Revista Exame

Unilever do Brasil foi "salva" pelos produtos populares

O presidente da Unilever no Brasil fala sobre a marcha a ré no movimento de sofisticação do consumo no país e seus esforços para crescer em meio à crise.

Fernando Fernandez, presidente da Unilever no Brasil: “A crise separa as indústrias que surfam a onda daquelas que constroem mercados” (Germano Lüders / EXAME)

Fernando Fernandez, presidente da Unilever no Brasil: “A crise separa as indústrias que surfam a onda daquelas que constroem mercados” (Germano Lüders / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2016 às 06h56.

São Paulo – O executivo argentino Fernando Fernandez viu de perto os efeitos do recente movimento de sofisticação do consumo do brasileiro. Ele chegou ao Brasil para liderar a subsidiária da Unilever no país em setembro de 2011, egresso da operação da multinacional nas Filipinas. Dois meses depois, lançou por aqui a linha de xampus Tresemmé, que tem status de premium dentro do portfólio global de mais de 400 marcas da companhia.

Em seu primeiro ano no mercado, Tresemmé rendeu à subsidiária uma receita de 350 milhões de reais. Mas veio a crise, a euforia passou, e Fernandez hoje depende de um consumidor mais pobre. E precisou redirecionar os esforços da Unilever, que segundo fontes do mercado faturou 12,5 bilhões de reais em 2015 — crescimento de 10% em relação a 2014.

Atualmente, o que tem realmente impulsionado a operação brasileira não são as vendas de Tresemmé. E sim as de marcas populares como Seda, linha de xampus lançada no país na década de 70 e que cresceu cerca de 20% em 2015 em relação ao ano anterior — enquanto esse segmento no Brasil encolheu 12% no mesmo período. Primeiro latino-americano a comandar uma categoria de produtos da multinacional em nível global — a de produtos para cabelo, de 2005 a 2008 —, Fernandez, de 49 anos, falou a EXAME sobre como crescer em tempos de crise.

Durante anos os consumidores brasileiros optaram por produtos mais caros e pagaram por eles. Desde 2014, porém, estamos na contramão desse movimento. Como a Unilever se adaptou a esse novo cenário?

Fernandez - Estamos há décadas no Brasil e já vivemos períodos muito ruins aqui. Nos anos 90, sofremos com a recessão econômica. Por isso, em muitas das categorias de produtos de nosso portfólio, temos três ou quatro marcas, e isso nos ajuda a passar pelas crises com mais facilidade. Algumas delas, muito populares nos anos 90, sofreram no período de sofisticação do consumo e voltaram recentemente a crescer 25%, 30%.

A marca de xampu Seda está crescendo como não crescia há 15 anos. Ora oferecemos marcas mais premium, ora mais populares. O que importa é ter um portfólio que nos permita manter nosso volume total — o número de unidades vendidas, as toneladas de produtos —, e estamos conseguindo fazer isso.

A opção dos consumidores por produtos mais baratos é hoje um fato. Afinal, nos últimos dois anos, 6 milhões de pessoas perderam o emprego. A boa notícia é que os consumidores seguem tomando banho e escovando os dentes, mas o orçamento da família diminuiu e é preciso fazer escolhas: as pessoas passaram a pensar duas vezes com o que lavam a roupa e cuidam do cabelo.

A estratégia então é centrar fogo em marcas populares, e investir menos nas mais caras?

Fernandez - As marcas são como filhos. Não podem ser abandonadas nos momentos difíceis. Nenhuma de nossas marcas está invisível hoje aos olhos dos consumidores, mas direcionamos mais recursos para aquelas que estão tendo mais apelo para o consumidor.

Continuamos sendo um dos maiores investidores em publicidade. Estamos presentes nas mídias tradicionais e nos meios digitais. O relacionamento com o consumidor precisa ser contínuo. Não dá para parar de investir numa marca e escondê-la por três anos. Isso seria uma loucura.

Há um esforço para desenvolver produtos mais baratos que agradem a esse consumidor que está com menos dinheiro no bolso?

Fernandez - Uma empresa não pode ignorar um grande movimento econômico de um país. Continuamos fazendo pesquisas para identificar o que está acontecendo no mercado antes dos concorrentes. Mas temos uma regra inexorável na Unilever: não mexemos nas fórmulas dos produtos porque o país está em crise.

Mexemos para reduzir gordura da empresa, e nos últimos três anos trabalhamos fortemente nisso. Nossa venda por gerente quase dobrou nos últimos cinco anos e incorporamos o orçamento base zero à nossa rotina — o que gerou eficiência e nos permitiu manter os investimentos em nossas marcas.

Digo que não temos o direito de repassar para o consumidor nossas ineficiências, e o lado bom da crise é que somos forçados a achar essas ineficiências. A lógica é pensar que cada real que gastamos indevidamente dentro da empresa poderia ser convertido em publicidade ou promoção na gôndola.

O relacionamento da indústria com o varejo já foi muito tenso lá atrás. Essa relação voltou a ficar mais tensa recentemente com a crise?

Fernandez - Minhas conversas com os varejistas sempre giram em torno de como fazer crescer as categorias de produtos. É claro que me orgulho de roubar participação do meu concorrente, mas isso é uma parte incremental do meu crescimento.

A parte realmente significativa da minha expansão vem do crescimento do mercado. Essa lógica machista de trucidar o concorrente existe, é claro, mas não faz muito sentido econômico. O que faz sentido é fazer o bolo crescer.

Mas é possível fazer o bolo crescer num momento como o atual?

Fernandez - A gente fala o tempo todo em crise, mas ainda tem muita gente com muita grana neste país. E mesmo quem está sofrendo com a crise sai para trabalhar e quer produtos que facilitem sua vida. A crise separa as indústrias que surfam a onda daquelas que constroem mercados. Nos momentos de bonança, o varejista não está muito preocupado com o que põe na prateleira.

Mas, quando a taxa de juro é de 14%, ter estoque custa caro, e não há crédito disponível, ele coloca o capital que tem em Omo ou numa marca desconhecida? Não tenho dúvida: coloca em quem continua investindo em publicidade e em fazer crescer a categoria. Os varejistas estão norteados por uma lógica bem simples: velocidade de giro por margem, e o que assegura a velocidade de giro é investimento em marketing. Simples assim.

A Procter&Gamble anunciou recentemente a saída do mercado de sabão em pó no Brasil. O que o senhor achou dessa decisão?

Fernandez - A categoria de sabão em pó representa cerca de 85% do mercado de limpeza de roupa hoje no país. Por isso, seguiremos produzindo sabão em pó, mercado no qual somos líderes. Lideramos também o segmento de sabão líquido e temos boas expectativas para esse produto, mas não acreditamos que haverá uma mudança de demanda radical nos próximos anos.

Certas categorias de produtos crescem atreladas ao desenvolvimento econômico da população. Portanto, se a renda per capita de um país está em 10 000 dólares, o consumidor troca produtos multiúso por itens específicos.

Mas quem introduz esses produtos quando a renda per capita é de 5 000 dólares, como no Brasil, é melhor ter paciência porque o desenvolvimento desse mercado vai levar tempo. Ou seja, respeitamos os movimentos dos concorrentes, mas jogamos nosso jogo.

Em 2015 a Unilever assumiu a liderança do mercado de higiene pessoal, à frente da Natura. Como pretendem mantê-la?

Fernandez - Esse mercado cresce pela capacidade das empresas de inovar. Na categoria de produtos para cabelo, por exemplo, é sabido que o consumidor está sempre disposto a mudar. Se você não oferece a ele essa oportunidade — dentro de seu portfólio de marcas ou dentro de uma mesma marca —, ele vai buscar isso nos concorrentes.

O segredo: de forma geral, renovamos 70% de nosso portfólio de produtos no Brasil a cada ano. Fizemos um trabalho particularmente bom nas categorias de cabelo, desodorantes e sabonetes.

Além disso, é fato que o mercado de venda direta tem sofrido com algumas questões estruturais nos últimos anos: uma delas é a expansão do varejo, que cercou de todos os lados a população com produtos de higiene e beleza. Pense no crescimento das redes de drogarias. Sempre soubemos trabalhar muito bem com os canais de varejo de massa e continuaremos nos beneficiando disso.

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