões de reais de orçamento, dos quais 6 bilhões vão para PF. Do montante, fora pagamento de pessoal, acaba de ser contingenciado 29% do custeio para este ano. Será difícil afastar o argumento de esvaziamento da PF.
Há tempos a PF não tem aumento de escala. Entre 2011 e 2015, número de operações da PF dobrou, de 284, em 2011, para 512, em 2015, mas as cifras disponíveis se mantiveram. Em 2011, por exemplo, foram disponibilizados 5,78 bilhões de reais, ajustada a inflação. O último registro de intenso crescimento foi nos anos de Luiz Inácio Lula da Silva, quando o total gasto pela PF cresceu de 3,85 bilhões de reais para 6,09 bilhões de reais entre 2003 e 2010 — também em valores corrigidos pelo IPCA. A correlação é direta com a atuação do Ministério Público Federal, que na mesma época ampliou suas ações e precisou de apoio policial. É a época imediatamente posterior a Geraldo Brindeiro, procurador-geral durante os anos de Fernando Henrique Cardoso e apelidado de “engavetador-geral da República”, pelo arquivamento constante de ações contra políticos.
Os questionamentos sobre o papel do ministro da Justiça cresceram junto com a pressão sobre o governo de Dilma Rousseff. O estopim foram as delações do casal de marqueteiros Mônica Moura e João Santana à Lava-Jato. Segundo a publicitária, o ex-ministro José Eduardo Cardozo era a fonte de informações da ex-presidente sobre o andamento de investigações contra os marqueteiros de seu partido. A informação que saiu do Ministério da Justiça chegou aos investigados e poderia ser o start para uma queima de provas.
Jardim retoma o lema de que a Lava-Jato é um “marco civilizatório” do país e sua função, assim como na Transparência, será organizar a pasta. Por lá, havia encampado o projeto de regulamentação do lobby, que, entre outras medidas, reafirmava a importância da agenda oficial de autoridades. Ao Correio Braziliense, contudo, disse que Temer recebeu Joesley na calada da noite porque tem “uma conduta de informalidade que é própria de quem é do Congresso”. Uma clara contradição.
“Desde que houve um fortalecimento da Polícia Federal, com presença firme nas investigações de políticos, a tensão com maior influência política floresceu. O bom ministro da Justiça é alguém que evita essa influência”, diz Pedro Abramovay, ex-secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e ex-Secretário Nacional de Justiça. “Do ponto de vista prático, pode ocorrer influência, sim, ao se retirar delegados da investigação, ameaçar de demissão o chefe da Polícia Federal. São várias as maneiras de colocar em xeque a investigação”.
“O cenário atual abre um novo debate ético. Não está muito claro para ministros da Justiça o quanto eles têm de manter sigilo para a cúpula do governo sobre as informações que recebem. Em situação em que o presidente é alvo da investigação, como proceder? É preciso estabelecer todo um novo protocolo quando envolve o mundo político”, afirma Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito Público da FGV de São Paulo. “É muito sensível o que está acontecendo. A polícia ter que se reportar ao político investigado ou a seus aliados é extremamente paradoxal”.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Jardim diz que vai “avaliar” a substituição de Leandro Daielo do comando da PF e “ouvir o presidente” sobre “qual será o papel do ministro da Justiça”. Servir ao governo ou ao país não deveria ser uma contradição. Mas é a realidade que se impõe. Jardim toma posse na tarde de terça ou na manhã de quarta-feira.