A Blue Zone, na COP27: a presença empresarial nos pavilhões da conferência superava a de entidades não governamentais (Leandro Fonseca/Exame)
Rodrigo Caetano
Publicado em 15 de dezembro de 2022 às 06h00.
O balneário de Sharm el-Sheikh, no Egito, fica quase na África. A cidade, planejada como um complexo de resorts e hotéis de veraneio, é localizada no Mar Vermelho, entre os golfos de Suez e de Aqaba, bem na divisa entre os continentes asiático e africano, mas do lado médio-oriental, ou seja, na Ásia. Isso não impediu que a COP27, realizada em novembro no destino turístico, fosse considerada a primeira conferência na África — afinal, a maior parte do Egito está no continente africano.
Essa não foi a única incongruência do encontro climático. A conclusão da conferência foi celebrada por um acordo, assinado por todas as partes (os países que fazem parte do Acordo de Paris), que cria um fundo para financiar medidas de adaptação e resiliência contra eventos climáticos extremos em países pobres, um mecanismo conhecido entre os participantes das COPs como perdas e danos. É uma boa notícia, porém até o momento não há dinheiro para colocar na conta.
A questão do financiamento da transição para uma economia de baixo carbono foi a grande pauta das duas últimas COPs e, provavelmente, será da próxima, a ser realizada em dezembro de 2023 nos Emirados Árabes Unidos. A discussão gira em torno de quanto os países ricos, que são os maiores emissores historicamente, desembolsarão para financiar as medidas de adaptação nos países em desenvolvimento. A lógica para essa transferência de recursos não é a da ajuda, mas a da indenização, uma vez que os países ricos atingiram o atual nível econômico à custa da destruição das próprias florestas. Ou seja, o mundo precisa que os países em desenvolvimento mantenham sua biodiversidade intacta, mas isso não pode ser obtido à custa do bem-estar da população. Portanto, é justo que aqueles que mais destruíram a natureza até o momento paguem a quem não o fez, ou fez menos.
Chegar a um valor, no entanto, é difícil. Na COP15, em Copenhagen, houve um compromisso de transferir 30 bilhões ao ano a partir de 2020, mas a cifra não tem sido honrada ultimamente. “O progresso é lento, mas ele acontece”, pondera Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil, braço das Nações Unidas que congrega o setor privado. “A COP é o momento em que as discussões, que acontecem o ano todo, chegam ao ápice, e muita coisa é decidida nos bastidores.” Apesar de lento, o avanço tem sido constante, e a criação do fundo de perdas e danos, mesmo sem dinheiro, é um indicativo de que na COP28 algo mais significativo pode ser anunciado.
Se o progresso no âmbito da diplomacia é lento, no setor privado o ritmo vem acelerando. “Com as crises geradas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, quem vem puxando a agenda climática são as empresas”, disse à EXAME uma negociadora brasileira, frustrada por causa da falta de decisão dos governos. Nos hotéis mais badalados de Sharm el-Sheikh, os eventos corporativos eram diários, e na chamada “Blue Zone”, onde se encontram os pavilhões dos países e os estandes da sociedade civil, a presença empresarial superava a de organizações não governamentais. A sensação é de que a COP se tornou uma feira de negócios, uma espécie de Davos da economia real.
E a inovação acontece. Ana Cabral-Gardner, CEO da mineradora Sigma Lithium, por exemplo, levou para a COP27 o case de como, na COP26, ela e sua equipe desenvolveram um sistema de cisternas que tem o potencial de acabar com a seca no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, onde a empresa que fundou, com sede no Canadá, trabalha em um projeto de mineração sustentável de lítio. “Nós vimos uma palestra em Glasgow [onde foi realizada a COP26] e, na hora, já nos reunimos com o pessoal e desenhamos, num guardanapo, o esboço do projeto”, conta a empresária brasileira. “Um ano depois, estamos aqui apresentando os primeiros resultados. Só num lugar desses, onde você encontra todo tipo de pessoa, é possível fazer uma coisa dessas.”