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Menos ciência, mais poluição

Mapa da distribuição de poluentes no mundo mostra que países com piores índices de qualidade do ar são os que têm menor produção científica sobre o tema

Mapas: distribuição de material particulado (a), de artigos publicados sobre poluição atmosférica (b), artigos publicados sobre qualidade da água (c) e artigos publicados sobre malária (d) (Fajersztajn, L., et al. Nature Reviews Cancer13 674–678 (2013))
DR

Da Redação

Publicado em 6 de setembro de 2013 às 11h02.

Caxambu – Em um artigo publicado em agosto na revista Nature Reviews Cancer, pesquisadores da Universidade de São Paulo ( USP ) apresentam um mapa da poluição atmosférica no mundo e mostram que os países com piores índices de qualidade do ar são justamente aqueles com menor produção científica sobre o tema.

Na avaliação de Lais Fajersztajn, autora principal da pesquisa realizada com apoio da FAPESP, os resultados indicam que a ciência é uma ferramenta importante para mudar esse cenário e precisa ser fortalecida nos países em desenvolvimento por meio de colaborações internacionais. “Quanto mais conhecimento houver e melhor ele for divulgado, mais chances teremos de lidar com o problema”, disse.

Para fazer a comparação, os pesquisadores cruzaram os dados sobre densidade populacional e poluição atmosférica disponíveis no site do Banco Mundial com a base de dados Web of Science, índice de citações on-line mantido pela Thomson Reuters.

Enquanto países desenvolvidos como Estados Unidos, Canadá e a maior parte dos europeus apresentaram os índices mais baixos de poluição (entre 5 e 20 microgramas de material particulado inalável por metro cúbico de ar, μg/m3), as nações em desenvolvimento – concentradas principalmente na América do Sul, norte da África e regiões próximas à Índia e à China – ficaram nas faixas mais altas (entre 71 e 142 μg/m3). A recomendação da Organização Mundial da Saúde para este poluente são valores abaixo de 20 μ/m3.

“Vale dizer que os dados ainda são subestimados, pois consideram regiões muito grandes e diversas. O Brasil, por exemplo, está na mesma faixa dos Estados Unidos, que é a mais baixa. Mas é uma média de todo o país, que tem lugares muito poluídos e outros pouco poluídos”, afirmou Fajersztajn.


Já o levantamento na base da Web of Science mostrou que as pesquisas relacionadas ao impacto da poluição do ar na saúde estão concentradas principalmente na América do Norte e Europa, seguidas por China, Austrália, Brasil e Japão. É praticamente inexistente na África, na Índia e nos demais países da América do Sul. Segundo os autores, os países em desenvolvimento contribuíram com apenas 5% das pesquisas já realizadas sobre o tema.

“Alguém poderia argumentar que alguns desses países são tão pobres e têm tantos problemas que não teriam condições de produzir conhecimento científico sobre qualquer assunto. Então, para comparar, buscamos também as pesquisas publicadas sobre malária e sobre qualidade da água”, contou Fajersztajn.

Também nesses dois campos de estudo os Estados Unidos e a Europa se destacam, mas os resultados mostram que 20% das pesquisas sobre qualidade da água e 70% dos estudos sobre malária foram feitos nos países em desenvolvimento.

Paradoxalmente, ressaltam os pesquisadores no artigo, o número de mortes prematuras causadas pela poluição atmosférica tende a superar o de mortes por malária e por falta de saneamento básico nos próximos anos. Segundo estimativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a exposição a poluentes vai se tornar a principal causa ambiental de morte prematura até 2050.

“Ninguém é contra desenvolver uma vacina ou um novo medicamento contra malária, mas buscar solução para reduzir a poluição envolve interesses econômicos e mudanças de comportamento, como leis mais restritivas ao uso de carros. É um desafio muito grande e, portanto, a ciência precisa ser fortalecida nos países em desenvolvimento”, disse Fajersztajn.

Câncer de pulmão

Há evidências científicas que relacionam exposição à poluição a elevação no risco de doenças cardiovasculares, problemas respiratórios e vários tipos de câncer. No artigo divulgado na Nature Reviews Cancer, os pesquisadores da USP reuniram os principais estudos que mostram como poluentes aumentam o risco de câncer de pulmão.


O trabalho mais recente, publicado este ano no The Lancet Oncology, reúne dados de mais de 300 mil indivíduos em nove países. Os resultados indicam que, no grupo exposto à poluição, o risco de câncer se eleva em 50% a cada 10µg/m3 de material particulado fino inalado, quando o adenocarcinoma de pulmão é considerado isoladamente.

“O câncer de pulmão é um dos mais letais e a prevenção tem se mostrado a melhor abordagem para a doença. No artigo, ressaltamos que a poluição do ar é um fator de risco para o câncer de pulmão passível de ser prevenido, assim como o tabaco”, disse Fajersztajn.

Embora o risco causado pela poluição não seja tão alto quando comparado ao tabaco (que chega a elevar em 30 vezes a probabilidade de desenvolver a doença), ainda assim é um problema de saúde pública importante, ressaltou a pesquisadora, pois toda a população está em certa medida exposta.

De acordo com Paulo Saldiva, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP e orientador de Fajersztajn, o mapa da poluição mostra que as regiões com pior qualidade do ar são também as mais densamente povoadas. “Isso significa que há muita gente exposta a níveis altíssimos de poluição, o que está totalmente relacionado ao aumento do risco de câncer”, disse.

Para Saldiva, o mapa mostra também que os benefícios da urbanização estão distribuídos de forma altamente desigual no mundo. Esse fenômeno, que ele chama de “racismo ambiental”, tem grandes impactos sobre a saúde da população de países em desenvolvimento.

“Medidas de política pública são a única forma de proteger a população. É a vacina moderna. Não tem nada que os indivíduos possam fazer de forma isolada”, disse.


Aos cientistas, acrescentou Saldiva, cabe não apenas a missão de produzir o conhecimento sobre os riscos dos poluentes como também o de traduzir essas informações para o público leigo e ajudar na conscientização.

“Um exemplo é o caso do bisfenol A (tóxico presente em alguns tipos de plástico suspeito de causar problemas como câncer, diabetes e infertilidade). Bastou avisar as mães sobre os riscos dessa substância que o próprio mercado tratou de banir as mamadeiras com bisfenol. Não foi preciso esperar uma lei”, afirmou.

Saldiva – que coordena o Instituto Nacional de Análise Integrada do Risco Ambiental, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) financiados pela FAPESP e pelo CNPq no Estado de São Paulo – apresentou os resultados da pesquisa durante a 28ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia experimental (Fesbe), realizada entre os dias 21 e 24 de agosto em Caxambu, Minas Gerais. A pesquisa contou também com a colaboração das pesquisadoras Mariana Veras e Ligia Vizeu Barrozo, ambas da FMUSP.

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Caxambu – Em um artigo publicado em agosto na revista Nature Reviews Cancer, pesquisadores da Universidade de São Paulo ( USP ) apresentam um mapa da poluição atmosférica no mundo e mostram que os países com piores índices de qualidade do ar são justamente aqueles com menor produção científica sobre o tema.

Na avaliação de Lais Fajersztajn, autora principal da pesquisa realizada com apoio da FAPESP, os resultados indicam que a ciência é uma ferramenta importante para mudar esse cenário e precisa ser fortalecida nos países em desenvolvimento por meio de colaborações internacionais. “Quanto mais conhecimento houver e melhor ele for divulgado, mais chances teremos de lidar com o problema”, disse.

Para fazer a comparação, os pesquisadores cruzaram os dados sobre densidade populacional e poluição atmosférica disponíveis no site do Banco Mundial com a base de dados Web of Science, índice de citações on-line mantido pela Thomson Reuters.

Enquanto países desenvolvidos como Estados Unidos, Canadá e a maior parte dos europeus apresentaram os índices mais baixos de poluição (entre 5 e 20 microgramas de material particulado inalável por metro cúbico de ar, μg/m3), as nações em desenvolvimento – concentradas principalmente na América do Sul, norte da África e regiões próximas à Índia e à China – ficaram nas faixas mais altas (entre 71 e 142 μg/m3). A recomendação da Organização Mundial da Saúde para este poluente são valores abaixo de 20 μ/m3.

“Vale dizer que os dados ainda são subestimados, pois consideram regiões muito grandes e diversas. O Brasil, por exemplo, está na mesma faixa dos Estados Unidos, que é a mais baixa. Mas é uma média de todo o país, que tem lugares muito poluídos e outros pouco poluídos”, afirmou Fajersztajn.


Já o levantamento na base da Web of Science mostrou que as pesquisas relacionadas ao impacto da poluição do ar na saúde estão concentradas principalmente na América do Norte e Europa, seguidas por China, Austrália, Brasil e Japão. É praticamente inexistente na África, na Índia e nos demais países da América do Sul. Segundo os autores, os países em desenvolvimento contribuíram com apenas 5% das pesquisas já realizadas sobre o tema.

“Alguém poderia argumentar que alguns desses países são tão pobres e têm tantos problemas que não teriam condições de produzir conhecimento científico sobre qualquer assunto. Então, para comparar, buscamos também as pesquisas publicadas sobre malária e sobre qualidade da água”, contou Fajersztajn.

Também nesses dois campos de estudo os Estados Unidos e a Europa se destacam, mas os resultados mostram que 20% das pesquisas sobre qualidade da água e 70% dos estudos sobre malária foram feitos nos países em desenvolvimento.

Paradoxalmente, ressaltam os pesquisadores no artigo, o número de mortes prematuras causadas pela poluição atmosférica tende a superar o de mortes por malária e por falta de saneamento básico nos próximos anos. Segundo estimativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a exposição a poluentes vai se tornar a principal causa ambiental de morte prematura até 2050.

“Ninguém é contra desenvolver uma vacina ou um novo medicamento contra malária, mas buscar solução para reduzir a poluição envolve interesses econômicos e mudanças de comportamento, como leis mais restritivas ao uso de carros. É um desafio muito grande e, portanto, a ciência precisa ser fortalecida nos países em desenvolvimento”, disse Fajersztajn.

Câncer de pulmão

Há evidências científicas que relacionam exposição à poluição a elevação no risco de doenças cardiovasculares, problemas respiratórios e vários tipos de câncer. No artigo divulgado na Nature Reviews Cancer, os pesquisadores da USP reuniram os principais estudos que mostram como poluentes aumentam o risco de câncer de pulmão.


O trabalho mais recente, publicado este ano no The Lancet Oncology, reúne dados de mais de 300 mil indivíduos em nove países. Os resultados indicam que, no grupo exposto à poluição, o risco de câncer se eleva em 50% a cada 10µg/m3 de material particulado fino inalado, quando o adenocarcinoma de pulmão é considerado isoladamente.

“O câncer de pulmão é um dos mais letais e a prevenção tem se mostrado a melhor abordagem para a doença. No artigo, ressaltamos que a poluição do ar é um fator de risco para o câncer de pulmão passível de ser prevenido, assim como o tabaco”, disse Fajersztajn.

Embora o risco causado pela poluição não seja tão alto quando comparado ao tabaco (que chega a elevar em 30 vezes a probabilidade de desenvolver a doença), ainda assim é um problema de saúde pública importante, ressaltou a pesquisadora, pois toda a população está em certa medida exposta.

De acordo com Paulo Saldiva, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP e orientador de Fajersztajn, o mapa da poluição mostra que as regiões com pior qualidade do ar são também as mais densamente povoadas. “Isso significa que há muita gente exposta a níveis altíssimos de poluição, o que está totalmente relacionado ao aumento do risco de câncer”, disse.

Para Saldiva, o mapa mostra também que os benefícios da urbanização estão distribuídos de forma altamente desigual no mundo. Esse fenômeno, que ele chama de “racismo ambiental”, tem grandes impactos sobre a saúde da população de países em desenvolvimento.

“Medidas de política pública são a única forma de proteger a população. É a vacina moderna. Não tem nada que os indivíduos possam fazer de forma isolada”, disse.


Aos cientistas, acrescentou Saldiva, cabe não apenas a missão de produzir o conhecimento sobre os riscos dos poluentes como também o de traduzir essas informações para o público leigo e ajudar na conscientização.

“Um exemplo é o caso do bisfenol A (tóxico presente em alguns tipos de plástico suspeito de causar problemas como câncer, diabetes e infertilidade). Bastou avisar as mães sobre os riscos dessa substância que o próprio mercado tratou de banir as mamadeiras com bisfenol. Não foi preciso esperar uma lei”, afirmou.

Saldiva – que coordena o Instituto Nacional de Análise Integrada do Risco Ambiental, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) financiados pela FAPESP e pelo CNPq no Estado de São Paulo – apresentou os resultados da pesquisa durante a 28ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia experimental (Fesbe), realizada entre os dias 21 e 24 de agosto em Caxambu, Minas Gerais. A pesquisa contou também com a colaboração das pesquisadoras Mariana Veras e Ligia Vizeu Barrozo, ambas da FMUSP.

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