Carro de estimação
Apelidos nascem de uma relação afetiva com o automóvel e, ao mesmo tempo, são um antídoto aos insossos nomes em forma de siglas e números
Publicado em 20 de março de 2020 às, 10h43.
Convenhamos: se perguntarem a algum desavisado se HR-V e HB20 são irmãos de linha de produção, a reposta deve ser:
— Obviamente que são!
Afinal, raciocinam logicamente, os nomes começam com o mesma H, do mesmo modo que são definidos por siglas. Daí virá alguém mais antenado e dirá:
—Você tá maluco? Um é o SUV da Honda e o outro, o hatch da Hyundai. Preste atenção, rapaz!
Calma lá com a descompostura! Ninguém é obrigado a saber decodificar essa sopa de letrinhas e números. E — não custa atenuar o fora do nosso amigo —, pensando bem, há pelo menos um ponto em comum entre ambos: são asiáticos, um de uma montadora japonesa, e outro, de uma coreana.
Longe de ser um pretexto para pegar no pé da Honda e da Hyundai, esse fenômeno de codificar o nome dos carros como se, depois de lançados, ainda se referissem a um projeto secreto, está longe de ser um caso isolado. Há uma série de marcas que se vale dessa técnica de abreviar a nomenclatura e acrescentar números, que muitas vezes parecem alfabeto cirílico para um desavisado.
Quer ver só como é fácil fazer uma associação errada, se nos basearmos apenas na sigla? A1 (hatch da Audi) e ASX (SUV da Mitsubishi), XC 60 (SUV da Volvo) e X1 (crossover da BMW), C3 (hatch da Citroën) e C-180 (sedã Mercedes), 307 (hatch da Peugeot) e 320 (sedã da BMW), e por aí vai. O que esses modelos têm a ver um com o outro? Absolutamente nada, a não ser o fato de ter a denominação parecida — ao menos aos ouvidos dos leigos.
A pergunta que me faço é: como criar uma relação afetiva com o carro, com estes nomes tão, tão inexpressivos, sem vida, sem bossa, sem charme, cartesianos? Não é à toa que os orgulhosos proprietários acabam se referindo ao seu carro pela marca: “Meu BMW”, “Meu Audi”, “Meu Volvo”…
Outra saída é adotar um apelido para o ser motorizado, como se o carro fosse um bicho de estimação. Cresci ouvindo alguns amigos se referirem ao seu modelo com um nome próprio qualquer, como John e Thomas, ou bem-humorado, como “Dick Vigarista”, o maldoso piloto do desenho Corrida Maluca, sucesso nas TVs do Brasil nas décadas de 1970 e 1980. Trata-se de um procedimento afetuoso que faz parte da história do automóvel, e, acredite, é possível ser bem mais criativo nesse campo, como mostra o livro “99 Nicknamed Classic Cars”, de Michael Köckritz, com belas ilustrações de Helge Jepsen, várias delas parecendo divertidas caricaturas.
A obra é pura diversão. Como o título explicita, são 99 apelidos de modelos clássicos, e também de competições, boa parte dizendo respeito só ao mercado norte-americano. Mas muitos são verdadeiras celebridades mundiais, daí podendo despertar o interesse de quem curte o universo dos carros. Quem, afinal, nunca ouviu falar no Besouro (VW Fusca), no Asa de Gaivota (Mercedes-Benz 300 SL)?
Mesmo os menos conhecidos do mercado brasileiro ganharam um apelido familiar. Quer ver? A Ferrari 308 GTS é o “Magnum”, em referência ao detetive da série do mesmo nome que rodava com o modelo esportivo, o ator Tom Selleck. Conta o livro que o ator preferia circular em um Porsche, tendo em vista que a Ferrari era pequena para os seus 1.90m de altura. A solução foi fazer uma adaptação no banco do motorista.
Voltando à nossa lista: o Aston Martin DB5, claro, é “Bond Car”; o Ford Mustang, o “Pony”; a MacLaren M8D, o “Batmobile” e o Porsche 356, a “Lady”. Um dos personagens mais impagáveis do livro é o veículo militar Land Rover S2A, chamado de “The Pink Panter”. A obra explica que a cor rosa foi usada para camuflar o brutamontes nas paisagens do deserto.
O que fica de conclusão depois desta agradável leitura é que a adoção de um apelido para está diretamente ligada à relação afetiva do homem com a máquina. Claro, nem sempre o batismo se dá por uma admiração. Um defeito recorrente ou uma característica nata, como um barulho marcante, uma chacoalhar indevido, um estilo fora do comum, podem gerar um “Pau velho”, um “Metaleiro”, uma “Vedete”.
Em qualquer um dos casos, bem melhor que aquele monte de letras e/ou números amontoados na carroceria…A não ser que essa identificação já tenha entrado para a história, como um 911 (Porsche) ou uma F-40 (Ferrari). Três toques que soam como uma sinfonia.
99 Nicknamed Classic Cars
Autores: Michael Köckritz (texto), Helge Jepsen (ilustrações).
Número de páginas: 208
Língua: inglês
Editora teNeus
Preço: US$ 65,00
Onde comprar: amazon.com
Chico Barbosa é jornalista, escritor e editor da CBNEWS. Instagram: @chico.barbosa