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América, o valentão covarde

O presidente pode falar grosso sobre comércio, mas no clássico estilo do valentão da escola, foge se for confrontado.

TRUMP: Não ter uma guerra comercial é melhor que a alternativa / Win McNamee/Getty Images
TRUMP: Não ter uma guerra comercial é melhor que a alternativa / Win McNamee/Getty Images
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Paul Krugman

Publicado em 26 de março de 2019 às, 13h13.

É assim que a guerra comercial acaba. Não com um estouro, mas com exibicionismo vazio.

Segundo várias empresas de mídia, os Estados Unidos e a China estão próximos de um acordo que efetivamente daria fim às hostilidades comerciais. Pela descrição do acordo, a América removeria algumas das tarifas que impôs no ano passado. A China, por sua vez, encerraria suas tarifas retaliatórias, faria algumas mudanças em suas políticas de investimento e competição e ordenaria às suas empresas públicas que comprassem quantidades específicas de produtos agrícolas e energéticos dos EUA.

O governo Trump, é claro, irá alardear o acordo como um triunfo. Na verdade, porém, é muito barulho por quase nada.

Como descrito, o acordo faria pouca coisa para abordar as reclamações reais sobre as políticas chinesas, que essencialmente envolvem a expropriação sistemática de propriedade intelectual por parte daquele país. Também não faria muito para cuidar da maior queixa – ainda que equivocada – de Donald Trump, o desequilíbrio na balança comercial EUA-China. Basicamente, o Sr. Trump terá recuado.

Se for isso mesmo, será uma repetição do que nós vimos no Acordo de Livre Comércio das Américas (Nafta), que o Sr. Trump denunciou como “o pior acordo comercial já feito”. No fim, o que o Sr. Trump negociou – o Acordo EUA, México, Canadá (USMCA, na sigla em inglês dos países) – era bastante parecido com a situação anterior. Os especialistas em comércio que eu conheço, quando não se referem a ele como o Acordo Village People, o chamam de “Nafta 0.8”: fundamentalmente a mesma coisa que o Nafta, mas um pouco pior.

Por que o presidente que celebremente declarou que “guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar” está efetivamente levantando a bandeira branca? Talvez porque ganhar não seja assim tão fácil, no fim das contas.

O mercado de ações que Trump tanto ama odeia ouvir falar em guerra comercial. Não há eleitorado amplo o suficiente para protecionismo; de fato, a opinião pública se tornou muito mais a favor do livre comércio no governo do Sr. Trump. Além disso, a retaliação chinesa atingiu fortemente parcelas do eleitorado de quem o Sr. Trump depende, especialmente nos estados agrícolas.

Mas percebam, um acordo com a China não é um fato consumado. O Sr. Trump talvez ainda possa abrir outra frente na guerra comercial, contra as empresas automotivas europeias. Fora que o Acordo Village People aguarda aprovação pelo Congresso, e não está claro o que o Sr. Trump fará se isso não acontecer.

Ainda assim, parece possível, até mesmo provável, que dentro de alguns meses a maior parte, se não o total, da guerra comercial terá sido endireitada. Ou seja, será que em retrospecto ela se parecerá como o anúncio de uma tempestade, com poucas consequências no longo prazo?

Não, não será assim. Mesmo que a maioria das tarifas suma, a beligerância comercial do Sr. Trump vem causando um dano permanente à reputação da América, e por consequência a uma economia global que depende da liderança americana.

O mundo todo agora sabe duas coisas a nosso respeito. A primeira é que nós não somos confiáveis – um acordo com os Estados Unidos é na verdade só uma sugestão, já que você nunca sabe quando o presidente vai inventar alguma desculpa para rompê-lo. O segundo é que nós somos fáceis de dobrar: O presidente pode falar grosso sobre comércio, mas no clássico estilo do valentão da escola, ele foge se for confrontado.

Sobre a falta de credibilidade dos EUA, considerem o modo como o atual governo vem tratando o Canadá, provavelmente o vizinho mais amigável e país aliado mais duradouro que qualquer nação já teve. Apesar de décadas de boas relações e de um acordo de livre comércio, Trump impôs tarifas enormes ao alumínio e aço canadenses, usando como justificativa a segurança nacional. Obviamente isso foi algo espúrio – de fato, o próprio Sr. Trump basicamente admitiu isso, em vez disso passando a justificar as tarifas como uma retaliação às políticas canadenses de laticínios (o que também foi ilegítimo).

A lição para o mundo é que não se pode confiar na América. Por que se preocupar em fazer acordos com um país que se mostra disposto a sapecar sanções no melhor de seus aliados, e claramente mentir sobre os motivos, sempre que estiver a fim?

Enquanto isso, o súbito recuo no confronto com a China mostra que nós latimos alto mas não mordemos. Uma coisa seria os Estados Unidos ter mudado o rumo sobre o mérito da discussão. Já voltar atrás tão facilmente, depois de toda aquela pose, manda ao mundo o recado de que o jeito de tratar a América não é negociar de boa fé, mas simplesmente ameaçar a base política do presidente, e talvez oferecer algumas compensações, políticas e de outra natureza. (Eu ainda me pergunto sobre aqueles andares que o maior banco da China aluga na Trump Tower.)

E, quando se trata de compensações, as ditaduras têm uma vantagem sobre os países que obedecem ao estado de direito. A China parece estar conseguindo a remoção da maioria das tarifas de Trump; o Canadá ainda está lidando com aquelas taxas sobre o aço.

Por fim, ao sabotar o sistema internacional, a América está tornando o mundo pior para si própria, assim como para o resto dele. Na verdade, a retribuição está vindo neste momento.

A Organização Mundial do Comércio acaba de dar à América uma grande vitória em uma disputa sobre os subsídios agrícolas chineses – mas o veredito dela provavelmente é discutível, uma vez que o governo Trump tem passado os últimos dois anos fazendo pouco da instituição, além de ter paralisado o corpo de apelação que se esperaria que reforçasse as decisões da OMC, ao bloquear as indicações que teriam dado a esse tribunal comercial o quórum de que ele precisa para atuar.

Sejamos claros: Não ter uma guerra comercial é melhor que a alternativa. Mas o caminho que o governo Trump vem tomando para seus acordos comerciais nos tornou menos confiáveis, menos respeitados e mais fracos do que éramos anteriormente. É muita vitória!