José Isaac Peres: “No final, é o detalhe bem-feito que faz a diferença para o sucesso do negócio” (Leo Martins//Agência O Globo)
Lucas Amorim
Publicado em 1 de agosto de 2019 às 05h44.
Última atualização em 1 de agosto de 2019 às 11h01.
Aos 79 anos, o empresário José Isaac Peres, dono da maior empresa de shoppings do Brasil, a Multiplan, tem uma estratégia incomum para encarar o avanço do comércio eletrônico: ele não usa computador e dá pouca bola para o smartphone. “O celular virou um problema social. A vida continua acontecendo fora dele”, diz. Peres comanda um grupo com 45 anos de história e 20 shoppings em atividade.
A Multiplan alcançou em julho o maior valor de mercado de sua história, na casa dos 16 bilhões de reais, mesmo com o crescimento do delivery e com a renitente crise econômica dos últimos anos. Em 2018, o lucro da companhia avançou 28%, e a receita cresceu 7%.
Para Peres, shoppings com comércio, serviço e entretenimento diversificados continuarão cada vez mais importantes. Seus empreendimentos também estão incorporando áreas verdes a essa equação.
Por via das dúvidas, a Multiplan virou em abril sócia de um serviço de entregas, o Delivery Center, junto com a concorrente BR Malls. “É mais uma alavanca para nosso negócio”, diz Peres. O empresário falou a EXAME sobre delivery, comércio eletrônico e a importância de cuidar dos detalhes.
Nos Estados Unidos, o comércio eletrônico fez milhares de shoppings fechar. O mesmo vai acontecer aqui?
Há três anos, diante dessa falácia de que o e-commerce vai matar os shoppings, contratamos consultores internacionais para mapear o tamanho da ameaça no Brasil. Eles visitaram nossos shoppings e disseram que, se os Estados Unidos tivessem feito o que fizemos, não estariam em crise.
Temos lazer, restaurantes, ambiente, cinemas, academias. A academia não paga nada e gasta um espaço enorme, mas faz sentido para nós. Também oferecemos segurança. É triste ter de falar isso, mas é uma realidade no Brasil, e não é de hoje. O shopping center virou um oásis em meio ao caos urbano.
Mas as novas plataformas não vão tirar público dos shoppings?
Quando a turma do e-commerce diz que eles são o futuro e que tudo será por entrega, eu respondo que vivemos no mundo real. Até o mundo virtual agora quer comprar o real. A Amazon comprou o Whole Foods [rede de supermercados] e quer entrar nas cidades.
Os humanos precisam do contato humano, e é assim há 50 .000 anos. Os shoppings são áreas de convergência e interatividade. Nós investimos no Delivery Center [empresa de entregas], mas para prestar um serviço ao nosso consumidor, que vai continuar visitando o shopping e as lojas. A diferença é que agora ele pode saber, na entrada, as dez lojas que oferecem modelos de bolsas pretas para vender.
Quase 150 shoppings foram abertos no Brasil entre 2011 e 2017. O país tem shoppings demais?
O Brasil tem 5 000 cidades e 200 delas podem ter shoppings. Esse progresso tem de ser proporcional. O setor vai continuar crescendo cada vez mais combinado com outras atividades. O mercado americano tem 10 .000 shoppings. O Brasil tem apenas 500.
Alguns não vão sobreviver, mas há muito espaço, sobretudo para empreendimentos que gosto de chamar de “fortalezas”. São shoppings como o Morumbi, que recebe 19 milhões de pessoas por ano e é muito mais do que um lugar para comprar camisa, sapato, comida.
A Multiplan tem 45 anos de atuação. Os shoppings mudaram muito de lá para cá?
Vamos nos adaptando ao tempo. Agora adotamos uma política de colocar o verde dentro do shopping. A combinação de diversão, comércio e natureza é muito interessante. Em Canoas, no Rio Grande do Sul, pegamos parte de um parque para integrar ao shopping, e vamos continuar levando esse conceito às novas unidades.
A decisão de construir um shopping mira um horizonte de longo prazo. Como traçar um plano de médio e longo prazo num país como o Brasil?
Sempre vivi com crises, e no Brasil, se você der bola para a crise, nunca fará nada. Sempre vai haver crise. Nem todo o país está em crise e há sempre oportunidades para ser exploradas. O bairro [carioca] de Jacarepaguá tem 600.000 habitantes, por exemplo, e não tem comércio, não tem serviço. Estamos construindo um shopping lá.
É como vender água no deserto. Quanto vale um copo d’água no deserto? Estou levando prosperidade e modernidade a Jacarepaguá. Eu sou um empresário que faz as coisas acontecer. Um empresário que vive de oportunidade vence sem glória.
Eu crio minhas oportunidades. Para ter sucesso, preciso agradar ao Estado, à sociedade, às pessoas, ao comprador. No final, fico com um lucro residual, apesar de o grupo valer bilhões.
Como o senhor alia a visão de longo prazo às constantes cobranças de uma empresa com capital aberto na bolsa?
Sempre digo que sucesso é mais importante do que dinheiro. Dinheiro é uma consequência. Comecei com essa visão antes de meu primeiro shopping, quando lançava edifícios. As pessoas que compravam rápido e que recebiam uma coisa melhor do que o que esperavam achavam que tinham feito um bom negócio.
Ganhávamos juntos. Esse impulso de tornar as pessoas mais felizes se transmitiu aos shoppings. O segredo do sucesso é fazer bem-feito. Porque, quando você põe o sentimento naquilo que faz, presta atenção nos detalhes. E no final é o detalhe que faz a diferença.
À distância, todos somos iguais. Essa é a filosofia que aplico em meus empreendimentos. Ninguém vive sem prazer. O mundo está cada vez mais difícil, com tempo cada vez mais escasso.