Clubhouse: você ainda se lembra de uma coisa chamada “conversa”?
É um podcast ao vivo? Um zoom sem imagem? Na nova rede social do momento, ou você participa da sala na hora agendada ou perdeu
Publicado em 1 de março de 2021 às, 14h00.
Sabe aquela nova rede que está bombando, que as pessoas precisam de convite para participar e que só é acessível, por enquanto, para quem tem iPhone? Então, eu não vou falar sobre ela.
A essa altura é claro que você já leu um milhão de notícias sobre o Clubhouse ou mesmo já participou de alguma sala de bate-papo. Ou, quem sabe, não deu de cara com o meu ícone em um dos fóruns. Seja qual for o caso, você sabe do que se trata, as vantagens e as desvantagens, as críticas, o zum-zum-zum em torno da novidade. Mas reparou em duas particularidades dessa rede e como, na verdade, essas características parecem um resgate de algo que tínhamos deixado no passado? Calma, eu explico.
Uma dessas particularidades que me chamou a atenção é o fato das mensagens não ficarem gravadas. Ou você participa da sala na hora agendada ou perdeu. Achei curioso que, para explicar essa característica, vi pessoas descrevendo a dinâmica como um podcast ao vivo com plateia ou como uma reunião no Zoom, só que sem imagem. Palavras novas para descrever o que, convenhamos, não é tão novo assim: a conversa. Lembra dela?
Sabe, aquela coisa que nós costumávamos fazer antigamente em que um fala, depois o outro e nós temos que prestar atenção no que está sendo dito porque não dá para pausar o áudio e voltar? Claro, que não é e-xa-ta-men-te igual, mas a essência está ali.
Acho que, há algum tempo, nos acostumamos a ter diálogos mais assíncronos. O e-mail, o WhatsApp, o Teams, as redes sociais, enfim, as diversas plataformas que usamos hoje nos permitem interagir com o outro quando quisermos – e se quisermos. Se a pessoa disse algo que não gostamos, ah, é só ignorar.
O que significa, então, quando explode uma rede social em que você precisa estar ali no momento? Em que você precisa reservar um tempo, entrar naquela “roda de conversa” e prestar atenção para poder interagir? Será que, em algum grau, essa conexão quando-quero e se-eu-quero dá uma sensação de isolamento e, por isso, buscamos outra coisa? E será que, depois de tanto tempo determinando o ritmo de uma troca, ainda nos lembramos como é que se conversa, assim, ao vivo?
Outro ponto que chamou minha atenção foi o papel do moderador. Até então, a dinâmica mais comum às redes sociais é a de seguido e seguidores. E, se você tem uma legião, pode se orgulhar do célebre título de “influenciador” – ou “influencer”, que fica mais chique.
Talvez nós não paramos tanto para pensar sobre isso, mas ser um influenciador deveria trazer o peso da responsabilidade. O que você posta serve de exemplo, de recomendação, de conselho, enfim, influencia os outros. Mas ser influenciador também traz status e com ele, muitas vezes, uma sensação perigosa de soberania.
Será que esse status de influenciador não contribuiu, inconscientemente, com aquela postura de detentor da palavra? Aquilo de que alguns podem e devem falar e os outros, apenas escutar? Cria mais monólogos do que diálogos? É essa a dinâmica com a qual, inconscientemente, nos acostumamos? Talvez sim e talvez também por isso que uma rede que apresenta outra lógica seduz à primeira vista.
Claro, o moderador tem um status, tem ainda o controle da palavra de certa forma, mas não existe debate só com um moderador, certo? Para o conteúdo ser gerado, você precisa de mais pessoas nessa roda, roda esta que será organizada e conduzida, aí sim, pelo moderador. E isso não tem a ver também com a dinâmica da conversa nos moldes antigos? Dialogar e moderar parecem pertencer à mesma família. Em comum, os dois verbos reconhecem a necessidade da existência do outro.
Quis destacar esses dois aspectos porque, para mim, ambos têm uma conexão forte com a construção de uma carreira sólida. Acredito que saber dialogar – e não apenas responder comentários de seguidores e de “haters” – é uma habilidade fundamental na vida, tanto profissional quanto pessoal. Da mesma forma, saber desempenhar o papel de moderador é saber transitar entre pessoas e suas falas, opiniões, conhecimentos. E vai dizer que isso também não é essencial no trabalho e fora dele?
Porém, me parece que temos perdido essas competências. Se escolhemos com quem falar e quando falar ou responder, estamos nos comunicando de maneira muito seletiva e muito restritiva. A crítica, aqui, não é às ferramentas atuais de comunicação e ao papel que elas nos atribuem – influenciador, seguidor etc –, mas ao que tem se tornado uma limitação. Se só sabemos interagir por essas vias mais confortáveis e convenientes, o que estamos deixando pelo caminho? O que perdemos quando as conexões se estabelecem mais frequentemente de uma única maneira?
No fim das contas, nós entramos na onda, estamos lá no Clubhouse, participamos de salas de bate-papo, mas estamos usando mesmo essa ferramenta? Vamos ser honestos? Talvez, seja necessário reaprender essa coisa que ficou no passado chamada “conversa”. E que bom, estava com saudades!