Revista Exame

Uma disputa de 51 bilhões de dólares

Nos Estados Unidos e na Europa, investidores disputam como nunca a oportunidade de virar sócios de ligas esportivas. E, com isso, estão ajudando atletas e dirigentes a superarem de vez os efeitos da pandemia

 Lionel Messi (Antonio Borga/Eurasia Sport Images/Getty Images)

Lionel Messi (Antonio Borga/Eurasia Sport Images/Getty Images)

Drc

Da redação, com agências

Publicado em 14 de abril de 2022 às 05h26.

As empresas de private equity gastaram, globalmente, 51 bilhões de dólares em transações esportivas no ano passado, dos quais 22 bilhões de dólares apenas na Europa, segundo o PitchBook, empresa de pesquisa de mercado focada em tecnologia. Na América do Norte, eles desembolsaram quase 3 bilhões de dólares comprando participações minoritárias em franquias esportivas. Para ligas e equipes, esses investimentos ofereceram liquidez estável em um momento de incertezas. O apelo para o private equity foi ainda mais simples: uma rara chance de negócios atraentes após décadas de aumento nos preços das franquias. “A covid-19 mostrou a resiliência desses negócios, mesmo quando uma parte da cadeia de valor — o evento ao vivo — estava desativada”, diz Gerry Cardinale, fundador da ­RedBird Capital Partners, empresa especializada em esportes.

Na Europa, o papel do private equity no esporte está bem estabelecido. Mas os clubes de futebol europeus, ao contrário dos times profissionais dos Estados Unidos, sempre correm o risco de ser rebaixados para divisões inferiores após uma temporada ruim. Por isso, investidores institucionais estão cada vez mais visando as principais ligas de futebol em vez de equipes individuais, para garantir melhores retornos. Em dezembro, o CVC Capital Partners, fundo global com sede em Luxemburgo, fechou um acordo de 2 bilhões de euros (algo em torno de 2,2 bilhões de dólares) com a espanhola LaLiga, investindo em uma empresa recém-criada em troca de uma parte da receita de transmissão. Em troca, os clubes da primeira e da segunda divisão da Espanha recebem dinheiro para investir em infraestrutura, pagar dívidas e contratar jogadores.

A maior liga de futebol da França pode ser a próxima beneficiada. A Ligue 1 está em negociações com o CVC para uma participação minoritária no negócio de direitos de mídia da LaLiga, onde jogam estrelas como Kylian Mbappé, Lionel Messi e Neymar. O anúncio vem num bom momento da Ligue 1, que está se recuperando comercialmente da pandemia, do colapso em 2020 e do que deveria ter sido um lucrativo acordo de transmissão com o grupo de comunicação Mediapro (no valor de 780 milhões de euros, a transação acabou cancelada em dezembro de 2020 por desacordos entre as partes. A Amazon, mais tarde, comprou o direito de transmissão da maioria dos jogos da Ligue 1, mas por muito menos dinheiro).

As ligas dos Estados Unidos se animaram com a ideia de permitir que investidores institucionais comprem equipes. Em 2019, a Major League Baseball (MLB), principal liga de beisebol americana, passou a permitir que fundos de investimento comprassem participações em várias equipes. Tudo isso para os proprietários dos times terem mais facilidade em vendê-las. Logo depois, a National Basketball Association (NBA), de basquete, e a Major Lea­gue Soccer (MLS), de futebol, seguiram o exemplo. Em 2020, a NBA estabeleceu um acordo para o fundo Dyal HomeCourt, da Blue Owl Capital, comprar participações minoritárias em várias equipes. O Dyal assumiu uma participação de 6% no Atlanta Hawks em janeiro e uma de menos de 5% no Phoenix Suns em julho. O Dyal também detém ações no Sacramento Kings.

Uma razão pela qual a NBA estava disposta a trabalhar com o fundo é que ela impôs um período de bloqueio de sete anos a seus próprios investidores, proporcionando alguma estabilidade ao negócio. “Compramos um pouco de diversas posições de proprietários minoritários”, diz Andrew Polland, diretor de operações da Blue Owl. “Agora estamos na família.”

As ofertas estão chegando rapidamente. O fundo global de investimentos Sixth Street Partners, com sede em São Francisco, comprou uma parte do San Antonio Spurs, da NBA, em junho, e a ­RedBird no ano passado assumiu uma participação no Fenway Sports Group , dono do Boston Red Sox, da MLB, e do Liverpool Football Club, da Inglaterra. A ­Arctos Sports Partners levantou mais de 2,1 bilhões de dólares para seu primeiro fundo em outubro e assumiu participações em mais de 15 franquias. A empresa conta com o Golden State Warriors, da NBA, e o Tampa Bay Lightning, da National Hockey League (NHL), entre seus investimentos.

Jogadores do Barcelona: clube criticou a entrada de fundos na LaLiga (Joan Valls/Urbanandsport/NurPhoto/Getty Images)

Tanto na Europa quanto na América do Norte, investidores veem o esporte como uma jogada de direitos de mídia. Numa época em que telespectadores têm muitas opções baratas de streaming, os eventos esportivos ainda atraem os que gostam de assistir aos jogos ao vivo, dispostos a ver intervalos comerciais no meio do show — ou a pagar uma taxa para evitá-los. A NBA, por exemplo, está buscando um pacote de direitos de 75 bilhões de dólares ao longo de nove anos, de acordo com a rede de notícias americana CNBC. A negociação significa cerca de 8 bilhões de dólares em anuidades fluindo para as equipes e seus proprietários. Legalizado recentemente em muitos estados americanos, o mercado de apostas esportivas pode estimular mais o interesse pelos jogos. “Esses são ativos raros”, diz Wylie Fernyhough, analista de private equity do PitchBook.

Enquanto isso, ligas e equipes querem investir em tecnologia capaz de conectá-las diretamente a seus fãs, em vez de depender de emissoras de TV. “Isso requer investimento intelectual e financeiro”, diz Nick Clarry, chefe do portfólio de private equity do CVC Capital. “A pandemia foi um acelerador, e não a causa dessa tendência”, diz ele. “As entidades esportivas perderam receita e tempo exatamente no momento em que precisavam acelerar o investimento em produtos e plataformas digitais.”

Nem todo mundo adora a ideia de o capital privado ter mais relevância nos esportes. Boa parte dos torcedores desconfia da reputação da indústria de incursões corporativas. Na Europa, muitos clubes de futebol estão preocupados em ceder qualquer controle. O CVC e outras empresas do mercado financeiro tiveram discussões com a Bundesliga, associação da elite do futebol da Alemanha. A negociação bateu na trave em maio do ano passado, depois de os clubes alemães decidirem encerrar as conversas. Algumas grandes equipes integrantes da LaLiga, a Série A do futebol da Espanha, também rea­giram a um acordo semelhante. Real Madrid, Barcelona e Athletic Bilbao foram contra o acordo e apresentaram uma proposta alternativa de financiamento sob o argumento de que a LaLiga cedeu direitos demais ao CVC.

Partida entre Boston Red Sox e New York Yankees, pela Liga Nacional de Beisebol dos Estados Unidos: abertura ao capital privado (Billie Weiss/Boston Red Sox/Getty Images)

Nos Estados Unidos, as ligas estão tentando preservar o controle dos proprietários individuais, só permitindo aos fundos de private equity um papel minoritário. Os financistas têm pouca ou nenhuma palavra nas decisões de negócios das equipes. “Não vamos entrar e dizer a eles como administrar o time de basquete”, diz Andrew Laurino, diretor da Blue Owl e membro da equipe de investimentos da Dyal. “Os donos gostam de que fiquemos à margem.”

Atualmente, a NBA restringe a 20% a participação de investidores institucionais em cada time.Mas o modelo de propriedade individual está sob pressão. O valor crescente das equipes está esvaziando o grupo de indivíduos ricos o suficiente para comprar. “Pode ser difícil encontrar alguém para preencher um cheque para uma participação minoritária maior”, diz Michael Kenworthy, chefe do banco de investimento Goldman Sachs. “É uma parte substancial do patrimônio líquido de alguém.”

A National Football League, principal liga de futebol americano, ainda proíbe investidores institucionais de adquirir participações minoritárias em times. Por ali, a venda do time Denver Broncos, em breve, pode testar o apetite de investidores individu­ais por negócios gigantes. A liga exige que um proprietário controlador detenha pelo menos 30% do capital de uma equipe e limita o financiamento da dívida a 1 bilhão de dólares. Isso significa que, se os Broncos forem vendidos por 4 bilhões de dólares, como é esperado, um proprietário controlador com 1,2 bilhão de dólares em dinheiro e 1 bilhão de dólares em dívidas ainda precisaria encontrar 1,8 bilhão em investimentos para sócios limitados, informou a Sportico. Sem capital privado para comprar algumas dessas participações, isso poderia ser uma tarefa difícil.

Alguns consideram otimista esperar que as empresas de capital privado permaneçam como parceiras agradavelmente silenciosas por muito tempo. “É uma pequena fatia de negócios para os maiores gestores”, diz Paul Gulberg, analista da Bloomberg Intelligence. “Com base na história de outros setores, porém, os fundos de capital privado normalmente não permanecem passivos.”

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