Imposto sobre grandes fortunas: solução ou devaneio?
“Um dos maiores erros é julgar as políticas e programas por suas intenções, em vez de julgá-los por seus resultados”
Publicado em 22 de abril de 2020 às, 12h27.
* Por André Bolini
Momentos de crise geralmente representam um solo fértil para ideias mirabolantes com propostas das mais variadas possíveis para resolver problemas complexos. E, via de regra, todo problema complexo tem uma solução simples, elegante e completamente errada. Esse é o caso da proposta que visa instituir um imposto sobre grandes fortunas no Brasil.
A pandemia do coronavírus impõe ao País uma agenda com forte impacto orçamentário. O gasto público cresceu consideravelmente – para custear a saúde pública, auxílios emergenciais e linhas de crédito aos pequenos negócios – em montante que não foi acompanhado pela arrecadação de tributos. A estimativa de déficit primário cresce a cada dia com o descompasso entre receitas e despesas.
Nesse cenário, partidos e correntes políticas com viés de maior intervencionismo estatal passam a propor soluções que as regras básicas da economia já comprovaram a inconsistência. Vamos aos fatos!
O IGF – Imposto sobre Grandes Fortunas seria uma modalidade de tributação com foco em grandes patrimônios. Note que sua possibilidade de instituição está prevista na Constituição Federal de 1988, porém condicionada a regulamentação por lei complementar (art. 153, VII). Mas para além do mundo teórico de possibilidades jurídicas, há uma realidade econômica com dados e fatos a serem conhecidos:
1) Histórico de evidências mundiais
De acordo com a OCDE, em 1990, 12 países do grupo haviam instituído o Imposto sobre Grandes Fortunas. Porém, já em 2017, apenas 4 mantiveram esse imposto, sendo eles: França, Noruega, Espanha e Suíça. E quem revogou seus respectivos IGFs? Áustria, Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Finlândia, Islândia, Luxemburgo e Suécia, o equivalente a 75% da amostra em análise.
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Entenda-se aqui que, se politicamente o IGF pode parecer atrativo por seu apelo à suposta maior justiça tributária pela progressividade, na prática, economicamente, esse tributo passa a representar mais custos do que benefícios. E quando os custos – perda de ativos por fuga de capital – são maiores do que os benefícios – arrecadação proporcionalmente pequena – e há compreensão racional por parte dos agentes políticos quanto à essa relação, a tendência é justamente de abandono da ideia do IGF.
2) Arrecadação proporcionalmente pequena
De acordo com estudo do IBRE-FGV, ao contrário do que o credo popular parece imaginar, o Imposto sobre Grandes Fortunas representa uma parcela muito pequena das receitas tributárias. Isto é, sua arrecadação do imposto sobre fortunas em comparação com a arrecadação total do Estado nacional não se traduz na aclamada “solução mágica” que seus apoiadores esperam. Na França, a arrecadação do IGF representa 0,48% da arrecadação total, enquanto que na Noruega, o correspondente é de 1,1%.
3) Fuga de capital e alta mobilidade de fortunas
Na França, o Imposto sobre Grandes Fortunas (impôt de solidarité sur la fortune) passou a ser apelidado de “imposto inglês” por ter estimulado a migração de fortunas para o país vizinho. O motivo? Mais de 10 mil pessoas abandonaram a França nos últimos 15 anos, totalizando retirada de ativos equivalente a €35 bilhões, segundo estimativas do governo francês. Dentre os casos mais famosos, notabilizou-se o ator Gerárd Dépardieu, que se naturalizou cidadão belga e, posteriormente, russo para escapar do fisco.
4) Perda da capacidade de investimento
O Brasil destaca-se entre os países do resto do mundo como aqueles com menor taxa de investimento. A taxa de investimento em relação ao PIB caiu de 20% em 2013 para 15,4% em 2018. De acordo com o FMI, 151 países registraram taxa de investimento maior (média de 26,3%) do que o Brasil, inclusive países da América Latina e Caribe (média de 19,6%) e aqueles considerados emergentes (média de 33%). O investimento público registra taxas cada vez menores, dado o alto grau de engessamento do orçamento do governo. Nesse cenário, a perda de ativos pela fuga de capital com um imposto sobre fortunas pode representar a geração de ainda menos empregos e menos renda para um país que luta pelo crescimento econômico sustentável.
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Conclusão
Milton Friedman nunca esteve tão certo: “um dos maiores erros é julgar as políticas e programas por suas intenções, em vez de julgá-los por seus resultados”. O IGF – Imposto sobre Grandes Fortunas é defendido como uma das mais promissoras propostas para resolver o problema de arrecadação do Estado brasileiro e reduzir a desigualdade. Mas, na prática, como mostram as evidências e as bases empíricas, trata-se de um tributo de baixa arrecadação e alta externalidade negativa com a fuga de capitais e a perda da capacidade de investimento.
É bem verdade que o sistema tributário atual precisa ser urgentemente reformado, mas não com ideias mirabolantes e propostas já refutadas mundo afora.
André Bolini é formado em Administração de Empresas pela FGV-SP e estudante de Direito pela USP. Com experiência no mercado financeiro, já trabalhou com a estruturação de títulos e análise de crédito do agronegócio. Sempre em busca de real impacto na sociedade, como ativista político em prol das liberdades econômicas e sociais.