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Estão todos contra a Netflix. Isso é bom para o consumidor?

A plataforma de streaming deixou a TV por assinatura para trás nos EUA e vai pelo mesmo caminho no Brasil. Seu sucesso forçou operadoras a reagir

Cena de Roma, da Netflix: o primeiro filme da plataforma a concorrer ao Oscar mostra o poderio criativo da empresa, que já tem 139 milhões de assinantes no mundo (Netflix/Divulgação)

Cena de Roma, da Netflix: o primeiro filme da plataforma a concorrer ao Oscar mostra o poderio criativo da empresa, que já tem 139 milhões de assinantes no mundo (Netflix/Divulgação)

AJ

André Jankavski

Publicado em 31 de janeiro de 2019 às 05h52.

Última atualização em 31 de janeiro de 2019 às 05h52.

Se faltava um marco na impressionante trajetória da plataforma americana de streaming Netflix, não falta mais. Em janeiro, Roma, um filme produzido e lançado pela empresa, do diretor mexicano Alfonso Cuarón, foi indicado a dez prêmios Oscar, incluindo o de melhor filme. É a primeira vez que uma produção feita para streaming disputa o maior prêmio da indústria do cinema. E é mais um lembrete do poderio da empresa que surgiu como uma locadora de DVDs na virada do século e virou um gigante com 145 bilhões de dólares de valor de mercado.

A Netflix tem 139 milhões de assinantes no mundo e cresce a uma taxa anual na casa dos 30%. No início de 2017, ela superou o total de clientes da televisão a cabo no maior mercado do mundo, os Estados Unidos, com 51 milhões de assinantes versus 48 milhões das TVs. No Brasil, a história não é tão diferente. A consultoria britânica Ampere Analysis estima que a Netflix  fechou 2018 com 10 milhões de usuários no Brasil. Ainda não é o suficiente para ultrapassar os 21 milhões de clientes de TV a cabo, mas é o bastante para deixar para trás a líder do setor no país, a Claro Brasil, que engloba as marcas Net e Claro TV.

O sucesso da Netflix estimulou a entrada de novos participantes no mercado de streaming por aqui. Atualmente, no Brasil, além da Netflix, é possível assinar diversos aplicativos de conteúdo de vídeo sob demanda: Amazon Prime Video, Globo Play, Fox+, YouTube Premium, HBO Go, Esporte Interativo Plus e Watch ESPN, entre outros. A enxurrada veio bem num momento de crise financeira, quando mais famílias passaram a repensar gastos domésticos. Resultado: houve uma onda de transferência de clientes da televisão por assinatura, com pacotes mais caros, para o streaming.

A consultoria de pesquisa de mercado CVA Solutions ouviu mais de 7.000 pessoas que possuem um smartphone e descobriu que 15% dos assinantes da Netflix no -país cancelaram a assinatura de TV paga. “A Netflix chega aos que não tinham TV por assinatura e mostra para um perfil de cliente que o streaming pode ser o suficiente”, diz Sandro Cimatti, sócio da CVA Solutions. A mensalidade básica da Net é 49,99 reais, ante 19,90 da Netflix.

As operadoras tentam reagir enquanto há tempo. Um dos caminhos é responder na mesma moeda, com conteúdo próprio a fim de se diferenciar das concorrentes. Mas há uma jabuticaba no caminho: uma lei brasileira não permite que empresas de conteúdo sejam distribuidoras nem que as empresas de distribuição produzam conteúdo. Por causa da separação que impõe, a lei foi apelidada no setor de “Tratado de Tordesilhas”.

A questão está se tornando caso de disputa. No fim do ano passado, a Claro Brasil entrou com um questionamento na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre a estratégia de empresas como Fox e Esporte Interativo, produtores de conteúdo que estão oferecendo sua programação por meio de serviços sob demanda, ao estilo Netflix. Eles também ofertam a programação ao vivo, sem a necessidade da assinatura de um pacote de TV. Isso, na visão da Claro, é ilegal — a empresa, basicamente, quer que a lei mude para poder lançar seus próprios pacotes de conteúdo. A lei é o motivo para a Anatel não ter aprovado, em 2017, a fusão da AT&T, controladora da Sky, com a Time Warner, responsável por canais como Warner Channel, Cartoon Network e o próprio Esporte Interativo.

Se a legislação for alterada, a Claro investirá em conteúdo no Brasil, segundo declarações dadas por seu presidente, José Félix, na época da entrada do questionamento na Anatel. Esse caminho poderia ser percorrido também pela espanhola Telefónica, dona da Vivo no Brasil. A companhia já realizou parcerias com ligas esportivas como a NBA, de basquete americano, para a distribuição de conteúdo exclusivo no Brasil. Na Espanha, a operadora investiu 70 milhões de euros para produzir a série La Peste, que conta a história da epidemia de peste bubônica no século 16. A Telefónica também firmou uma parceria para integrar os serviços da Netflix a seus aparelhos. O lançamento da parceria ocorreu com uma propaganda simulando uma ligação entre Reed Hastings e José María Álvarez-Pallete López, presidentes da Netflix e da Telefónica, respectivamente. “Essas parcerias trarão uma melhor experiência para o cliente, que pode pagar a Netflix por meio da conta telefônica”, diz Márcio Fabbris, vice-presidente da Vivo.

A Oi foca na distribuição do streaming dentro de seus pacotes de telefonia. Para ter acesso aos conteúdos digitais de Fox, ESPN, HBO, Discovery Kids e ainda assistir a vídeos na Netflix sem utilizar dados da franquia, o cliente precisa assinar um plano de telefone pós-pago de 250 reais. “É uma tendência de médio e longo prazo aumentar a oferta de conteúdo junto com a banda larga”, diz Bernardo Winik, diretor de varejo e digital da Oi. “Essa mudança é influenciada por um comportamento geracional. Meus filhos não assistem mais TV.” Netflix e Sky não deram entrevista.

Funcionário da Net: a Claro, controladora da companhia, perdeu a liderança em assinantes de conteúdo pago para a Netflix | Luis Ushirobira

As empresas de conteúdo, por sua vez, investem em suas próprias plataformas de streaming. A Fox, cujo serviço é contestado pela Claro, cobra 35 reais ao mês por seu aplicativo, e não concorda que  seu avanço no mercado seja contra as regras nem que esteja afetando as empresas de TV paga. “Não rivalizamos com as operadoras, pois estamos atrás daqueles clientes que têm um smartphone e não querem ter um plano de televisão por assinatura”, afirma Michel Piestun, diretor-geral da Fox Brasil.

A Globo Play, serviço sob demanda da Globo, aposta no sucesso especialmente de novelas e séries. O produto que deve ser o grande diferencial, no entanto, é o Premiere Play. Por 79,90 reais, o cliente pode ter acesso a todas as partidas de futebol do Campeo-nato Brasileiro, que a Globo transmite com exclusividade, sem precisar ter uma assinatura de TV.  “A visão do Grupo Globo é que, a médio prazo, a área de streaming vai ser tão importante para as receitas quanto a TV Globo e a GloboSat”, diz João Mesquita, presidente da Globo Play.

A pergunta que fica é se essa evolução será boa para o consumidor. A fragmentação dos conteúdos em serviços diferentes acarretará preços tão elevados quanto uma assinatura de televisão a cabo. No Brasil, se uma pessoa quiser assistir a filmes e séries de sucesso como Roma (Netflix), Game of Thrones (HBO Go), The Office (Amazon Prime Video) e a partidas de futebol do Campeonato Brasileiro (Globo Play) precisará desembolsar, no mínimo, 155 reais por mês. Para completar, ainda é aguardada a estreia da Disney no segmento, prevista para este ano. A companhia trará desenhos e franquias de sucesso, como Star Wars. Opções e comodidade para ver a qualquer hora não vão faltar. A questão é ter dinheiro (e tempo) para dar conta de tanto conteúdo.

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