Revista Exame

Ajuste fiscal não é suficiente no longo prazo, diz Gray Newman

Para o economista americano, a aprovação de medidas fiscais não pode tirar o senso de urgência das outras reformas

 (Tamires Kopp)

(Tamires Kopp)

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Da Redação

Publicado em 24 de outubro de 2016 às 05h55.

Última atualização em 24 de outubro de 2016 às 05h55.

São Paulo – O economista americano Gray Newman dirigiu a área de pesquisas sobre a América Latina do banco Morgan Stanley durante 14 anos. Em 2002, Newman foi o primeiro analista internacional a prever que a política econômica da era Lula seria ortodoxa e que o mercado exagerava ao tirar investimentos do Brasil. Em 2014, aposentou-se e virou professor na Universidade Colúmbia, em Nova York. Na entrevista a seguir, ele mantém a tradição de ser uma voz dissonante da média dos analistas e critica o que considera um foco excessivo nos problemas fiscais do Brasil.

Revista EXAME: Há investidores otimistas com as medidas de ajuste fiscal que o Brasil está adotando. O senhor compartilha desse otimismo?

Gray Newman: Há uma diferença entre otimismo no curto e no médio prazo. Entendo o otimismo no curto prazo porque o controle dos gastos e a reforma da Previdência podem reverter o quadro de deterioração fiscal. Mas, quando se trata de medidas para melhorar as perspectivas do Brasil a médio e a longo prazo, ainda há um grande ponto de interrogação. A questão fiscal é um problema para o Brasil hoje e as medidas que estão sendo adotadas são impactantes, mas não são suficientes para trazer um crescimento sustentado.

Revista EXAME: Mas essas medidas não são o ponto de partida para uma retomada?

Gray Newman: Podem ser. Mas por que o Brasil está onde está hoje? É sabido que o país elevou o gasto público numa proporção maior que a do crescimento da riqueza. E esse não foi um problema dos últimos cinco ou dez anos, mas dos últimos 25 anos.

Esse diagnóstico, que chamo de fiscalista, argumenta que o descompasso entre expansão da economia e do gasto público não era sustentável, mas foi escondido por diversos “bônus” de que o Brasil se beneficiou: o demográfico, o da entrada de mulheres no mercado de trabalho, o da formalização e o da estabilização macroeconômica. Eles serviram de fontes de arrecadação para financiar um Estado grande. Mas isso acabou e aí veio a crise. Por essa lógica, se o nó fiscal for solucionado, o problema de crescimento estará resolvido. Para mim, essa é uma leitura equivocada da história econômica recente do Brasil.

Revista EXAME: Qual é sua leitura?

Gray Newman: Minha hipótese é que o aumento de gasto público no Brasil é uma resposta ao fato de o crescimento da economia ter estagnado nos anos 80. Portanto, há algo errado com o modelo de crescimento do Brasil. O país carecia e continua carecendo de melhorias em capital humano, de investimentos em infraestrutura e de uma reforma tributária.

O problema não era tanto de carência de demanda quanto era de baixa qualidade na oferta. Aumentar o tamanho do Estado foi a resposta errada a esses problemas. E as reformas fiscais tampouco ajudam a melhorar a oferta ou a descobrir qual é o modelo ideal.

Revista EXAME: Mas as reformas não devem trazer crescimento no curto prazo?

Gray Newman: Com certeza. O desarranjo fiscal atrapalhou o crescimento do Brasil. As mudanças (teto de gastos públicos e reforma da Previdência) podem afetar a dinâmica da dívida e a taxa de juro. Imagino uma espiral positiva, com a entrada de investimento externo e melhores notas nas agências de risco. Isso pode gerar um crescimento modesto. A grande questão está no que vai ocorrer no resto do mundo.

A espiral positiva pode não ser suficiente dependendo do que houver na economia da China e nos países desenvolvidos. Além disso, um pequeno impulso de crescimento no Brasil após as reformas iniciais pode ser preocupante. O meu medo é que estímulos de curto prazo façam os políticos brasileiros relaxar e abandonar as reformas que exigem capital político. O maior risco é a animação virar complacência.

Revista EXAME: Como evitar essa complacência?

Gray Newman: Seria preciso pôr as reformas num contexto em que a prioridade é atacar os problemas principais do Brasil: capital humano, infraestrutura e estruturas regulatória e tributária. A reforma fiscal tinha de ser explicada como tentativa de liberar recursos para permitir investimentos nessas áreas críticas.

Revista EXAME: Os críticos do ajuste se preocupam com a perspectiva de congelamento dos gastos de saúde e educação...

Gray Newman: O teto de gastos não pode existir sem que haja uma reforma da Previdência. Eles andam juntos. E isso não é um erro de desenho de política. É uma sequência estabelecida propositalmente. Com a aprovação do teto de gastos, será impensável o Congresso não aprovar uma reforma da Previdência. O risco de não haver crescimento real de gastos sociais no orçamento não me preocupa, pois a reforma da Previdência diminuirá gastos com aposentados e esses recursos irão para outras áreas.

Revista EXAME: A expectativa do governo é atrair investimentos para infraestrutura com a imagem de responsabilidade fiscal. Concorda com essa estratégia?

Gray Newman: Por que a Dilma não teve sucesso em atrair investidores para a infraestrutura? Uma das visões correntes é que sua política industrial hiperativa deixou investidores desconfortáveis porque eles viam que os custos podiam subir aleatoriamente, como no caso do setor energético. Conheci investidores estrangeiros que poderiam investir em ativos de infraestrutura no país, mas diziam não querer.

Eles não confiavam em colocar dinheiro em um projeto de 20 anos sem conseguir prever o que ocorreria em 20 meses em termos regulatórios. Talvez o presidente Temer tenha mais sucesso. Mas será que, mesmo com medidas corretas, ele conseguirá mostrar aos investidores que os próximos governos seguirão sua linha? Acho difícil. Outra questão é o fato de executivos das maiores construtoras estarem na cadeia. Essas empresas serão necessárias para os investimentos saírem do papel. Há um limite para o que o país pode conseguir no exterior.

Revista EXAME: Em 2002, o senhor apostou no Brasil contra a corrente de pessimismo com a chegada de Lula ao poder. Agora apostaria de novo?

Gray Newman: Eu nunca disse para investidores comprarem ou não ativos no Brasil. Nem poderia. O problema do Brasil está no modelo de crescimento errado. Em 2010, quando os investidores estavam empolgados com o país, eu dizia que a a economia ia bater em uma parede em breve. O Brasil não tomou as providências adequadas para aumentar a produtividade e aguentar o impacto do real supervalorizado no setor produtivo.

Meus clientes me ligavam em 2010 entusiasmados, dizendo que os brasileiros não paravam de consumir, seja nos shoppings de São Paulo, seja nos bistrôs de Paris. Minha resposta era a que o brasileiro nunca havia convivido com um real com tamanho poder de compra. Mas, em meados de 2010, a produção industrial estava estagnada. Hoje, o principal problema não é só controlar o gasto público. Se a equipe econômica do governo não mostrar que compreende a necessidade de ir além do fiscal, o otimismo terá vida curta.

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