Revista Exame

O que a SXSW deste ano nos ensina sobre uso de inteligência artificial com clientes

O uso da IA em processos relacionados à interação com o cliente vem ganhando um salto em eficiência como nunca visto

ChatGPT, da OpenAI: chatbot é capaz de criar conteúdo próprio e até analisar sentimentos (NurPhoto/Getty Images)

ChatGPT, da OpenAI: chatbot é capaz de criar conteúdo próprio e até analisar sentimentos (NurPhoto/Getty Images)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 26 de abril de 2023 às 06h00.

Na edição deste ano do South by Southwest (SXSW), maior evento de inovação do mundo, o tema inteligência artificial ecoou na maioria das conferências. E não era para menos. Indiscutivelmente, o assunto do momento ­— a IA — está remodelando experiências em toda parte, de atividades do dia a dia a operações de grandes empresas.

Para os negócios, o diretor da área de inteligência artificial da Deloitte Con­sulting, Nitin Mittal, compara a chegada­ da IA com a Revolução Industrial. “Assim como a máquina a vapor mecanizou a produção de energia humana, a inteligência artificial está mecanizando a produção cognitiva”, declarou ao jornal inglês The Wall Street Journal.

A analogia não é exagero. Principalmente depois da IA generativa, que ficou mais conhecida no fim de 2022 com o lançamento do ChatGPT, chatbot da empresa americana de pesquisa ­OpenAI. Diferentemente da IA tradicional, que classifica e analisa dados existentes, esse modelo é capaz de criar conteúdo próprio (textos, imagens, áudios, vídeos, códigos), responder a perguntas, fazer resumos e até analisar sentimentos, com linguagem bastante semelhante à humana. 

Um estudo global da PwC aponta a inteligência artificial como a principal fonte de transformação, disrupção e vantagem competitiva na economia em constante mudança de hoje. A estimativa é que ela contribua com até 15,7 trilhões de dólares para a economia mundial em 2030, dos quais 6,6 trilhões virão do aumento da produtividade nas empresas; e 9,1 trilhões de dólares, dos efeitos sobre o consumo.

Líderes empresariais de todo o mundo já enxergam esse potencial e estão adotando recursos de IA. A última Pesquisa Global McKinsey sobre o tema mostrou que a adoção de inteligência artificial nas empresas mais do que dobrou nos últimos cinco anos. Em 2017, 20% dos entrevistados relataram implementar IA em pelo menos uma área do negócio; no fim de 2022, esse índice já era de 50%. 

Conexão com o cliente

Os setores em que as empresas veem o valor da inteligência artificial também estão evoluindo, segundo o levantamento da McKinsey: enquanto em 2018 manufatura e risco predominavam, hoje os maiores efeitos relatados estão em departamentos diretamente ligados à gestão do relacionamento com o cliente (CRM), como marketing, vendas e atendimento. “Os ganhos nessas áreas são extraordinários”, afirma o professor Hugo Tadeu, diretor do núcleo de inovação e empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC). “Pensar em um processo de atendimento ao cliente analógico hoje parece até estranho, quando as oportunidades para desenhar jornadas do cliente, levantar dados, testar hipóteses, adotar precificação dinâmica e pensar em produtos aderentes ao perfil do consumidor são temas da pauta digital”, acrescenta.

Kevin Kelly, fundador da Wired, no SXSW 2023: para ele, as máquinas podem ser usadas para potencializar a produtividade (Jason Bollenbacher/Getty Images)

Na Kraft Heinz, por exemplo, 90% das dúvidas de SAC já são resolvidas via Whats­App com ajuda de inteligência artificial. Com um bot que é retroalimentado com as perguntas das pessoas usando machine learning, a empresa tem visto uma melhora considerável na satisfação do cliente. Entre as funções do canal estão um serviço de recomendação de hamburguerias próximas por geolocalização, e vídeos ensinando a fazer hambúrguer em casa. É possível, ainda, comprar a lista de ingredientes da receita com um clique, ir direto para o e-commerce da Heinz e tirar dúvidas sobre os produtos. “Começamos a usar intencionalmente inteligência nos processos de marketing em 2022, e estamos constantemente avaliando como melhorar a experiência do consumidor”, diz Cecília Alexandre, diretora de marketing da Kraft Heinz. 

Como resultado desses esforços, outra novidade baseada em IA é uma skill proprietária na Alexa. Basta o usuário dizer “abrir assistente Heinz” para pedir dicas de hamburguerias parceiras, receber o endereço do estabelecimento escolhido por SMS, colocar produtos Heinz na lista online de compras, ou ainda se divertir com um quiz sobre cinema enquanto o sanduíche não chega. Em menos de três meses, mais de 3.000 pessoas acessaram o assistente de voz, com um tempo médio de interação de 5 minutos, acima da média, que é de 2 a 3 minutos, segundo Cecília Alexandre. “Com essa experiência na Alexa, tivemos a intenção de digitalizar e humanizar a interação do consumidor com a marca, em complementação aos canais tradicionais. O próximo passo é usar a massa de informação gerada nessas plataformas e em todo o ecossistema da Heinz para criarmos melhores experiências, que vão desde produto e atendimento até ações de marketing”, afirma a CMO.

A empresa lançou ainda um serviço gratuito de conexão Wi-Fi usando IA nas principais lojas da rede Bullguer em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Além de dar acesso à internet, a solução envia ofertas personalizadas da marca aos usuários. Para colocar em prática essas e outras ações, o investimento em IA na Heinz foi triplicado na comparação com o ano passado — não só em ferramentas mas também em pessoas. Uma parte do time que trabalha na área, inclusive, esteve no Texas, no SXSW, buscando soluções e novidades para evoluir no tema. “Nosso foco atual é abastecer a companhia com dados proprietários para que os modelos de informação gerados por IA, independentemente do propósito ou da ferramenta, tenham a maior acuracidade possível na criação e na tomada de decisão”, diz Cecília Alexandre. 

Inteligência artificial generativa para CRM

Com a chegada da inteligência artificial generativa, oportunidades nunca possíveis antes estão se abrindo também para a produtividade das áreas ligadas ao relacionamento com clientes. Isso inclui principalmente a automação de tarefas rotineiras e repetitivas, otimizando a rotina dos colaboradores e permitindo que eles se dediquem a atividades de maior valor agregado. 

Nas previsões da Gartner, até 2025, 30% das mensagens de marketing enviadas por grandes organizações, por exemplo, serão geradas sinteticamente, ante menos de 2% hoje. Ferramentas para esse salto já existem: em março, a Salesforce apresentou o Einstein GPT, primeira tecnologia de inteligência artificial generativa para CRM do mundo. Com a plataforma, o setor de vendas poderá realizar tarefas automaticamente, como redigir e-mails, agendar reuniões e preparar a próxima interação. No marketing, será possível entender melhor o comportamento do consumidor e produzir de forma mais ágil conteúdo personalizado para envolver clientes potenciais por e-mail, celular, web e publicidade. Já na área de atendimento, respostas individualizadas de bate-papo poderão ser elaboradas rapidamente, aumentando a satisfação do cliente. 

“O anúncio do Einstein GPT foi um grande marco para a Salesforce. Foi lançado em um momento em que diversas mudanças tecnológicas estão acontecendo, sendo a IA generativa possivelmente a principal. Com a solução, planejamos transformar a experiência de cada cliente. E todas as funções da tecnologia são pensadas para uma maior eficiência de processos, sendo um suporte aos colaboradores”, comenta Lucimary Henrique, vice-presidente regional da Salesforce.

A plataforma combina modelos de IA proprietários da companhia com tecnologia de IA generativa de um ecossistema de parceiros e dados do Salesforce Data Cloud, que unifica todas as informações de uma empresa. Será possível conectar esses insights aos modelos avançados prontos para uso da OpenAI, criadora do ChatGPT, ou escolher seu próprio modelo externo. “Estamos entusiasmados em aplicar o poder da tecnologia da OpenAI­ ao CRM. Isso possibilitará que mais pessoas se beneficiem dessa tecnologia e nos permitirá aprender mais sobre o uso no mundo real, o que é fundamental para o desenvolvimento responsável e a implantação da IA”, comenta Sam ­Altman, CEO da OpenAI. 

Começar pequeno, mas pensar grande

Apesar de o valor da inteligência artificial ser agora inquestionável, a questão é a melhor maneira de usá-la. Os especialistas são unânimes em dizer que cada empresa tem uma jornada única de aplicação da IA, de acordo com as oportunidades identificadas de impulsionar valor. “Não pode ser mais um gadget, tem de ser um serviço que faça sentido”, frisa Cecília Alexandre, da Kraft Heinz. 

A diretora executiva do Deloitte AI Institute, Beena Ammanath, tem um bom conselho nesse sentido. Para ela, a chave para o sucesso é começar pequeno, mas pensar grande. “Um recurso de IA só é bom na medida em que é realmente usado. Não importa quão atraente um case de IA possa parecer no papel. Seu valor total só poderá ser desbloqueado se você abraçá-lo e depois implantá-lo em escala no seu negócio”, ressalta a diretora no The AI Dossier.

Hugo Tadeu, da FDC, lembra que adotar IA nos processos de CRM requer estrutura, preparo e investimento. “Não adianta pensar em IA radicalmente transformadora se o básico de infraestrutura tecnológica não estiver de pé na organização. Para a transformação acontecer, também é preciso ter uma liderança que entenda do digital além das tecnologias, compreendendo que a combinação entre elas, equipes e clientes não é algo trivial.” 

Um artigo de Mike Bechtel, também da Deloitte, traz outro aspecto importante nesse contexto: a confiança dos colaboradores nas ferramentas de IA. Com o mercado oferecendo modelos pré-construídos, qualquer empresa pode acessar funcionalidades de IA com alguns cliques. Por isso, no futuro, o que pode importar não é tanto quem tem o melhor algoritmo, mas quem pode usar a inteligência com mais eficiência. “O impacto real dos aplicativos de IA pode depender de quanto seus colegas humanos entendem e concordam com o que estão fazendo. As pessoas não abraçam o que não entendem”, diz o texto. Por isso a relevância de ter ferramentas transparentes e realmente aderentes ao fluxo de trabalho e, sobretudo, funcionários seguros para usá-las.

Uma faca de dois gumes

No caso da IA generativa, que ainda está em amadurecimento, Lucimary Henrique, da Salesforce, destaca que, embora tenha se mostrado extremamente eficaz na área de CRM, a tecnologia não é isenta de riscos. “Se bem utilizada, poderá gerar resultados muito positivos para as empresas que se prepararem, treinando suas equipes. Mas um dos grandes desafios é aumentar a confiabilidade de suas respostas com base em alguns temas”, afirma. 

Heinz: com o uso de inteligência artificial que transforma palavras em imagens, a marca desenvolveu a primeira campanha publicitária com recursos visuais gerados por IA (Divulgação/Divulgação)

Um dos riscos é, por exemplo, produzir conteúdo tendencioso. Como a tecnologia é treinada em dados existentes, ela pode refletir vieses e preconceitos presentes nesses dados, levando a respostas problemáticas ou ofensivas a clientes em certas situações. Há preocupação também com uso indevido e manipulação, como a criação de fake news, disseminação de desinformação e geração de conteúdo manipulado para fins específicos.

Por isso, um ponto crucial para as empresas é adotar uma abordagem responsável e ética, com foco na qualidade dos dados usados como referência. “É importante ter em mente que o modelo de informação que alimenta a IA generativa tem papel fundamental na qualidade da experiência”, esclarece a diretora. Quanto melhores forem os dados, maior será a eficiência real”, destaca Lucimary Henrique.

Um colega de trabalho, não um substituto

Com o avanço da inteligência artificial nas empresas, reacende o velho debate sobre funções humanas operacionais serem substituídas pelas máquinas. É verdade que a IA vem mostrando que praticamente nenhum trabalho ficará intocado pelas máquinas no futuro, mas isso não significa que os empregos na área de CRM estão desaparecendo. “Não é para ter medo. Pelo contrário. É para entender como uma oportunidade de mercado. Cabe ao indivíduo e às empresas o importante papel de se requalificar, para aprender a aplicar as inovações”, orienta Hugo Tadeu, da Fundação Dom Cabral. 

Uma abordagem mais correta seria posicionar as ferramentas de IA como assistentes em vez de concorrentes, uma ampliação das capacidades humanas, não uma substituição. “Ninguém perderá seu emprego atual por causa da IA”, avisou Kevin Kelly no SXSW. “Ela serve principalmente como parceira, estagiária, assistente. Quando bem usada, pode ajudar seus humanos a se tornarem capital criativo.”


10 vantagens da IA no relacionamento com o cliente

Em março deste ano, a Salesforce apresentou o Einstein GPT, primeira tecnologia de inteligência artificial generativa para CRM do mundo. Eis as vantagens da plataforma

  • 1 Priorização aprimorada de leads 
  • 2 Respostas mais rápidas a oportunidades de alto valor
  • 3 Recomendação do melhor próximo passo nos pontos de contato com o cliente
  • 4 Previsões mais precisas
  • 5 Melhora nas tomadas de decisão
  • 6 Potencialização de campanhas de marketing
  • 7 Mais eficiência no atendimento ao consumidor
  • 8 Construção de um relacionamento significativo com cada cliente
  • 9 Automação de tarefas repetitivas
  • 10 Maior produtividade de líderes e equipes envolvidos
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