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Vai faltar roupa? Por que o algodão sumiu das fábricas brasileiras

Empresas do segmento de vestuário têm relatado escassez de malhas no mercado doméstico

Loja de roupas: item pode ficar mais caro (Germano Lüders/Exame)

Loja de roupas: item pode ficar mais caro (Germano Lüders/Exame)

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Juliana Estigarribia

Publicado em 30 de setembro de 2020 às 15h26.

Última atualização em 5 de outubro de 2020 às 12h53.

Com as pessoas trancadas em casa e as lojas fechadas, o setor têxtil foi um dos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus. Agora, com a gradual retomada da economia — e da rotina —, a dificuldade é outra.

Com a retomada inesperada da demanda no setor têxtil, fabricantes têm relatado dificuldades para comprar insumos no mercado doméstico, o que pode comprometer a oferta de vestuário no país.

Segundo apurou a reportagem da EXAME, confecções têm enfrentado dificuldades para abastecer os estoques de fios de algodão no país, e alguns afirmam que os fornecedores só conseguirão entregar malhas a partir de 2021.

O fato ocorre num momento em que o Brasil deve registar safra recorde de algodão, em torno de 2,9 milhões de toneladas de pluma em 2020. Historicamente, o mercado doméstico consome cerca de 750.000 toneladas da commodity e, neste ano, o volume demandado deve ficar em torno de 660.000 toneladas, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

A saída para o produtor brasileiro escoar toda a safra seria exportar ainda mais, mas segundo projeção do Rabobank, banco especializado no agronegócio, o consumo global de pluma de algodão deve recuar 13% neste ano, resultando em um excesso de oferta no mundo.

"Nunca o Brasil registrou um estoque de passagem tão alto como neste ano", afirma um grande produtor de algodão.

Neste cenário de queda do consumo global, a cotação do algodão recuou do ano passado para cá, de 70 centavos de dólar por libra-peso para cerca de 65 centavos na bolsa de Nova York, referência para a commodity. Ou seja: na teoria, existe produto para atender à demanda. Na prática, porém, a realidade é mais complexa.

No Brasil, a indústria está enfrentando pressão nos custos principalmente diante da alta significativa do dólar, que desde o início do ano subiu cerca de 40%. O setor têxtil — que tem 70% de seus custos em moeda estrangeira — ficou parado por mais de 100 dias em decorrência das restrições da pandemia. "Com isso, as empresas de confecção acabaram fazendo seus pedidos de uma vez só, o que gerou gargalos na cadeia produtiva", afirma Fernando Pimentel, presidente da Abit.

Segundo o dirigente, o cenário da pandemia resultou em um aumento súbito da demanda por roupas mais confortáveis, de "aconchego" para o confinamento, algo que as empresas de confecção não estavam esperando. A indústria também está se preparando para as encomendas de final de ano, que representa o período mais importante para o varejo.

Por outro lado, as peças mais formais, como ternos, por exemplo, tiveram uma queda significativa do consumo. "A retomada tem sido desigual", diz Pimentel.

As empresas de confecção, segundo ele, têm enfrentado aumento do custo dos fios, em decorrência da alta do dólar, que impacta o preço do algodão. "Por ora, temos um momento de estresse na indústria."

Adicionalmente, as empresas que produzem fios de maior valor agregado acabam exportando mais, diante do câmbio favorável, relata um empresário do setor.

Pimentel destaca que não só o dólar impacta os custos da indústria. Com a forte retração do mercado em meio à quarentena, as empresas da cadeia acabaram ficando debilitadas e, com as restrições da pandemia, o custo da operação ficou ainda mais caro. Um dos aumentos foi do frete marítimo. "O preço ficou cinco vezes mais caro."

Para ele, a indústria têxtil vai levar pelo menos 90 dias para voltar à normalidade total. "Antes da pandemia não faltava nada, agora a retomada tende a ser lenta. Não é fácil religar a economia." 

O dirigente reforça, entretanto, que a indústria têxtil é muito grande e dificilmente faltará oferta de vestuário (roupas, cama, mesa e banho). O setor conta com cerca de 25.000 empresas formais, sendo o quarto maior produtor de malhas do mundo.

No campo

A safra de algodão brasileira começou a ser colhida em junho e deve acabar em setembro. Segundo Victor Ikeda, analista do Rabobank, a produção do Brasil é, hoje, altamente mecanizada e, por isso, não sofreu restrições de mão de obra durante a pandemia.

"Não vai faltar algodão na indústria", diz o analista. Ele ressalta, porém, que podem ocorrer problemas pontuais no próximo elo da cadeia, o de fabricantes de fios, que foram afetados pela pandemia e ficaram um período fechados.

Ikeda relata que o algodão brasileiro já está sendo embarcado para exportação, mas em sua maioria referente a contratos pré-fixados (acordados antes da pandemia). "O consumo global da pluma deve ter uma queda significativa neste ano."

Ele acrescenta que, globalmente, o algodão compete com o poliéster, fibra sintética que sofre pressão direta das cotações do petróleo, que por sua vez vêm apresentando tendência de queda neste ano. "Os preços do algodão têm se mantido abaixo da média dos últimos anos." 

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