Gorenstein, Raussin e Leal, da Evino: carteiras digitais entraram no negócio há menos de um ano (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 12 de abril de 2018 às 05h00.
Última atualização em 12 de abril de 2018 às 05h00.
Para os brasileiros, a compra de um vinho francês esteve por muito tempo associada a três situações diferentes. A primeira, para os mais endinheirados, envolvia a escolha de garrafas em empórios e importadoras especializadas em grandes rótulos — como os châteaux Pétrus e os Lafite-Rothschild. Em um nível abaixo, as viagens internacionais eram uma boa oportunidade para experimentar marcas mais acessíveis, fosse no serviço de bordo dos aviões ou durante a passagem pelo free shop. Os demais consumidores precisavam se contentar com rótulos disponíveis em supermercados, em que nem sempre a qualidade do produto é uma prioridade. Agora, por meio da ascensão de uma variedade de lojas eletrônicas de vinhos, o cenário está mudando. Essas adegas digitais cresceram no Brasil durante a crise econômica ao pesquisar produtores no exterior com uma boa relação entre custo e qualidade, cortar intermediários e apostar cada vez mais em análise de dados e nas experiências de compra por meio dos smartphones.
É importante lembrar: o vinho não é um produto de primeira necessidade. Portanto, é de surpreender o fenômeno do aumento das importações de vinho no Brasil nos últimos anos. Na comparação com o volume de 2016, as bebidas com origem na França foram as que mais cresceram no ano passado: uma alta de 156% ante 2016, alcançando um volume de quase 13 milhões de litros. “Parte desse fenômeno é explicada pelo fato de que, com a crise, o brasileiro passou a fazer menos refeições fora de casa, mas decidiu investir num bom vinho para jantar com os amigos”, diz Olivier Raussin, um dos três presidentes da varejista online de vinhos Evino.
A mudança de comportamento explica apenas em parte o crescimento do setor no Brasil. A própria história da empresa mostra como o setor de bebidas está sendo atacado pela transformação digital. Com paredes grafitadas e uma disposição de mesas de trabalho que não segue uma ordem hierárquica, o escritório da Evino, próximo da Avenida Paulista, em São Paulo, é mais parecido com o de uma startup do que com o que se poderia imaginar de uma importadora de algo tão tradicional como o vinho. Há televisores espalhados por todo o andar da companhia exibindo os acessos dos usuários a seu site em tempo real, a contabilidade das compras já efetuadas e as metas de receita para o dia. “Queremos desmitificar o mercado de vinho. Mostrar que é possível beber de maneiras muito diversas, mas sem termos a postura de sabe-tudo. Nossa meta é o vinho sem mimimi”, afirma Raussin, com um carregado sotaque francês.
Responsável pelas áreas de RH e marketing, Raussin divide a presidência da Evino com Marcos Leal, que cuida da parte de operações, e Ari Gorenstein, responsável pela descoberta de novos produtos. Entre os sócios está o fundo alemão Project A, do qual Raussin foi sócio antes de entrar para o dia a dia da empresa. A tática de gestão tem dado certo. Em 2017, a Evino faturou 144% mais do que no ano anterior, atingindo 265 milhões de reais em vendas. A meta para 2020 é alcançar um faturamento da ordem de 1 bilhão de reais. Parte do crescimento pode vir com uma expansão para mercados internacionais. “Queremos ser a empresa número 1 de vinhos para os mercados emergentes”, afirma Raussin.
Os dados expressivos foram obtidos com o foco em conseguir rótulos exclusivos e com a eliminação de intermediários, baixando o preço para o consumidor. Alguns vinhos chegam a passar por até três empresas diferentes até chegar à gôndola do supermercado. Além do imposto que é acrescido em cada etapa, cada um deles coloca uma margem sobre o produto — é por isso que era tão raro encontrar garrafas francesas de boa qualidade e baratas no país. Outro acerto da Evino, acreditam os sócios, foi apostar em promoções-relâmpago. Por exemplo: oferecer algo como seis garrafas de vinho da região de Bordeaux com um desconto de até 70%. Mais do que gerar receitas, as promoções desse tipo reduziram o custo da empresa com estoque. As garrafas importadas são nacionalizadas e começam a ser vendidas imediatamente. Um novo rótulo só entra na promoção depois que outro já foi vendido, o que pode ocorrer em até três dias. Atualmente, mais da metade das compras de vinhos da Evino são fechadas pelo smartphone. Ainda neste ano, a empresa espera contratar até 100 pessoas — hoje tem 300 funcionários. A maioria dos novos contratados irá para as áreas de operações, atendimento ao consumidor e tecnologia.
O desafio da Evino é, no entanto, a chegada de competidores parecidos — inclusive no nome. A Divvino segue pelo mesmo caminho das promoções-relâmpago, disponíveis por apenas 24 horas em seu site. Quem também pode bloquear a expansão da empresa são os supermercados, que começaram a cortar os intermediários e a realizar importações próprias de novos rótulos. A rede varejista Pão de Açúcar, por exemplo, está investindo na venda de kits de vinhos por meio de seu site. As promoções são personalizadas de acordo com o perfil do consumidor por meio de um aplicativo, o Pão de Açúcar Mais.
No Brasil, 26% dos consumidores de vinhos fazem suas compras pela internet, segundo uma pesquisa da consultoria Wine Intelligence. Trata-se da terceira maior proporção de vendas de vinho online do mundo, ficando atrás apenas de Reino Unido e China. É também muito mais do que a penetração do meio digital no varejo brasileiro como um todo — considerando desde eletroeletrônicos até roupas —, que está em 4%. Na China, o comércio eletrônico tem uma fatia geral de 22%; no Reino Unido, de 15%. Os vinhos levam uma vantagem sobre outros bens de consumo. “Os mercados de bebidas alcoólicas costumam ser mais resilientes às recessões. Nos Estados Unidos, principalmente os vinhos mais econômicos, tiveram altas taxas de crescimento após a crise de 2008”, afirma Rodrigo Lanari, presidente da consultoria Wine Intelligence no Brasil. “Por aqui aconteceu algo parecido. E já tínhamos algumas empresas online bem estabelecidas.”
Uma estratégia diferente tem a Grand Cru, que opera tanto no varejo físico quanto no digital. Seus rótulos são mais caros. A empresa vende vinhos que começam numa faixa média e vão até grandes marcas das regiões de Bordeaux e Borgonha. Mesmo assim, sua receita em 2017 cresceu 30%, para 200 milhões de reais. Embora a Grand Cru tenha 53 lojas — 34 delas são franquias —, a venda digital tem crescido de forma ainda mais acelerada, na ordem de três dígitos anual-mente. “Nossa vantagem é o multicanal. Levamos o mesmo padrão de atendimento a todos os pontos de contato com o cliente”, diz Luciano Kleiman, presidente da Grand Cru. Para ele, por meio da internet, o brasileiro está conhecendo — e consumindo — o vinho, sobretudo a geração Y, aqueles nascidos de 1980 até meados da década de 90. Mas, diferentemente da Evino, a Grand Cru não faz promoções-relâmpago na internet. “Não é difícil encontrar vinho barato no mundo. O difícil é encontrar uma boa proposta de custo-benefício que se encaixe em nosso padrão”, diz Kleiman.
O sucesso da venda online também chegou a empresas mais tradicionais. A Domno, importadora da Casa Valduga, produtora de espumantes no sul do Brasil, tem um varejo online multimarca desde o início de 2016. Embora não revele os números, esse foi o braço da Valduga que apresentou o maior crescimento em 2017, quando subiu 50% ante 2016. “Não podíamos ficar fora disso”, diz Jones Valduga, diretor comercial da Domno. Ele acaba de voltar de uma feira europeia, a maior do mundo na área de vinhos, onde fechou contratos para trazer vinhos de dez novos produtores. “O brasileiro está cada vez mais exigente, e por isso precisamos buscar continuamente novos rótulos”, afirma. Há aqui outra boa notícia: com paladar mais apurado, o consumidor brasileiro poderá começar a exigir mais dos produtores nacionais.