Desertos alimentares: por que eles são um problema para a saúde dos brasileiros
Regiões do tipo favorecem a insegurança alimentar e incentivam muitos moradores a se contentar com dietas inadequadas
EXAME Solutions
Publicado em 23 de abril de 2024 às 09h06.
Última atualização em 23 de abril de 2024 às 09h57.
O norte de Tulsa, uma cidade localizada no estado americano de Oklahoma, deve parte de sua fama a uma triste realidade: a região é classificada como um “deserto alimentar”. Do que se trata? De localidades onde o acesso a alimentos in natura ou minimamente processados é escasso ou até mesmo impossível. Elas obrigam os moradores — os que têm interesse em manter uma dieta nutricionalmente equilibrada, pelo menos — a se locomoverem para regiões distantes.
Estima-se que nos Estados Unidos, país mais rico do mundo, mais de 18 milhões de pessoas vivem em regiões do tipo, que, não por acaso, costumam concentrar moradores de baixa renda.
Nos “desertos alimentares” americanos, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, pelo menos 500 pessoas, ou 33% da população, vivem a mais de 1,6 quilômetro (no caso de áreas urbanas) ou a mais de 16 quilômetros (em se tratando de áreas rurais) do supermercado mais próximo. Em Tulsa, essa definição abrange cerca de 19% da população.
Os “desertos alimentares” favorecem a insegurança alimentar e incentivam muitos moradores a se contentar com dietas inadequadas — há quem chame as regiões nas quais predomina a venda de produtos altamente calóricos e com poucos nutrientes de “pântanos alimentares”.
Em 2011, durante uma cúpula sobre o assunto, Michelle Obama, então primeira-dama dos EUA, declarou o seguinte: “Não é que as pessoas não queiram fazer a coisa certa. Elas apenas precisam ter acesso aos alimentos que sabem que farão suas famílias mais saudáveis”.
Foi em 1995 que o termo “deserto alimentar” foi cunhado pela primeira vez, até onde se sabe, em um documento redigido por uma força-tarefa de nutrição do governo escocês. De lá para cá, o conceito passou a ser repetido cada vez mais por acadêmicos, grupos comunitários e formuladores de políticas públicas para descrever regiões nas quais a alimentação vai de mal a pior.
Dieta não saudável, convém lembrar, não é sinônimo, necessariamente, de falta de comida. Alguém que vive, por exemplo, de refrigerantes, biscoitos recheados e salgadinhos, os chamados ultraprocessados, pode estar subnutrido e, ao mesmo tempo, acima do peso.
O que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda para quem quer se alimentar de maneira saudável? O consumo diário de 400 gramas de frutas e hortaliças, em cinco ou mais dias da semana. Pelas contas da FAO, no entanto, os brasileiros consomem só 141 gramas de hortaliças por dia. Até países pobres da Ásia e da América Latina consomem mais do que isso. No Brasil, não há um mapeamento claro de onde se encontram os “desertos alimentares”, mas basta olhar para muitas de nossas periferias.
“Preferiria falar em ‘apartheid alimentar’ em vez de ‘deserto alimentar’”, declarou a americana Karen Washington, conhecida pelo ativismo em prol da segurança alimentar, em entrevista ao jornal “The Guardian”.
“Quando dizemos ‘apartheid alimentar’ chegamos à causa raiz de alguns dos problemas em torno do sistema alimentar. Traz fome e pobreza. Isto leva-nos à questão mais importante: quais são algumas das desigualdades sociais que vemos e o que estamos a fazer para eliminar algumas das injustiças?”
O fomento à produção de alimentos agroecológicos e orgânicos e até a utilização de instrumentos econômicos e medidas fiscais, a exemplo da taxação de produtos alimentícios com alto teor de gorduras saturadas, açúcar e sal, são algumas das medidas que podem ajudar a acabar com os “desertos alimentares”.
A tese de doutorado de Ana Clara Duran, pesquisadora científica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), deu uma pista para ajudar a diminuir o problema: concluiu que quem mora perto de pontos de vendas com variedades de frutas consomem mais esse tipo de alimento.