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Uma rival para a Bud?

Disposta a brigar com a AmBev no mercado, a Heineken despachou um time de 40 executivos para acelerar a operação brasileira — a meta é sextuplicar de tamanho até 2012

Heineken: o mercado brasileiro é chave no xadrez global (Divulgação)

Heineken: o mercado brasileiro é chave no xadrez global (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

Desde que as marcas Brahma e Antarctica se fundiram, em 1999, para formar a AmBev (o embrião da ABInBev, a maior cervejaria do mundo), o mercado brasileiro foi tomado por certa dose de monotonia. Dona de aproximadamente 70% de participação no setor, a AmBev jamais teve sua hegemonia ameaçada — apesar de alguns movimentos espasmódicos como o lançamento da Nova Schin, em 2003, e, mais recentemente, da Devassa, ambas do grupo Schincariol, dono de uma fatia de quase 12% do mercado. Nunca houve, no entanto, um gigante internacional capaz de brigar de igual para igual com a equipe comandada pelo carioca João Castro Neves — pelo menos até agora. A holandesa Heineken, terceira maior fabricante de cerveja do mundo, com um faturamento de 18 bilhões de dólares e presença em 170 países, parece disposta a mudar esse cenário. Tão logo a compra da divisão de cervejas da mexicana Femsa foi aprovada pelo Cade, no dia 7 de abril, uma equipe de 40 executivos da Heineken de 11 nacionalidades diferentes, entre holandeses, mexicanos, italianos e alemães, foi despachada para o Brasil. Desde então, eles têm passado um minucioso pente-fino em toda a operação, em áreas como recursos humanos, industrial, marketing, tecnologia e finanças. O time foi incumbido pela matriz de entregar um raio X completo ao sul-africano Chris Barrow, que assume a presidência da operação brasileira na segunda quinzena de agosto. “Essa aquisição nos transformou num player muito mais competitivo e forte no Brasil, o segundo mercado mais lucrativo de cervejas no mundo”, disse o presidente mundial da Heineken, Jean-François van Boxmeer, na ocasião da compra, em janeiro.

O plano traçado pela força-tarefa montada pela Heineken — dona também das marcas Kaiser, Sol, Xingu e Bavaria — dá uma boa ideia dos caminhos que a companhia pretende seguir daqui para a frente. A prioridade — pelo menos por enquanto — é expandir a produção da cerveja Heineken no Brasil, hoje restrita à fábrica de Jacareí, no interior de São Paulo. Os executivos já estudam estender a produção da bebida para a unidade em Feira de Santana, na Bahia, atualmente responsável por fabricar as marcas Kaiser, Sol e Bavaria. Com isso, a Heineken espera pegar carona na rápida expansão do mercado nordestino, o que mais cresce no país. É justamente esse crescimento que deverá embasar uma das metas mais ousadas desde que a Heineken começou a ser produzida no Brasil, em 1990: sextuplicar de tamanho em apenas dois anos, para algo em torno de 100 milhões de litros vendidos por ano — ou 0,8% do mercado brasileiro. Parece pouco. Mas num segmento disputado como o de cervejas premium, que representa 4% das vendas totais da bebida e rende margens até duas vezes mais altas que as das cervejas tradicionais, esse aumento incomodaria a concorrência — principalmente porque a AmBev deve lançar no Brasil nos próximos meses a americana Budweiser, que disputaria esse mesmo mercado. “O grande desafio da Heineken é impedir o avanço da Bud no mundo, que pretende ser uma espécie de Coca-Cola das cervejas”, diz Adalberto Viviani, da consultoria Concept, especializada em bebidas. “O Brasil é vital nesse quebra-cabeça.”


O senso de urgência que tomou conta da operação brasileira da Heineken pode ser creditado, em larga medida, ao fraco desempenho das marcas do grupo nos últimos anos. A Kaiser, que já chegou a deter 14% de participação de mercado em 1999, hoje não passa de 4%. A Sol, lançada em 2006 com a missão de atingir 1% do mercado, nunca chegou a alcançar metade dessa meta. A própria Heineken jamais decolou. Juntas, todas as marcas somam hoje menos de 8% de participação.“Os investimentos em publicidade e inovação, cruciais nesse setor, nunca foram consistentes por parte da Femsa”, diz Ronaldo Camelo, dono das redes Boteco São Bento e Dona Flor e um dos maiores clientes da cervejaria no país. Em 2009, a AmBev investiu quase 1 bilhão de reais em publicidade, cinco vezes mais que a concorrente, de acordo com o Ibope Monitor.

Para comandar a virada na operação brasileira, a matriz optou por um executivo com larga experiência em mercados emergentes. Nascido no Zimbábue (então Rodésia) e com cidadania sul-africana, Chris Barrow, de 51 anos, construiu boa parte de sua carreira na África e na Ásia, na cervejaria SABMiller, antes de ser contratado pela Heineken em 2004. Seu primeiro contato com o Brasil aconteceu no ano seguinte, quando o executivo assumiu o comando da operação latino-americana, então sediada no Rio de Janeiro. Dois anos depois, Barrow tornou-se presidente da subsidiária polonesa do grupo, com a missão de coordenar a aquisição de 13 cervejarias locais. “O fato de ele ter conseguido digerir tantas marcas distintas certamente contou pontos para sua indicação ao posto no Brasil”, diz um executivo próximo à empresa. A seu lado, Barrow terá um grupo de expatriados da Heineken. Os portugueses Nuno Teles e Isabel Moisés, que ficavam em Lisboa, foram designados para a diretoria de marketing e recursos humanos, respectivamente. Ao italiano Alberto Toni, até então baseado em Amsterdã, coube a área financeira — os diretores industrial, comercial, de planejamento e relações corporativas foram mantidos.


Planos à parte, o fato é que a Heineken precisará vencer alguns obstáculos se quiser, de fato, fazer frente à chegada da Bud ao Brasil. O primeiro deles diz respeito ao esquema de distribuição — no contrato fechado entre Heineken e Femsa ficou estabelecido que a entrega das cervejas aos pontos de venda continuará sendo feita pela Coca-Cola, o que dá à cervejaria holandesa pouca autonomia para lidar com uma atividade vital para a operação. Além disso, a empresa enfrenta resistência dos consumidores em algumas regiões do país. No Rio de Janeiro, onde a rejeição à Kaiser é mais ostensiva, a participação da marca em junho foi praticamente zero, segundo dados do instituto de pesquisas Nielsen. “No Nordeste e no Rio, Kaiser e Heineken são vistas como cervejas de ‘paulista’”, diz um ex-diretor da Femsa. “Parece bobagem, mas esse preconceito acaba criando um obstáculo enorme às vendas.” É mais um empecilho ao sucesso dos holandeses no Brasil na nada invejável missão de bater um concorrente com amplo domínio do mercado.

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