Revista Exame

Um vilão para o Google?

À custa de manchas na reputação da gigante de buscas, companhias como a Demand Media faturam milhões com estratégias de posicionamento em pesquisas. A reação já começou

Rosenblatt, da Demand Media: boa colocação nas buscas e mais de 100 000 artigos por mês (Chad Buchanan/Getty Images)

Rosenblatt, da Demand Media: boa colocação nas buscas e mais de 100 000 artigos por mês (Chad Buchanan/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 4 de abril de 2011 às 06h44.

Experimente digitar no Google: “cirurgia plástica”. Enter. Agora desça até o final da página e clique no número “3” para avançar. Os resultados em mecanismos de busca podem variar, mas é grande a chance de que somente aí, ao final da terceira página, você veja uma referência ao site de Ivo Pitanguy, uma das maiores autoridades mundiais no assunto. Nas primeiras posições da pesquisa, médicos mais jovens, muitos em início de carreira, são vistos apresentando seus serviços. Em quinto lugar, uma empresa oferece financiamento de cirurgias estéticas simples em até 36 vezes. Logo abaixo, uma clínica exibe promoções em lipoaspiração (“Tiramos mais uma gordurinha. Lipo Light por apenas 3 490 reais”). Pitanguy tem em seu currículo mais de 60 000 cirurgias plásticas. Ao todo,  é autor de cerca de 800 trabalhos científicos em publicações brasileiras e internacionais. Nada disso, porém, parece ter a menor importância para o sistema do Google.

Classificar o colosso de informações e de páginas da rede e dar sentido a ele é um trabalho nada simples — não por acaso, esse é também um dos negócios mais rentáveis do mundo online. Desde sempre, a qualidade dos resultados exibidos tem sido a razão imediata do sucesso ou do fracasso dos mecanismos de busca. O Google é a maior prova disso. Até o surgimento da empresa, no final dos anos 90, nenhum site havia sido capaz de apresentar resultados de pesquisas tão relevantes. Foi assim que a companhia fez fama, e foi assim também que deixou para trás concorrentes estabelecidos, como AltaVista e Yahoo! Não é novidade que, para entregar os resultados, o Google leve em conta centenas de fatores — a maioria deles guardada em segredo. Seu algoritmo é tido por especialistas como ágil e extremamente poderoso. Mas, com o passar dos anos, ele vem se tornando conhecido também por uma característica pouco elogiosa entre seus concorrentes: previsível.

É provável que ninguém hoje conheça tão bem as virtudes e o valor dessa constatação quanto o americano Richard Rosenblatt. Rosenblatt é o fundador da Demand Media, uma companhia de mídia online criada em 2006 na Califórnia, o coração das empresas americanas de internet. Há anos, empresas e indivíduos em todo o mundo têm lançado mão de estratégias conhecidas como “otimização para mecanismos de busca”, ou SEO, da sigla em inglês, para aumentar a visibilidade de suas páginas na rede. Rosenblatt fez mais: aprendeu tanto sobre a maneira como o Google classifica os resultados que passou a abastecer websites inteiros com conteúdo inspirado na demanda já existente de usuários nas pesquisas.

Tudo começa com outro algoritmo, este desenvolvido pela própria Demand Media, utilizado para avaliar a viabilidade de criação de peças editoriais. Passam pelo crivo assuntos que têm um volume mínimo de buscas mensais, competição baixa com outros sites e alto valor potencial gerado por cliques em peças publicitárias. Depois, o conteúdo produzido vai parar em sites como o eHow.com, o maior guia de “como fazer” do mundo. Mais de 1 milhão de artigos e vídeos compõem hoje o banco de dados do site — a grande maioria deles sempre bem posicionada em pesquisas no Google. Quem faz uma busca em inglês sobre o aprendizado de língua chinesa, por exemplo, tem grande chance de topar com um artigo do eHow intitulado “Como aprender chinês”, que se propõe a dar dicas sobre o domínio do idioma. Eis uma delas: mude-se para a China. Boa. Outra: assista a filmes chineses.


Fazendas de conteúdo

É com essa “qualidade” editorial que mais de 7 000 colaboradores da Demand Media ao redor do mundo despejam 100 000 artigos e vídeos na rede todos os meses. Parece piada? Pode ser. Mas, a despeito de acusações de poluir as buscas e de desenvolver “fazendas de conteúdo” (sites com conteúdo de baixa qualidade criados apenas para lucrar com cliques em anúncios), a Demand Media vai bem. Seus portais estão entre os mais acessados de língua inglesa e também entre os maiores beneficiários do programa de anúncios do próprio Google, o Adsense. E há mais gente acreditando no poder de saber aparecer bem em mecanismos de busca e de lucrar com conteúdo do nível de “Como tornar-se um gigolô” ou “Como tirar um jacaré de dentro de casa”. Depois do IPO, em janeiro, a Demand Media passou a ser avaliada em 1,5 bilhão de dólares. O fato, como era de esperar, pegou mal para o Google. Num esforço de zelar por sua reputação na rede, a empresa presidida por Larry Page realizou, há um mês, uma alteração em seu algoritmo. Pequenos ajustes no código responsável pelas buscas ocorrem a todo momento, mas nenhuma mudança havia sido tão alardeada até então. O objetivo foi justamente minar o desempenho de fazendas de conteúdo e de outros sites que utilizam táticas duvidosas para subir na classificação das pesquisas. “As técnicas sujas vão contra a missão do Google de organizar a informação do mundo”, diz Doug Pierce, especialista em busca da consultoria Blue Fountain Media. “Não deveria ser surpresa que a empresa queira agir para manter a relevância e a participação de mercado que possui.” O efeito final da revisão nos códigos e nos cálculos ainda levará tempo para ser digerido. Mas há consenso de que aventuras de empresas como a Demand Media já serviram, pelo menos, para uma coisa: escancarar ao mundo imperfeições e vulnerabilidades do algoritmo do Google.

Links

Ninguém sabe ao certo quais foram, exatamente, os critérios afetados pelas revisões. Nos últimos anos, um dos critérios, crucial no processo, talvez tenha se tornado conhecido demais por empresas que querem melhorar sua visibilidade na rede: os links que os sites estabelecem entre si. Como todos os sites, a página de Pitanguy, por exemplo, cresce nos resultados à medida que outros sites apontam links para ela. Quanto mais, melhor — é assim, grosso modo, que o Google mede a popularidade na rede. Se vier de um site com autoridade no assunto, melhor. Mas mesmo páginas que não possuem nenhuma relação com o tema podem produzir efeito semelhante — e é aí que existe hoje, na prática, uma avenida aberta para as estratégias consideradas “sujas” e artificiais. Contratar empresas e indivíduos para estabelecer dezenas, centenas, milhares de links artificiais para determinado site é uma estratégia comum hoje em SEO. Alguns dos concorrentes de Pitanguy possuem links vindos de mais de 300 sites. Muitos deles estão de alguma forma relacionados a saúde. Outros não. Um site húngaro especializado em celebridades, por exemplo, exibe hoje um link com as palavras “cirurgia plástica” apontando para uma das clínicas bem posicionadas nas buscas brasileiras. Uma pesquisa rápida revela que outros sites bem colocados no tema recebem links de páginas sobre a revolução da web na Rússia, acampamentos ou papéis de parede para iPhone. O problema, obviamente, não são os húngaros nem os russos. É sobretudo essa maneira de medir relevância, tão estranha para padrões humanos, que está sendo revisada.

Nem tudo no mundo de SEO pode ser considerado trapaça. A linha entre o bem e o mal, no entanto, é tênue. Muitas técnicas simples, como incluir a palavra-chave de um assunto no título de uma página, podem inclusive ajudar na qualidade geral das buscas na rede. Outras, em geral envolvendo húngaros e sites não relacionados, são complexas e prejudicam os usuários. “Um mecanismo de buscas perfeito é apenas um ideal”, diz Eli Goodman, analista de pesquisas da ComScore. “Haverá sempre lugar para SEO.”

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