O custo social de um planeta quente: como internalizar essa conta?
"Previsões sobre impactos financeiros da mudança climática e estimativas sobre emissões de gases de efeito estufa serão métricas cada vez mais necessárias"
Publicado em 18 de março de 2021 às, 15h00.
Última atualização em 16 de novembro de 2022 às, 08h51.
Por Ramiro Peres e Vinícius Picanço
O novíssimo e celebrado livro “The Ministry for the Future”, de Kim Stanley Robinson, inicia-se em 2025, quando uma brutal onda de calor leva milhões de indianos à morte. A história, então, passa por alguns experimentos unilaterais arriscados de geoengenharia, crises financeiras e uma guerra travada entre emissores de carbono e ecoterroristas. Enfim, ela culmina (spoiler!) com uma das agências mais poderosas da ONU sendo presidida por alguém que se declara avatar da deusa da destruição. Ainda assim, este é um livro otimista.
Apesar de todos os desafios, a humanidade, verdadeira protagonista da narrativa, consegue definir prioridades e fazer progresso significativo em apenas uma geração, guiada por líderes ilustrados, preocupados com o futuro e apoiados pelo povo. O egoísmo, a visão míope de curto prazo e a desconfiança são fundamentalmente “ruídos”, obstáculos a serem superados ao longo da trama. Mas a grande diferença em relação à realidade atual é a importante redução da incerteza de medidas de combate às catástrofes climáticas imediatas. Mesmo desconhecendo exatamente se projetos revolucionários serão bem-sucedidos, os protagonistas da trama reconhecem que vale a pena tentar. Essas “revoluções” incluem desde a drenagem de água do interior das geleiras até a reformulação do sistema monetário e financeiro, utilizando uma moeda virtual internacional vinculada a créditos de carbono (uma espécie de stablecoin).
No mundo real, uma das formas de reduzir esse tipo de incerteza é utilizar estimativas, como as previsões dos impactos financeiros da transição climática. Isso é relativamente difícil, pois exige coordenação e compromisso com pesquisas. Nesta linha, vê-se desde 2015 um movimento internacional para reformulação da contabilidade, encabeçado por organizações como Task-force for Climate-related Financial Disclosures (TCFD), associada ao Financial Stability Board, visando a definir padrões para que empresas divulguem informações financeiras confiáveis sobre oportunidades e perdas associadas aos riscos climáticos. Neste sentido, para o caso brasileiro, a FEBRABAN recentemente atualizou a autorregulação sobre boas práticas socioambientais. Já os reguladores do setor financeiro têm propostas de adaptar suas normas a fim de convergir para as recomendações do TCFD – a exemplo da CVM, que incluiu na audiência pública nº 9 a discussão de novas exigências (em especial sobre a adoção de indicadores) relacionadas à divulgação de informações socioambientais no formulário de referência a ser enviado pelas companhias emissoras de valores mobiliários.
Além disso, é preciso analisar quanto cada atividade permite reduzir as emissões ou capturar gases de efeito estufa. De acordo com artigo publicado na Nature, a preservação e o reflorestamento de matas tropicais capturam o equivalente a 1 tonelada de carbono na atmosfera a um custo médio de US$ 50. Há, no entanto, outras sugestões mais incertas, como adicionar materiais alcalinos aos oceanos ou métodos industriais de captura direta de carbono da atmosfera. Algumas organizações avaliam projetos específicos, como a SoGive, a Giving Green e a Founders Pledge – esta última, por exemplo, recomenda alocar recursos em projetos executados pelo The Clean Air Task Force, Carbon 180 e TerraPraxis. Dessa forma, um desafio central neste campo é produzir estimativas sobre custos e efeitos da emissão e captura de carbono para a sociedade como um todo, tema de um próximo artigo.