Revista Exame

Um plano de Jorge Paulo Lemann para conquistar o mundo

Como o empresário Jorge Paulo Lemann está construindo uma máquina de negócios bilionários para criar um império formado por algumas das marcas de consumo mais poderosas do planeta


	O empresário Jorge Paulo Lemann: uma poderosa rede de contatos e uma gstão implacável ajudaram a abrir espaço entre os maiores investidores
 (Marcos Guiao/Exame)

O empresário Jorge Paulo Lemann: uma poderosa rede de contatos e uma gstão implacável ajudaram a abrir espaço entre os maiores investidores (Marcos Guiao/Exame)

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Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.

Nova York - A região da Park Avenue, em Manhattan, é conhecida por abrigar os escritórios dos maiores fundos de private equity do mundo. Poucas quadras separam algumas lendas do mercado financeiro que construíram uma reputação com negócios vultosos e sem fazer questão de esconder a própria fortuna.

São nomes como Stephen Schwartzman, cofundador e presidente do Blackstone, responsável pela gestão de 210 bilhões de dólares.Conhecido por hábitos extravagantes, o investidor fez barulho ao promover uma festa de aniversário para 500 convidados na qual o cantor Rod Stewart fez um show por um cachê estimado em 1 milhão de dólares em 2007.

A alguns metros dali, Henry Kravis, um dos fundadores do KKR, decide onde investir os mais de 40 bilhões de dólares que administra. Em seu escritório, faz questão de exibir parte de sua valiosa coleção de obras de artistas como Monet e Renoir. 

Em fevereiro, a compra de um dos mais tradicionais ícones do consumo americano levou ao centro das atenções um grupo de investidores com perfil bem diferente de seus pares em Nova York — os reservados empresários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, criadores do fundo de investimento 3G Capital, que há menos de uma década se instalaram na mesma vizinhança.

Trata-se de um dos passos mais ousados dos sócios do antigo banco Garantia (daí a sigla, os três do Garantia), que agora ganham espaço entre os principais investidores do planeta. O escritório do 3G, modesto se comparado ao de seus vizinhos, com uma recepção apertada e móveis simples, ocupa apenas parte do 37º andar do número 600 da Terceira Avenida, a duas quadras da Park Avenue.

Foi ali que, por volta das 2 da manhã do dia 14 de fevereiro, um time de assessores definiu os últimos detalhes do acordo entre o 3G e o megainvestidor americano Warren Buffett para arrematar a centenária fabricante de catchup Heinz por 23 bilhões de dólares. 

Até pouco tempo atrás, o 3G era absolutamente desconhecido. Eles saíram do anonimato ao levar outro ícone americano, o Burger King, segunda maior rede de hambúrgueres do mundo, em setembro de 2010. (Uma rodada de sanduíches da rede, aliás, matou a fome dos assessores que foram madrugada adentro para fechar o contrato.)

Mas nada se compara à projeção que os sócios alcançaram com a compra da Heinz, ao ganhar o aval público de Buffett, o maior investidor de todos os tempos.

Embora a Berkshire Hathaway, holding de Buffett, e o 3G dividam o controle meio a meio, a operação ficará exclusivamente nas mãos dos brasileiros. Numa entrevista concedida à rede de televisão americana CNBC, Buffett disse: “Nunca vi um time de executivos tão capazes como o formado por Jorge Paulo Lemann”.


Apesar da referência entusiasmada de Buffett, a estratégia do 3G continua uma incógnita para muita gente. Primeiro porque seus sócios são absolutamente reclusos. Lemann não dá entrevista. Mesmo sendo o pivô do negócio — foi o empresário quem apresentou pessoalmente a proposta ao megainvestidor no início de dezembro —, ele não se pronunciou a respeito. Ao pedido de entrevista de EXAME, respondeu que preferia “permanecer em silêncio”.

Além disso, o 3G não se comporta como a maioria dos fundos de private equity. Firmas como o KKR e o Blackstone levantam fundos para investir em diversas companhias de uma só vez — e tem uma boa razão para que seja assim. Se alguns investimentos falharem, outros poderão compensar. O 3G dá pouquíssimos tiros — mas todos grandes, muito grandes.

Segundo EXAME apurou, a ideia é continuar assim — e manter as compras ao ritmo de uma a cada dois ou três anos. É o tempo, de acordo com executivos próximos aos sócios, necessário para digerir cada gigante e adaptá-lo ao jeito de fazer negócios dos brasileiros. Ao selecionar poucos alvos, Lemann, de 73 anos, e seus sócios assumem um risco alto. Mas parecem estar confiantes de que esse risco é muito bem calculado.

O objetivo é formar um conglomerado de marcas globais que mais lembre a gama de investimentos do próprio Buffett, conhecido por colecionar ações de fabricantes de refrigerantes, sorvete e doces. São setores que costumam sofrer menos com crises, com produtos relativamente baratos e marcas fortes.

A diferença é que os brasileiros, ao contrário de Buffett, são também operadores e não apenas estrategistas. Com cada uma de suas aquisições, eles querem repetir a experiência que tiveram com o mercado de cerveja.

Ainda no antigo banco Garantia, Lemann, Telles e Sicupira compraram uma cervejaria quase quebrada, a Brahma, em 1989. Em pouco mais de duas décadas, construíram a maior cervejaria do mundo. O auge se deu em 2008, com a aquisição da Anheuser-Busch, dona da marca Budweiser — por 52 bilhões de dólares. 

Com o 3G, eles planejam criar uma máquina de aquisições bilionárias capaz de repetir a mesma fórmula em empresas como o Burger King e a Heinz. Não há, no entanto, a intenção de criar um bloco único entre elas.

Embora as marcas globais dos sócios pareçam compor um quebra-cabeça — cerveja, hambúrguer e catchup, afinal, podem estar na mesma mesa de um restaurante —, a ideia é mantê-las numa rota separada.

Em tese, investimentos de setores como higiene também poderiam fazer sentido nessa estratégia. (Há alguns meses, analistas chegaram a especular a respeito de uma possível oferta do 3G pela fabricante de cosméticos Avon.) 


No caso da Heinz, os sócios veem um caminho aberto para formar um portfólio na mesma linha da ameri­cana Procter&Gamble, que possui 25 marcas que faturam individualmente acima de 1 bilhão de dólares por ano, ou da suíça Nestlé, que possui 29 marcas nesse mesmo patamar.

Hoje, a empresa de catchup fundada em 1893, em Pittsburgh, está longe disso — tem apenas 12 marcas principais, entre papinhas para bebê e pratos conge­lados, cujas receitas conjuntas chegam a 2 bilhões de dólares por ano.

Ao anunciar o negócio, Buffett se referiu à Heinz como o bebê do 3G. De acordo com uma fonte próxima aos sócios, existe um duplo sentido na afirmação. Além de ter sido entregue aos cuidados deles, a empresa também está apenas na sua infância diante do tamanho que poderá ter no futuro.

“Nenhum investidor estrangeiro avançou de maneira tão determinada sobre grandes marcas americanas”, afirma Craig Siegenthaler, diretor da área de análise do setor financeiro no Credit Suisse, em Nova York.

Os olhos de Lemann, Telles e Sicupira se voltaram para os Estados Unidos há três décadas, quando comprar qualquer grande companhia americana era um sonho distante.

A princípio, o interesse era buscar modelos para as empresas que controlavam no Brasil. A primeira experiência nesse sentido aconteceu após a compra da cambaleante Lojas Americanas nos anos 80. Sem entender nada do setor, decidiram pedir ajuda para grandes varejistas do mundo.

Sam Walton, fundador do Walmart, foi um dos únicos que responderam. Começava aí um longo relacionamento — que determinou aspectos fundamentais do estilo de gestão do trio e de uma geração de executivos a partir daí. Um deles é o management by walking around — ou, em bom português, o “hábito de gastar sola de sapato”. Desde então, visitar empresas estrangeiras para copiar boas ideias tornou-se rotina.

“Muitas coisas que fizemos na Ambev foram totalmente copiadas da Anheuser-Busch, ainda nos anos 90”, disse Sicupira numa rara entrevista a EXAME em 2010. Mais tarde, Lemann passou a integrar o conselho da Gillette entre 1998 e 2005, ao lado de Buffett, de quem se tornou amigo. Como se sabe agora, o contato se mostrou precioso mais tarde. 

O passo mais importante da expansão internacional de Lemann, Telles e Sicupira se deu na esteira do crescimento da Ambev, quando a cervejaria se fundiu com a belga Interbrew em 2004. Naquele ano, os três deixaram a gestora GP Investimentos, que haviam criado em 1991. Outros dois sócios da GP fizeram o mesmo naquele momento — Roberto Thompson e Alexandre Behring. Cada um à sua maneira, ambos tiveram papel no crescimento dos investimentos globais do trio a partir daí.

Thompson, de 55 anos, ajudou os sócios a articular a compra da Anheuser-Busch, fechada quatro anos mais tarde. Behring, de 45 anos, assumiu a missão de construir algo novo — um fundo para adquirir grandes companhias americanas. Para isso, usou como base a estrutura do fundo Synergy, aberto em 1997 por Paulo Alberto Lemann, primogênito de Jorge Paulo. 

Com sede em Nova York, o Synergy era apenas um fundo de fundos, sem participação direta em empresas, e funcionava como uma espécie de gestora de parte da fortuna de Lemann, Telles e Sicupira — que soma mais de 30 de bilhões de dólares. Nascia assim o 3G. 


Ainda hoje, cerca de um quarto dos recursos de 10 bilhões de dólares administrados pelo 3G vem do trio. Para acompanhar os investimentos, eles se reúnem a cada três meses com os nove sócios executivos do fundo, liderados por Behring. Mais conhecido como Alex, ele ingressou na GP em 1994, aos 26 anos.

É ao mesmo tempo estrategista e operador das aquisições que coordena. Passou a participar de alguns encontros que os sócios promovem para discutir estratégias com o guru Jim Collins. Também foi fundamental na articulação da compra da Heinz ao apresentar a proposta a William Johnson, presidente da companhia, enquanto Lemann cortejava Buffett. 

Behring, que concluiu o MBA na Universidade Harvard com distinção máxima — conhecida como baker scholar, concedida apenas aos 5% melhores alunos da classe —, ganhou a confiança dos sócios ao construir o que é hoje a operadora logística ALL, com sede em Curitiba.

Dentro da GP, ele mapeou oportunidades nas ferrovias em meio à privatização, fez o lance para arrematar parte da malha e mergulhou na operação para resgatá-la do buraco. Nada sabia sobre o setor. Passou meses viajando em trens, com uniforme de maquinista, dormindo nos vagões. Assim construiu um dos melhores investimentos da primeira fase da GP.

Meritocracia

A equipe de Behring aumentou à medida que os negócios se tornaram mais complexos. Hoje, Behring está à frente de um time de cerca de 30 profissionais imersos numa cultura de meritocracia levada às últimas consequências. Até a recepcionista tem metas para cumprir. Ali, na sede do 3G, raramente se vê alguém de terno e gravata.

O português é a língua oficial. Contando os fundadores, dez dos 14 sócios são brasileiros. Dois deles foram recrutados especificamente para cuidar dos projetos mais ousados de expansão.

São executivos que formou nos tempos da ALL. O primeiro foi o carioca Bernardo Hees, seu sucessor à frente da operadora logística. Em julho de 2010, Hees juntou-se ao grupo em Nova York para ajudar a finalizar a compra do Burger King — do qual se tornou presidente dois meses mais tarde, em Miami. Em julho de 2012, chegou a vez do capixaba Paulo Basílio, de 37 anos, que havia substituído Hees na ALL. 

Hees e Basílio foram recrutados justamente por causa da experiência na gestão de empresas. Uma das marcas declaradas do 3G é o estilo hands on, ou “mão na massa” — o que não chega a ser incomum nesse segmento. Ao contrário: num levantamento realizado em novembro pela consultoria inglesa Grand Thornton com 174 firmas de private equity no mundo, metade se coloca nessa categoria.


Para os sócios do 3G, porém, colocar a mão na massa tem um sentido todo particular. “Eles não se contentam em impor metas e acompanhar resultados a distância”, diz um executivo próximo. “Eles sujam as mãos para valer.” Behring e Hees passaram meses em viagens pelo mundo. Conversaram com funcionários de todos os níveis e, nos restaurantes, até fritaram hambúrgueres.

Todos os diretores foram substituídos. Mais de 400 funcionários foram demitidos em áreas administrativas. Outros 100 foram recrutados para reforçar o time de campo que acompanha o resultado nos restaurantes. O esforço começa a aparecer. Em 2012, o Burger King lucrou 118 milhões de dólares — 33% mais do que no ano anterior.

Não importa se o negócio é cerveja, hambúrguer ou ferrovia. A filosofia dos discípulos de Lemann é a mesma. “Esses empresários se tornaram mais conhecidos pelos cortes de custos, mas é uma visão simplista”, diz James Allen, diretor da consultoria de estratégia Bain, que analisou a cultura de negócios da cervejaria no livro O Poder dos Modelos Replicáveis, lançado em 2012. “Eles querem um exército de funcionários que pensem como donos do negócio.”

Para Allen, o maior mérito de Lemann foi ter criado um modelo de gestão replicável, que se mostrou bem-sucedido em vários setores. Allen diz que ouviu de um executivo da empresa a seguinte analogia que mostra como isso funciona: “Criamos donos de restaurante, não garçons. O dono de restaurante se sente ameaçado se um concorrente abre uma loja na esquina. Um garçom vai se sentir indiferente ou até feliz.

Trabalhamos de maneira incansável para criar donos de restaurante”. Para apoiar a disseminação desse estilo nas operações da cervejaria em outros países, centenas de brasileiros foram expatriados.

Hoje há 84 brasileiros nas operações da AB InBev pelo mundo. O presidente é o carioca Carlos Brito, de 53 anos. Oito de seus 13 diretores são brasileiros. O resultado dessa invasão está no balanço. As vendas cresceram 7% entre janeiro e setembro de 2012 em relação ao mesmo período do ano anterior. 

É uma questão de tempo — e, se depender dos sócios, de pouco tempo — para que as mesmas mudanças aconteçam na Heinz. Por enquanto, os sócios do 3G ainda estão analisando a companhia, comandada por William Johnson há 15 anos.

Diferentemente do que encontraram no Burger King, eles não depararam com uma empresa estagnada — o que dispensa medidas emergenciais. Nos últimos anos, Johnson fechou fábricas e investiu em países emergentes.

“A empresa cresce há 30 trimestres consecutivos”, diz Erin Lash, da empresa de análise de companhias abertas Morningstar. Especula-se que Behring e mesmo Basílio devam assumir funções executivas na empresa. Por enquanto eles se dedicam ao diagnóstico. Até agora já detectaram um problema — uma colcha de retalhos na cultura decorrente de uma série de aquisições. Em 2011, a Heinz comprou a fabricante brasileira de atomatados Quero por 1 bilhão de reais. 


Não será da noite para o dia que os brasileiros conseguirão, se é que conseguirão, levar o Burger King e a Heinz ao patamar da AB InBev. E está aí outra diferença fundamental entre o 3G e a maioria dos fundos de private equity. Os brasileiros não têm pressa de se desfazer de seus investimentos.

Desde os tempos da Brahma até hoje, Lemann e seus sócios mantêm o controle operacional. Sicupira ainda é acionista da Americanas, onde comanda o conselho. Isso explica por que Buffett, que repudia o imediatismo de fundos de private equity, fez negócio com Lemann.

É claro que, como qualquer investidor, eles também querem ganhar dinheiro rapidamente. Para isso, usam uma tática celebrizada pelo fundo KKR, de Kravis, nos anos 80. Eles procuram entrar com pouco dinheiro, tomar o resto emprestado e, depois, usar o caixa da companhia comprada para pagar a dívida.

O caso do Burger King é um exemplo. Em vez de arcar com os 4 bilhões de dólares acertados para a aquisição, os brasileiros pagaram apenas 1,2 bilhão do próprio bolso — o restante foi captado com bancos e convertido em dívida da companhia.

Em abril de 2012, venderam uma fatia minoritária para o investidor americano Bill Ackman por 4 bilhões de dólares. A operação quase quadruplicou o valor inicial aplicado pelo fundo. E o 3G ainda se manteve no controle, com 71% de participação. Tudo isso em menos de dois anos.

Com a operação, o Burger King voltou a ter o capital aberto e vale cerca de 6 bilhões de dólares — o dobro do que valia em 2010. Uma saída semelhante pode ser usada na Heinz, em que o 3G investiu 4 bilhões de dólares e levantou outros 5 bilhões em dívidas. ­Buffett já afirmou que ele mesmo poderia comprar mais ações no futuro.

Paralelamente ao negócio nos Estados Unidos, Behring fez uma espécie de caminho reverso ao enviar dois sócios do 3G para um escritório aberto no Rio de Janeiro em 2011.

São os brasileiros Pedro Drevon e Claudio Bahbout, que vêm comprando pequenas participações em empresas abertas no país. Em dezembro, adquiriram menos de 5% da gestora de planos de saúde Qualicorp. Por ora, o escopo é menos pretensioso e eles não têm intenção de interferir na gestão de nenhuma delas.

As atenções no momento estão mesmo concentradas nos alvos globais. Até onde Lemann e sua turma querem chegar? Em sua entrevista a EXAME em 2010, Sicupira deu uma medida da ambição do grupo. Perguntado se esperava ter ajudado a criar a maior cervejaria do mundo, ele riu e disse: “Muito mais. O sonho é grande mesmo”.

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