2020, o ano que não começou: as histórias de quem adiou sonhos e planos
Sabe aquela máxima de que o ano só começa depois do carnaval? O que dizer, então, de 2020? Muita gente ainda tenta lidar com a frustração da expectativa
Agência O Globo
Publicado em 5 de julho de 2020 às 11h57.
Sabe aquela máxima de que o ano só começa depois do carnaval? O que dizer, então, de 2020? Com o primeiro caso de covid-19 confirmado no país justamente na Quarta-Feira de Cinzas, os brasileiros mal tiraram o pé da folia e tiveram que se recolher.
Depois de entrar numa longa quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus, muita gente ainda tenta lidar com a frustração de planos não realizados. A viagem dos sonhos, o casamento idealizado durante anos, a formatura na universidade, a mudança profissional... Esses e outros projetos ainda estão à espera, neste ano que parece nunca começar de verdade.
Para o casal de noivos Fabiana Albuquerque, de 34 anos, e Victor Ferreira, de 33, 2020 tem sido um ano marcante, mas de uma forma muito diferente da que imaginavam.
Com o casamento marcado para maio, os pombinhos passariam a lua de mel na Grécia, uma viagem dos sonhos. Seria também a primeira vez de Victor voando de avião. A pandemia jogou um balde de água fria em todos os planos do casal.
"Temos a sensação de que não vivemos este ano ainda. Não foi nada daquilo que se pensa quando marca meia-noite no relógio e se estouram os fogos no réveillon de Copacabana. No primeiro momento, o meu sentimento foi de negação, sou extremamente otimista e acreditei que tudo voltaria ao normal em três meses. Mas o tempo foi passando, e veio a fase da aceitação", conta a analista de marketing Fabiana, que transferiu o casório para junho do ano que vem.
Levantamento do Sebrae mostra que a pandemia afetou, em abril, 98% do setor de eventos no país, fortemente abalado pela crise: 34% dos empresários do ramo devolveram o dinheiro para os contratantes.
No Rio, o número de casamentos caiu 53% na comparação entre maio — “mês das noivas” — de 2019 e deste ano. Segundo os números da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil), em todo o país a redução no número de enlaces foi de 57%.
"Eu tive casais adiando (a celebração da união) por três vezes: de março para maio, de maio para julho e agora para novembro. Percebi que 95% dos noivos adiaram para 2021. Ninguém esperava por isso, nem nós, profissionais do setor, nem eles. No início, foi complicado, com muita ansiedade. Mas precisamos seguir juntos, entendendo a situação e nos moldando à realidade, sem apagar os planos. Depois disso, nada vai ser mais especial e ter mais sentido do que celebrar o amor", diz a cerimonialista Lourdes Correia, da Etoile Eventos.
Para a noiva Fabiana, 2020 chegou para mostrar que todo dia deve ser encarado como um novo princípio. A partir de agora, ela promete nunca mais dizer que o ano começa só depois do carnaval.
"A quarentena e o adiamento dos nossos sonhos vieram para deixar bem claro que o amanhã não existe. Então, temos que fazer tudo o que queremos e precisamos hoje. Porque amanhã pode surgir, sei lá, uma tempestade louca de areia aqui no Brasil", brinca a futura noiva.
Casal ‘ilhado’ na Bahia durante a quarentena
E se tem alguém que ficou parada no tempo em 2020, essa pessoa é a também analista de marketing Mariana Bessa, de 29 anos. No dia 28 de fevereiro, ela viajou com o namorado para a Ilha de Boipeba, na Bahia, onde ficariam de férias até 21 de março.
Mas exatamente no fim de semana da volta para o Rio, o sistema de transportes da ilha fechou, e ainda por cima eles não conseguiram mudar o voo. Desde então, os dois seguem na ilha, onde alugaram até uma casa.
"Eu precisava voltar ao trabalho e à faculdade, mas minha empresa entrou em home office. Estou fazendo pelo celular. A faculdade eu precisei adiar um período, porque não tenho computador aqui. Está tudo uma loucura. Estou procurando um notebook usado para comprar, fazer a monografia e me formar", conta.
O namorado dela, o músico Patrick Afonso, segue trabalhando, mas por lá. Se por um lado Mariana sabe que precisa voltar à “vida real”, por outro reconhece que, em outra circunstância, não poderia realizar esse “sonho de morar na praia”. Mas a família quer que eles voltem.
"Parei no tempo sem a minha vida real. Meus amigos me conhecem e sabem que fui sortuda de poder estar aqui na quarentena. Mas, pela minha família, eu já deveria ter dado um jeito e voltado", diz ela.
'Até logo, formatura! Te vejo em breve'
A universitária Vanessa Castro, de 24 anos, depositava todas as suas fichas em 2020. No último período de Enfermagem, ela precisava concluir os estágios, suspensos por conta da pandemia. Nas redes sociais, ela é uma das internautas que aderiram à hashtag #MetadeDoAnoJáFoiEeu para lamentar tudo que já foi perdido.
"Não sei quando vou voltar, se vou me formar este ano... Estou estudando às cegas. Meus planos, me formando em julho, era focar nas provas da residência, realizadas uma vez por ano. Brinco nas redes sociais e desabafo com os amigos que vivem o mesmo drama meu para não pirar. Com certeza, não vou esquecer 2020", afirma.
Mãe de primeira viagem sem visitas para a pequena
A turismóloga Diana Tiellet, de 36 anos, ainda não conseguiu apresentar a pequena Gabriela, de apenas 1 mês, para o tio, a bisavó e os avós paternos. Nem o pai da pequena, que não mora com Diana, conseguiu conhecê-la. A menina nasceu em maio, durante a quarentena, e não recebeu visitas ainda.
Duas tias viriam dos Estados Unidos para o nascimento. Ela conta que, com tantas coisas para aprender nessa nova fase, não sentiu tanto os efeitos da quarentena. Apesar disso, Diana não pôde colocar tudo que planejou em prática.
"Se não fosse a pandemia, eu passearia com ela na rua pelas manhãs, faria um ensaio fotográfico, receberia muitas visitas... Todos os amigos e parentes estão doidos para conhecer a pequena", diz Diana, citando outra mudança trazida pelo isolamento social: "A minha irmã não pôde acompanhar o parto. Fiquei chateada de não ter uma pessoa próxima nesse momento tão especial e único".
Concurso adiado, mas a dica é para manter o foco
Quando teve início a quarentena, a advogada Mariana Correia, de 28 anos, se preparava para o concurso público da Procuradoria Geral do Município do Rio, em cuja primeira fase já havia sido aprovada. Ela até pediu férias no trabalho para se dedicar aos estudos. Mas, faltando dois dias para o primeiro exame, o certame acabou sendo suspenso.
"Desde o fim da faculdade, ser aprovada num concurso público é o meu maior objetivo", conta ela, que mora na cidade de Niterói.
O professor Patrick Barreto, especialista em concursos públicos, lembra que o candidato não pode desanimar na quarentena.
"Tem que pensar que ganhou um tempo a mais de estudos e que o número de vagas pode aumentar até lá. É preciso manter o foco".
Sonho do intercâmbio (ainda) não deu certo
Um dos principais projetos de vida do engenheiro Felipe Whitaker era fazer um intercâmbio no exterior. Por isso, há um ano ele planejava ir para a França. No entanto, o sonho não foi bem como ele imaginava.
"Cheguei em Paris no fim de fevereiro, mas fiquei praticamente o tempo todo preso dentro de um apartamento de 17 metros quadrados, em quarentena, sem nenhuma aula. Com o medo de fechar as fronteiras e a alta do dólar, decidi voltar para o Brasil", conta ele.