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Sleeping Giants tocou na ferida das redes de fake news bolsonaristas

Não se trata se censura, as empresas são livres para escolher onde veicularão suas propagandas

SLEEPING GIANTS: a página no Twitter alerta empresas de que suas propagandas aparecem em sites de fake news.  / Andrew Burton/Getty Images (Andrew Burton/Getty Images/Getty Images)
SLEEPING GIANTS: a página no Twitter alerta empresas de que suas propagandas aparecem em sites de fake news. / Andrew Burton/Getty Images (Andrew Burton/Getty Images/Getty Images)
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Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 22 de maio de 2020 às, 15h23.

Última atualização em 22 de maio de 2020 às, 15h57.

Não é segredo para ninguém que o governo Bolsonaro depende, para manter sua base de apoiadores mobilizada, de uma extensa rede de fake news e de conteúdo polarizador de maneira geral. Se alguém ainda não estivesse convencido, basta ver a reação desesperada da “bolsosfera” – todos os membros do governo, bajuladores independentes e sites pró-governo que atuam nas redes sociais – à chegada da iniciativa Sleeping Giants no Brasil.

A Sleeping Giants, iniciativa americana, nada mais faz do que alertar a empresas quando suas propagandas aparecem em – e portanto ajudam a financiar – sites de fake news de extrema direita. A reação natural da maioria das empresas é tirar seu conteúdo desses sites, privando-os da fonte de renda.

Aqui no Brasil, o perfil da Sleeping Giants no Twitter já in alertou a diversas empresas que suas propagandas estavam aparecendo – e portanto ajudando a financiar – no site Jornal da Cidade Online. Foi um “Deus nos acuda!”: Eduardo Bolsonaro, Allan dos Santos, Leandro Ruschel, Flávio Gordon, Allan Ghani e outros influenciadores pró-Bolsonaros já entraram em campo dispostos a enfrentar a iniciativa e a intimidar as empresas que retiraram seus anúncios. Em particular, focaram seus protestos na Dell, cujos computadores querem agora boicotar caso ela não capitule. Especialmente afrontoso foi um post da página Senso Incomum, tocada por militantes bolsonaristas:

“Alertarmos as empresas @redetelecine @DellnoBrasil @CanalHistory @SamsungBrasil @philipsbra @submarino @americanascom @Bancodobr @DomestikaPT e outras que aceitarem a CENSURA: vocês têm 24 horas a partir de agora para voltarem com os anúncios e pedirem desculpas publicamente.

Do contrário, TODOS os artigos que nós e outros sites postarmos daqui em diante virão com o pedido de boicote a seus produtos. Não parece ser o que desejam essas empresas no relacionamento com o público, apenas para aceitar CENSURA de um perfil anônimo.”

Em breve saberemos qual o poder da bolsosfera na venda de empresas no mundo real. Mais importante do que isso, contudo, é examinar o discurso nela utilizado: a de que o Sleeping Giants seria uma forma de censura a sites de notícias.

Não há, evidentemente, censura nenhuma em nada disso. Uma empresa é livre para escolher onde veiculará sua propaganda; e se ela considera que seus valores são incompatíveis com um site de fake news, ou ainda se por um raciocínio puramente comercial ela conclua que ser associada a um site desses pode impactar suas vendas, ela tem todo o direito de bloqueá-lo da lista de destinos para sua publicidade.

O boicote é um mecanismo de punição ou protesto contra uma instituição ou pessoa que se dá integralmente dentro das regras do livre mercado. Neste caso, não dá nem para afirmar com certeza que se trata de um boicote: se as empresas estiverem movidas pelo puro autointeresse, não é boicote.

Se milhares de pessoas param de ir a um restaurante porque acham que a comida ficou ruim, isso não é boicote; é apenas oferta e demanda. Da mesma forma, se empresas param de anunciar num site porque acreditam que isso prejudicará sua imagem ou vendas, isso não é boicote. Não estão “punindo” ninguém, e sim apenas buscando seu interesse.

Sendo boicote, será da mesma exata natureza ao boicote proposto pelo Presidente Jair Bolsonaro quando, em fevereiro, defendeu que empresas deixassem de anunciar em jornais e revistas contrários a ele. Seus apoiadores, portanto, não têm como ficar indignados agora, se nada protestarem contra as palavras do presidente meses atrás.

Nem todo boicote é ético. Estão em jogo valores que ficam além da simples lógica do mercado. Do ponto de vista econômico, uma empresa boicotar um jornal por não se curvar ao presidente ou boicotar um site por propagar fake news é a mesma coisa; do ponto de vista ético, são atitudes muito diferentes.

Basta uma rápida visita ao Jornal da Cidade Online para se constatar que se trata de um site dedicado exclusivamente a distorcer notícias para enaltecer o presidente e desmerecer seus adversários. Pura desinformação de extrema direita. A saúde de nossa democracia sai ganhando quando um site desses vê seu financiamento minguar. Absurdo seria forçar empresas a anunciar num site desses.

Nem todas as empresas, contudo, têm a mesma liberdade de anunciar onde quiserem. Depois de ser criticado por Carlos Bolsonaro, o Banco do Brasil voltou atrás de sua decisão e voltou a anunciar no Jornal da Cidade Online. Se estamos preocupados com a interferência indevida do poder na escolha de empresas e no financiamento de sites de informação, é com esta subserviência de uma estatal ao arbítrio do filho do presidente (será que isso ajuda na credibilidade do banco?), que devemos nos preocupar. E não com a escolha de tantas empresas privadas a não mais financiar fake news.