Revista Exame

Segredos de fundos hedge em Wall Street

Uma ampla investigação sobre informações privilegiadas coloca em foco os fundos hedge — mas será que eles têm culpa no cartório?

Bolsa de Nova York: a investigação sobre informações privilegiadas pode ter implicações na eficiência do mercado (Getty Images)

Bolsa de Nova York: a investigação sobre informações privilegiadas pode ter implicações na eficiência do mercado (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.

A expressão “informação privilegIada” entrou de vez para o vocabulário dos americanos médios em 2004, quando Martha Stewart, apresentadora de TV e dona de um negócio milionário ligado ao mundo dos afazeres domésticos, foi parar na cadeia. Em 2001, como milhares de outros americanos, ela era acionista da ImClone Systems, companhia de biotecnologia que buscava aprovação de um remédio promissor contra o câncer. Mas, ao contrário dos outros investidores, Martha Stewart soube com antecedência que o fundador da ImClone venderia as próprias ações. A apresentadora fez o mesmo.

No dia seguinte, o órgão que regula os medicamentos nos Estados Unidos anunciou que o Erbitux, a droga da ImClone, não seria nem sequer analisado. Graças às informações privilegiadas, Martha Stewart evitou perdas de cerca de 50 000 dólares. O crime a fez passar cinco meses na prisão, e outros cinco em casa, com monitoramento eletrônico. A sentença teve o objetivo de dar um exemplo: informação privilegiada é crime, que o diga a celebridade que evitou um prejuízo ridículo quando comparado à sua fortuna de centenas de milhões de dólares.

O episódio que envolveu Martha Stewart não foi o primeiro nem terá sido o último exemplo cristalino de uso de informação privilegiada para obter vantagens financeiras. Mas uma investigação abrangente em curso nos Estados Unidos, que envolve fundos de hedge, consultores, bancos de investimentos e fundos mútuos, está colocando em questão o que é, no fim das contas, uma informação privilegiada. No final de novembro, agentes do FBI, a polícia federal americana, realizaram buscas nos escritórios de três fundos de hedge, o que pode ter sido apenas o começo da maior ação ligada a informações privilegiadas da história do setor financeiro do país. Alguns dos fundos sob investigação são administrados por pessoas que trabalhavam para o fundo SAC, de Steven Cohen, um dos gestores mais conhecidos — e mais bem-sucedidos — de Wall Street. O que os investigadores querem saber é se essa gente graúda também estava se beneficiando de informações fora do alcance dos outros investidores.


“Especialistas”

A única prisão feita até agora foi a de Don Ching Trang Chu. Ele é funcionário da Primary Global Research, um tipo de empresa que está no centro das controvérsias. A Primary Global Research atua num segmento conhecido como “rede de especialistas”. Essas empresas fazem essencialmente um trabalho de pesquisa sobre companhias com ações em bolsa ou setores da economia. Chu era descrito no site da Primary Global Research como um veterano de 25 anos na indústria de telecomunicações e uma “ponte para especialistas na Ásia”. Para a polícia americana, porém, Chu vendia informações confidenciais e prometia inclusive conversas em canais eletrônicos secretos, fora do alcance dos investigadores.

“O pagamento por informações de fontes internas (das empresas) era uma prática estabelecida” de alguns fundos, disse Robert Khuzami, diretor da área de investigações da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão que regula os mercados americanos. As diferenças dessa nova onda para os casos mais prosaicos, como o da apresentadora Martha Stewart, são a extensão e a complexidade das redes de informações utilizadas pelos grandes investidores A competição entre os maiores fundos do mundo é cada vez mais acirrada, e a diferença entre bons retornos muitas vezes pode estar na qualidade das informações de que os gestores dispõem. Isso levou a uma multiplicação das empresas que se apresentam como “redes de especialistas”. Essas companhias surgiram nos anos 80, mas foi só na última década que o negócio cresceu. Agora, a suspeita é que algumas delas estejam vendendo algo que seja, essencialmente, ilegal.


A questão é determinar o que são informações ilegais, ou privilegiadas. Raj Rajaratnam, criador do fundo hedge Galleon, foi preso no fim do ano passado e liberado após pagar uma fiança de 100 milhões de dólares. Em sua defesa, ele alega que não fez nada além de sua obrigação como gestor de um fundo: pesquisou (e contratou pesquisadores) para tomar decisões bem informadas sobre seus investimentos. Saber de antemão informações sobre os números que serão anunciados publicamente sem dúvida é uma vantagem injusta perante os demais investidores. Mas e quem compra pesquisas de uma companhia que manda analistas para as portas de uma loja para tentar ter alguma medida de como vão as vendas? E o que dizer de um fundo que contrata uma “rede de especialistas” para ouvir de médicos opiniões técnicas sobre medicamentos que passam por processos de aprovação, por exemplo?

“Nossa equipe ficou plantada na porta de algumas lojas da Apple durante 7 horas tentando entender como foi o movimento da sexta-feira negra”, disse a EXAME um prestigiado analista do setor de tecnologia, que pediu anonimato (ele não está sob investigação). A sexta-feira negra, seguinte ao Dia de Ação de Graças, é uma data em que as lojas oferecem grandes descontos e serve de termômetro das vendas do Natal. “Usamos uma técnica conhecida como ‘mosaico’, ou seja, tentamos oferecer aos clientes a visão mais completa possível sobre determinada empresa. Usamos os dados públicos da companhia, mas também muitas informações colhidas dessa maneira menos convencional”, diz o analista.

Para os especialistas em regulamentação, a investigação em andamento pode ser um prenúncio de uma definição mais abrangente do que constitui informação privilegiada. Preet Bharara, o promotor que lidera as investigações, afirmou recentemente que “grassa” o uso de informações privilegiadas em Wall Street. Ele comparou os envolvidos nessa prática a atletas que usam substâncias ilegais para obter um desempenho acima de seus competidores e cunhou o termo “anabolizantes financeiros”. Embora a investigação também inclua bancos de investimento e empresas de análise, o alvo claro são os fundos hedge. Eles estão submetidos a pouca regulamentação em comparação com fundos tradicionais. Não precisam apresentar relatórios trimestrais de resultados, revelar suas posições ou se submeter a restrições quando fazem apostas arriscadas. Os fundos hedge, assim, poderiam atuar mais ou menos à vontade, desprezando as leis que se aplicam aos demais investidores.


Mas há quem diga que essa investigação pode ir longe demais — a ponto  de prejudicar o bom funcionamento do mercado. A essência dos fundos hedge é fazer dois tipos de aposta: positivas e negativas. Assim como compram ações (ou moedas, ou títulos) na expectativa de que elas subam, eles também fazem negociações com empresas que acreditam estar sobrevalorizadas. Se eles chegam a essa conclusão por esforço próprio, isso teria o efeito benéfico de ajudar a regular o mercado. Conter a busca perene dos grandes investidores por mais informações pode ser um perigo, escreveu em seu blog Stephen Bainbridge, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles. “Perseguir o trabalho dessas redes de especialistas pode jogar um balde de água fria numa atividade legítima, que torna os mercados mais eficientes.”

“Se você me perguntar se é preferível processar quem usa informações privilegiadas ou atuar na contenção de riscos sistêmicos, eu diria que a segunda opção é muito, mas muito mais importante”, disse a EXAME Sebastian Mallaby, diretor do Conselho de Relações Internacionais e autor de More Money Than God (“Mais dinheiro que Deus”, numa tradução livre), um livro sobre a história dos fundos hedge. “Estamos vendo o custo das crises financeiras para os cidadãos. Vimos nos Estados Unidos, estamos vendo agora na Europa.” Mallaby sugere que os fundos hedge representam um fator de equilíbrio importante nos mercados pois, ao contrário dos grandes bancos, nenhum deles é grande demais para falir.

E, a propósito, argumenta Mallaby, as perdas dos fundos hedge durante a crise de 2009 foram muito menores que as dos grandes bancos — porque eles são bons em entender e gerenciar riscos. A investigação em curso deve ter desdobramentos, mas o principal objetivo das ações tomadas até agora parece ter sido alcançado: colocar medo em gente graúda. Analistas ouvidos por EXAME afirmam que o tom das conversas tem sido mais reservado, e muitos temem estar falando em telefones grampeados. Resta saber se não é o próprio mercado que vai sair perdendo, no fim das contas.

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