Tecnologia

'Para cada dólar que investimos em pesquisa e desenvolvimento, recebemos seis de lucro', diz fundador da Dell

Para Michael Dell, criar produtos 'que ninguém quer comprar' ou cujos mercados são extremamente pequenos não é ser inovador

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h39.


EXAME -
Qual é sua avaliação destes cinco anos de presença no Brasil?
Michael Dell - Fizemos muitos progressos. Já estamos no segundo lugar no mercado de servidores e no de PCs também. Temos crescido de maneira consistente no Brasil e na América Latina. Temos exportado também para a África do Sul a partir do Brasil.

EXAME - A Ásia, e em particular a China, são a principal oportunidade de crescimento. O que isso significa para as perspectivas do Brasil?

Michael Dell - Nos últimos cinco anos a Ásia tem crescido num ritmo mais rápido que o resto do mundo. Mas isso é apenas parte da história. Há um potencial enorme em todo o mundo para que a tecnologia da informação ajude a desenvolver economias. O Brasil é um deles, assim como a Indonésia, a Rússia, a Índia. São todos mercados de grande potencial de crescimento e nos quais estamos presentes.

EXAME - A revista BusinessWeek recentemente fez uma reportagem de capa na qual falava da oportunidade para empresas de tecnologia em países em desenvolvimento. O Brasil certamente é um deles, mas, no caso da Dell, há um concorrente importante: o mercado cinza. Que medidas o senhor acha que o governo brasileiro deveria tomar para resolver o problema?

Michael Dell - Olhe para o que a China fez. Eles impuseram penalidades duras às empresas que operavam ilegalmente. Se a lei não for cumprida, esse problema se prolonga e afeta cidadãos e o governo. E, claro, isso é um obstáculo para o desenvolvimento de uma indústria saudável e para a competitividade do país. Nos últimos cinco anos houve progressos significativos em algumas partes do mundo. Houve queda de tarifas, abertura de mercado, e, com preços mais baixos, os computadores se tornaram mais acessíveis para a população. Mantemos contato constante com as autoridades brasileiras. Esta viagem em particular não tem esse objetivo. Mas estive com um ministro do país (Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento), no Fórum Econômico Mundial, em Davos, e comentei a questão.

EXAME - A Dell recentemente tirou a palavra Computers do seu nome. O que isso significa?

Michael Dell - Somos uma empresa que faz mais que computadores. Há dez anos entramos no mercado de servidores. Hoje, somos os líderes nos três principais mercados de servidores do mundo - Estados Unidos, Japão e China. Também entramos em armazenamento. Nosso negócio é mais amplo do que simplesmente computadores.

EXAME - Muito se fala na casa do futuro. Qual será o centro nervoso do entretenimento digital: o PC ou a TV?

Michael Dell - O PC, com sua capacidade de gerenciar redes e armazenar conteúdos variados, provavelmente estará no centro dessa casa digitalizada. Há muitas visões para o desenho desses sistemas. Mas o melhor exemplo que existe são as universidades. Se você for a um alojamento universitário para saber o que fazem os estudantes, vai ver como será a casa do futuro. Normalmente, todos os vídeos, músicas e fotografias ficam guardados num PC e são distribuídos em redes, muitas vezes sem fio. Isso começa a aparecer nas casas, também.

EXAME - A Dell está entrando em mercados novos, como, por exemplo, o de aparelhos para tocar MP3. São produtos que têm componentes importantes de inovação. O iPod, com seu design e sua integração com o computador, é o melhor exemplo disso.

Michael Dell - Hoje, apenas 15% dos nossos negócios são do mercado de consumidores, e isso inclui acessórios de computador, como tocadores de MP3, impressoras, monitores multifuncionais e assim por diante. A grande fatia é o mercado corporativo. [O mercado de consumidores] Não é o foco da empresa.

EXAME - Recentemente o senhor disse que nem toda a inovação é boa. Pode explicar essa declaração?

Michael Dell - Recentemente lançamos uma impressora colorida a laser que permite ao usuário "desligar" a função a cores. Ou seja: quando ele quer imprimir em preto-e-branco, não precisa gastar o toner colorido. Isso é uma necessidade óbvia do usuário que foi convenientemente esquecida pela concorrência, porque eles querem que o usuário gaste mais, em vez de economizar. Há muitos exemplos de coisas que empresas apresentam como inovação mas não têm relevância.

EXAME - O senhor pode dar algum exemplo?

Michael Dell - Claro. Você deve ter ouvido falar do Tablet PC. Havia muita expectativa com relação a esse produto há dois anos, até mesmo um ano atrás. Mas o que você ouve sobre Tablet PCs hoje em dia? É ser inovador criar produtos que ninguém quer comprar ou cujos mercados são extremamente pequenos? Dou outro exemplo: uma tecnologia chamada Home RF. Trata-se de um padrão para criar redes sem fio em casa. A idéia era que o sistema Home RF seria utilizado nas casas e, nos escritórios, prevaleceria o padrão 802.11, mais conhecido como Wi-Fi. Sempre acreditamos que fazia mais sentido um sistema único, tanto para o trabalho quanto para a casa. Isso baixaria os preços e permitiria a criação de um padrão universal. Um de nossos concorrentes apostou no sistema Home RF durante um ano e meio, e agora mudaram de estratégia.

Temos uma rede de inovação na Dell. Para cada dólar que investimos em pesquisa e desenvolvimento, recebemos seis de lucro. É, de longe, o melhor resultado da indústria. Muitos de nossos concorrentes investem um dólar que nem sequer volta na forma de lucro. Sempre querem criar sistemas proprietários, para prender os clientes. Isso não significa economia para os consumidores nem mais valor para os acionistas da empresa.

EXAME - Mas no negócios de impressoras o sistema é justamente esse: o consumidor é forçado a comprar suprimentos do mesmo fabricante da impressora. A Dell, que recentemente entrou nesse mercado, adota o mesmo modelo.

Michael Dell - Isso é verdade hoje. É um bom exemplo de até que ponto as empresas chegam para tornar os produtos mais caros do que eles deveriam ser. E isso muitas vezes também é chamado de inovação (risos). Pode ser inovador para a empresa, mas custa muito caro para o usuário final.

EXAME - Mas a Dell tem planos de subverter esse modelo e criar um padrão universal para suprimentos de impressão?

Michael Dell - Ainda falta muito para que cheguemos a esse ponto. Estamos trabalhando duro para mudar a natureza da indústria. Como mencionei, em nossa impressora laser a cores, a tinta custa cerca de 46% menos do que nosso principal concorrente, e a impressora em si, cerca de metade do preço.

EXAME - Muitas empresas tentaram, mas poucas conseguem emular a cadeia de suprimentos da Dell. Por quê?

Michael Dell - É uma pergunta mais adequada para eles do que para nós, mas eu diria que nossa relação com os clientes é bem diferente daqueles que têm de trabalhar com distribuidores ou intermediários. Eles ficam distantes dos clientes. E essas informações, a que nós temos acesso, nos permitem melhorar nossos produtos e nossos serviços.

EXAME - Como o senhor avalia o mercado mundial de computadores? Houve uma recuperação? Vamos voltar aos níveis de atividade do fim da década de 90?

Michael Dell - O fim dos anos 90 foi atípico. Houve o problema do ano 2000, a mudança do euro na Europa e o boom da internet. Acredito que não vamos voltar a ter uma ocorrência de fatores assim. Mas o mercado de computadores tem crescido cerca de 15% nos últimos quatro trimestres. É um número bastante expressivo. Estamos crescendo ainda mais rápido que isso, aumentando nossa participação. Acho que, no todo, o mercado está bastante saudável.

EXAME - Falando da bolha da internet, o CEO da empresa, Kevin Rollins, costuma dizer que um dos principais problemas da Dell no fim dos anos 90 era justamente a obsessão dos funcionários com a valorização das suas stock options. Seu desafio era mudar essa cultura. O que foi feito nesse sentido?

Michael Dell - Sim, houve uma época em que o valor de mercado da empresa estava crescendo muito rapidamente, e as pessoas estavam prestando atenção a isso. É compreensível. Hoje nossa valorização no mercado acionário vai bem, comparado a quase todas as outras empresas, e nosso pacote de incentivos e benefícios são muito competitivos.

Criamos uma campanha na empresa, chama "Cultura da Vitória". A idéia é permitir que todos os funcionários possam atingir seus objetivos pessoais e, ao mesmo tempo, possam colaborar com as metas da companhia. Temos cerca de 50 000 funcionários hoje e acredito que devamos chegar a 80 000 nos próximos anos para sustentar nosso crescimento.

EXAME - Há muitas críticas nos Estados Unidos com relação à tendência de transferir empregos para outros países. O senhor também já fez críticas a esse modelo. Por quê?

Michael Dell - A Dell tem muitas sedes fora do país onde fazemos desenvolvimento de software, e isso começou justamente no Brasil. São pessoas educadas e talentosas, que podem participar da economia mundial com ajuda da internet e da tecnologia da informação. É claro que seria melhor se o Brasil abrisse seu mercado inteiramente, em particular na questão do hardware.

E ainda haverá muitos empregos para os desenvolvedores de software daqui [dos EUA]. No passado, houve muitas ocasiões em que os americanos se perguntaram: "E agora?". Há cem anos houve uma enorme imigração de europeus. Os moradores do sul dos Estados Unidos foram para as grandes cidades do norte. Em todas a metrópoles perguntava-se se haveria empregos e casas para tantos novos habitantes. Bem, no fim das contas, deu tudo certo. Além disso, houve a mecanização do campo. A força de trabalho na agricultura caiu de 40% para 1% da população, graças a novas tecnologias. Ainda assim, a produção agrícola aumentou. É uma evolução natural pela qual todas as economias precisam passar.

EXAME - Kevin Rollins assumiu formalmente o cargo de CEO. O que isso muda no seu dia-a-dia?

Michael Dell - Acho que a grande mudança é que o tempo todo tenho de responder a perguntas de jornalistas sobre isso (risos). Cerca de 90% das coisas que eu fazia antes seguem as mesmas. Estou passando um pouco mais de tempo com nossos engenheiros e com os clientes. Mas Kevin e eu comandamos a companhia juntos, como antes. A mudança foi uma maneira de reconhecer o trabalho de Kevin e a sua importância para a empresa nos últimos anos.

EXAME - Há alguma decisão de que o senhor se arrependa nestes 20 anos construindo a companhia?

Michael Dell - Bem, não temos muitos arrependimentos. Se você olhar para a companhia neste tempo todo é claro que cometemos erros. Algumas coisas deveriam ter sido feitas mais rápido ou mais cedo. Por exemplo, este ano nosso negócio de impressoras vai passar de 1 bilhão de dólares. Não ter entrado no negócio de impressoras mais cedo é uma dessas situações. É uma grande oportunidade, que deveríamos ter agarrado cinco, talvez dez anos atrás.

EXAME - E qual é a melhor decisão que o senhor tomou?

Michael Dell - A melhor decisão? Bem, você pode começar com a decisão fundamental, de criar um negócio baseado no modelo de vendas diretas, 20 anos atrás.

EXAME - O senhor tem planos de aposentadoria?

Michael Dell - Não. Vou continuar no negócio por uns 20 ou 30 anos.

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