Revista Exame

O software que lê pensamento nas lojas online

As ferramentas de recomendação personalizada ajudaram a aumentar as vendas das maiores lojas virtuais do mundo — agora, elas chegam ao Brasil

Marcílio Pousada, da Saraiva: total de clientes que compram a cada visita subiu 40% (Germando Lüders)

Marcílio Pousada, da Saraiva: total de clientes que compram a cada visita subiu 40% (Germando Lüders)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Em um ramo de negócio jovem como o comércio eletrônico, é de esperar que exista pouco lugar para verdades universais. Um dos raros candidatos a exceção, porém, é o mantra “uma loja por cliente”, cunhado no final dos anos 90 por Jeff Bezos, presidente e fundador da Amazon. A experiência do consumidor em sites de comércio eletrônico, na cabeça de Bezos, tinha de ser diferente de uma visita à loja da esquina — e nisso ele apostou tudo. Mais de uma década depois, já líder no comércio eletrônico mundial, pode-se dizer que a Amazon encontrou esse algo mais. Se no início a ideia de personalizar a experiência de fazer compras online representou uma vantagem competitiva para a companhia, logo ela se tornou algo desejado por grandes lojas virtuais de todo o mundo. Mas como fazer isso?

O comércio eletrônico brasileiro é um setor que cresce como poucos. Em 2009, seu faturamento bateu em 10,6 bilhões de reais, um incremento de 33% em relação ao ano anterior. Mas, diferentemente dos mercados maduros, o crescimento das vendas online se dá principalmente pelo aumento da base de clientes. Não por acaso, 33% foi também o crescimento do número de consumidores em 2009, que passou para 17,6 milhões. Atrair novas audiências, portanto, tem sido a principal estratégia das lojas virtuais brasileiras. “O mercado crescia de forma tão galopante que não era necessário se preocupar em sofisticar as operações”, diz Pedro Guasti, diretor-geral da e-bit, empresa brasileira de pesquisas em comércio eletrônico. Mas crescer apenas sobre o aumento da base, como se sabe, não é sustentável para sempre. Aos poucos, algo começa a mudar no comércio eletrônico brasileiro — em especial pela chegada ao país de empresas especializadas em softwares de recomendação personalizada de produtos.


A Livraria Saraiva é uma das primeiras lojas virtuais do país a investir nesse tipo de ferramenta. Depois de seis meses de testes, um sistema de recomendação de filmes entrou em operação em outubro. Em poucos dias, a taxa de conversão — índice que mede quantos visitantes do site fizeram uma compra antes de sair da loja virtual — cresceu 40%. O tíquete médio, a conta de quanto um usuário gasta no site, também aumentou. “Foi tão positivo que planejamos, até o final deste ano, estender o sistema aos livros e, no ano que vem, aos demais produtos”, diz o presidente da Saraiva, Marcílio Pousada. Como a Saraiva alcançou esses resultados? A simplicidade da operação pelo lado do usuário esconde um processo complexo. Grosso modo, a análise ocorre em duas etapas. Na primeira delas, o sistema se concentra em identificar padrões a partir de dados de consumidores, de produtos e da relação entre eles. Por meio de cálculos matemáticos, os algoritmos podem identificar, por exemplo, um elevado número de vendas de filmes de comédia romântica durante o inverno para mulheres de 30 anos da classe B. Suponha que isso seja identificado como um padrão. Em uma segunda etapa, e com base nesse tipo de informação, o sistema recomenda produtos considerados de alto potencial de venda a públicos específicos. É aí que, considerando a hipótese acima, consumidoras da classe B começam a ver brotar em suas telas recomendações de filmes com Julia Roberts, por exemplo. Há casos em que a recomendação não é tão óbvia. É quando entra em jogo o truque de surpreender o usuário com sugestões aparentemente sem sentido, mas explicadas pela matemática — e justificadas, mais tarde, pelas altas taxas de conversão de vendas.


Por trás das engrenagens do sistema usado pela Saraiva está a Chaordic, startup catarinense fundada no fim de 2008 por dois estudantes de mestrado da Universidade Federal de Santa Catarina. Tudo começou em 2007, quando João Bernartt e João Pereira Filho participaram de um concurso lançado pela americana Netflix, uma locadora online. A Netflix é uma das responsáveis pela derrocada da Blockbuster, e um dos motivos é seu algoritmo de recomendação de filmes. Além de prestar um melhor serviço aos clientes, o software ajuda a rentabilizar filmes que poderiam ficar esquecidos entre as dezenas de milhares de títulos de seu arquivo. A inteligência do sistema da Netflix é tão importante para o negócio que em 2006 a empresa lançou um desafio aberto a programadores de todo o mundo: quem conseguisse melhorar a performance do sistema em 10% levaria um prêmio de 1 milhão de dólares.

Quando os avanços do grupo de Bernartt e Pereira Filho começaram a se destacar na competição, os dois foram convencidos por amigos a escrever um projeto e concorrer a bolsas de pesquisas. Os pedidos viraram um plano de negócios; a experiência, uma nova empresa. (Até desistir, a dupla se manteve entre os 100 primeiros colocados do concurso da Netflix, entre 40 000 participantes.) A Chaordic já nasceu com 1 milhão de reais em caixa, oriundos de financiamentos públicos. Mas talvez o dinheiro nem fosse necessário. A ideia logo chamou a atenção de investidores, e com um ano de vida a empresa recebeu aporte do fundo brasileiro DLM Investimentos, que adquiriu 20% de participação. “O negócio deslanchou muito mais rápido do que poderíamos imaginar”, diz Bernartt. “Nossa expectativa é ter cerca de 50 clientes até o fim do ano que vem.”


Chamando a atenção

A chegada de empresas como a Chaordic é um sinal de que o comércio eletrônico brasileiro começa a se sofisticar. Em 1999, a Amazon pagou cerca de 250 milhões de dólares pela Alexa Internet, empresa fundada três anos antes em Chicago para coletar dados de navegação e entender o comportamento de compra dos usuários. Desde 2008, os sistemas de recomendação são responsáveis por mais de 35% das vendas da Amazon. Enquanto a taxa média de conversão dos sites americanos é inferior a 3%, a companhia registra 16,5%. A título de comparação, a taxa de conversão dos sites brasileiros é de apenas 1,6%. A Netshoes, empresa de Curitiba que vende artigos esportivos pela internet, usa um sistema desenvolvido pela companhia americana Baynote. Hoje, 70% dos compradores do site clicam em algum item sugerido durante suas visitas. Outro benefício associado aos sistemas de recomendação é o aumento geral do tíquete médio dos sites. Há casos em que lojas virtuais passaram a realizar vendas 33% maiores.

Em outra prova de que sistemas de recomendação viraram negócio sério por aqui, o BuscaPé, um dos maiores grupos de internet do país, dono de empresas que orbitam em torno do comércio eletrônico, anunciou no mês passado a aquisição de 75% da eBehavior, empresa curitibana de marketing comportamental de apenas dez meses de vida. A intenção é usar o sistema de recomendação para aprimorar os serviços próprios e para vender o software ao mercado, aliando informações da base de dados dos sites do BuscaPé, acumulada ao longo de dez anos. “É um modelo diferente dos outros, inclusive dos oferecidos fora do Brasil”, diz Romero Rodrigues, presidente do BuscaPé. Por isso, nada de sustos se um site recomendar aquele CD que você estava pensando em comprar. Não é magia. É tecnologia.

Acompanhe tudo sobre:AmazonComércioe-commerceEdição 0980EmpresasEmpresas americanasEmpresas de internetInternetLivrariaslojas-onlineSaraivaServiços onlineVarejo

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025