Tecnologia

O muro chinês de tecnologia

Farhad Manjoo Travis Kalanick, um dos fundadores e executivo-chefe do gigante dos transportes compartilhados Uber, frequentemente defende sua vontade de arriscar bilhões para ganhar o mercado chinês com uma pergunta simples: se você tem a chance de se tornar a Amazon e o Alibaba ao mesmo tempo, por que não tentar? A consequência foi simples. […]

XANGAI: Empreendedores de tecnologia só têm duas opções —  vencer na China ou no resto do mundo / Jamie McDonald/Getty Images (Jamie McDonald/Getty Images)

XANGAI: Empreendedores de tecnologia só têm duas opções — vencer na China ou no resto do mundo / Jamie McDonald/Getty Images (Jamie McDonald/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 15 de agosto de 2016 às 12h49.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h16.

Farhad Manjoo

Travis Kalanick, um dos fundadores e executivo-chefe do gigante dos transportes compartilhados Uber, frequentemente defende sua vontade de arriscar bilhões para ganhar o mercado chinês com uma pergunta simples: se você tem a chance de se tornar a Amazon e o Alibaba ao mesmo tempo, por que não tentar?

A consequência foi simples. Nas últimas duas décadas, a Amazon, o Facebook, o Google e outros gigantes americanos da tecnologia seguiram um roteiro parecido para a dominação mundial. Como uma armada imperial saindo da costa oeste da América do Norte, essas empresas procuraram estabelecer bases em todos os continentes.

Mas, quando os gigantes americanos tentaram entrar em águas chinesas, o maior mercado mundial da internet, sua armada invariavelmente encalhou.

Atormentadas por regulamentações opacas e mutáveis e uma maneira de fazer negócios culturalmente obscura, as empresas americanas precisaram se curvar diante de gigantes locais. Ao invés do Google, o Baidu. Ao invés do Facebook, WeChat, da gigante Tencent. E ao invés da Amazon, o Alibaba.

Isso nos deixou com uma fratura. Hoje existe a internet chinesa e a do resto do mundo. Uma rede vista em seus primórdios como ferramenta para promover a unidade financeira e política em um planeta fragmentado dividiu-se irrevogavelmente em duas esferas separadas.

Kalanick, empresário reconhecidamente competitivo e agressivo, aparentemente estudou os riscos e parecia determinado a construir uma ponte sobre esse abismo. Ele tentaria assumir a China não como mais uma opção, mas como a missão central de sua nova empresa. Ele arriscaria bilhões e gastaria muito tempo para entender os segredos de se dar bem por lá. O objetivo parecia nobre, mas a oportunidade, no final das contas, era de arregalar os olhos: a Amazon tem um valor de mercado de US$365 bilhões e o Alibaba vale cerca de US$200 bilhões. O negócio de transportes compartilhados pode um dia crescer e chegar a ser tão valioso quanto o comércio eletrônico, se não maior – e não seria fantástico se ele pudesse ter tudo, em todos os lugares?

Bem, ele não pode. O anúncio, no dia primeiro de agosto, que o Uber vai vender suas operações chinesas para a rival Didi Chuxing, efetivamente cedendo a China para o favorito caseiro, cimenta um emergente estado global do jogo: um tipo de guerra fria sino-americana pela internet.

Empreendedores em todo o planeta podem escolher vencer na China ou no resto do mundo. Você pode ser o Alibaba ou a Amazon. Você pode ser o Uber ou o Didi. Mas não pode ser os dois. Dada a expansão do mercado chinês e a crescente tensão sobre o papel das empresas de tecnologia americanas no resto do globo, o buraco entre os dois lados promete se tornar um dos mais importantes fatores na hora de determinar o formato da inovação tecnológica no planeta.

Como exatamente será essa guerra? De algumas maneiras, estar sob as graças de dois polos de liderança na internet poderia ser bom para os cidadãos do mundo. Em mercados emergentes como a Índia, o Oriente Médio e partes da África e da América do Sul, gigantes como a China e os Estados Unidos estão cada vez mais investindo bilhões para competir por clientes locais em comércio eletrônico, redes sociais, serviços de transporte compartilhados e outros.

Por exemplo, Duncan Clark, consultor de investimentos na China que escreveu “Alibaba: The House That Jack Ma Built,” (Alibaba, a casa que Jack Ma construiu) demonstra como a Amazon e o Alibaba são o contraste um do outro.

“A Amazon está cada vez mais fazendo seus próprios produtos, tomando conta da Procter & Gamble e outras e também entrando no negócio de logística, entrega e tudo o mais. Mas o Alibaba é um mercado que não possui inventário e se descreve como um meio de ajudar os comerciantes locais – então talvez haja algum argumento de que o Alibaba poderia servir como uma reação global à Amazon”, explicou Clark.

Mas o acordo do Uber com o Didi – no qual o Uber vai levar 18 por cento de participação na empresa conjunta, que certamente será um monopólio no mercado de transporte compartilhado da China – aponta para outro resultado em potencial: uma série de ofertas de acomodação em que gigantes cedem grandes partes do mundo uns para os outros, de maneira que possam esculpir pragmaticamente suas esferas de influência como jogadores do Grande Jogo.

“Dessa maneira poderia ser como a Conferência de Yalta”, afirmou Clark, referindo-se ao encontro de 1945 em que os vencedores da Segunda Guerra determinaram a ordem geopolítica do pós-guerra.

Publicamente, Kalanick insistiu que estava brigando pela vitória total na China. Mas ele provavelmente sabia que o Uber sempre teria dificuldade de atingir a dominância, dada a emergente importância do serviço de transporte compartilhado para o futuro da infraestrutura naquele país. Ainda assim, mesmo que tenha falhado em ganhar tudo na China, investir cedo no país pareceu um passo grande demais para ser ignorado.

“A oportunidade do transporte compartilhado na China é basicamente tão grande quanto a do resto do mundo combinado, se não maior”, explica Ben Thompson, analista de Taiwan que escreve a newsletter de tecnologia Stratechery. “Para o Uber, a China era basicamente a cobertura do bolo.”

Por enquanto, é uma cobertura especialmente deliciosa. Os US$2 bilhões que o Uber gastou para entrar na China agora valem cerca de US$7 bilhões na nova entidade resultante da fusão; se o Didi se tornar uma das maiores empresas de tecnologia da China, o valor da participação do Uber no país poderia crescer geometricamente, tornando a empresa muito mais atraente em uma potencial oferta inicial de ações. Sair da China também libera o Uber para investir mais em outros mercados – Índia e Indonésia são grandes alvos –, assim como expandir sua expertise em iniciativas tecnológicas essenciais como mapeamento de dados e carros autoconduzidos.

Mas, no final, se gastar muito para atuar na China funcionar para o Uber, isso será uma anomalia e certamente não um modelo para outros gigantes americanos da tecnologia.

“O mercado de transporte compartilhado é um dos poucos onde as vantagens são grandes o suficiente para justificar a entrada. Para a maioria das outras empresas, ir para a China ainda não trará nada além de problemas”, afirma Thompson.

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