Revista Exame

O desafio da sucessão nas empresas

Saber quem vai comandar sua companhia no futuro é tão ou mais importante do que ter uma estratégia de negócios bem-sucedida

Warren Buffett: o investidor mais festejado do mundo falhou em sua sucessão (Getty Images)

Warren Buffett: o investidor mais festejado do mundo falhou em sua sucessão (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 15 de junho de 2012 às 15h58.

São Paulo - Graças a uma trajetória forjada em mais de cinco décadas de grandes tacadas no mercado financeiro, o investidor americano Warren Buffett ganhou a alcunha de Oráculo. As apostas certeiras de Buffett ao investir em companhias dos mais variados setores fizeram dele um dos homens mais admirados e ricos do planeta, dono de uma fortuna pessoal de 50 bilhões de dólares.

Sua empresa, a Berkshire Hathaway, tem hoje um valor de mercado de quase 200 bilhões de dólares. Mestre do bom-senso, Buffett raras vezes tropeçou. E, ao tropeçar, rapidamente encontrou a forma mais rápida de se erguer. Mas, aos 80 anos de idade, ele se mostra mais titubeante que de costume — e justamente numa das decisões mais cruciais de sua trajetória.

A pergunta que atormenta Buffett — e muitos de seus investidores — é quem, afinal, vai sucedê-lo no comando da Berkshire Hathaway.  A questão tornou-se mais premente no final de abril, quando Buffett recebeu alguns milhares de investidores no encontro anual da empresa, em um ginásio de sua cidade natal, Omaha.

A inquietação da plateia se devia, em grande medida, à recente saída de David Sokol da Berkshire — até então favorito a substituir o chefe (e o mito em que se transformou Buffett), Sokol deixou a companhia depois de acusações de insider trading.

Buffett, que ainda tem dentro de casa outros dois candidatos, tentou acalmar os presentes. "Apostaria muito dinheiro no fato de que o candidato escolhido será certeiro como uma flecha", disse o investidor. Uma afirmação espirituosa, típica de quem sabe o valor de suas próprias opiniões, mas que não resolve o problema.

O impasse na Berkshire Hathaway reacende uma das mais importantes questões empresariais — a sucessão dos principais executivos. O tema ganha contornos ainda mais complexos diante da redução do tempo de permanência dos presidentes no cargo. Segundo a consultoria Booz&Co., os principais executivos ficam, em média, 6,3 anos no posto, ante 8,1 anos de uma década atrás.


"O Brasil é uma economia que es­tá crescendo", diz Maury Peiperl, professor da escola de negócios suíça IMD. "Há muitas oportunidades. Mas, para aproveitá-las, as empresas dependerão de sua capacidade de formar um número cada vez maior de profissionais preparados para assumir novas posições."

No Brasil, uma pesquisa exclusiva da consultoria de recrutamento de altos executivos Fesa, realizada a pedido de EXAME com 100 companhias com faturamento anual entre 500 milhões e 5 bilhões de reais, aponta que 59% delas tiveram três ou mais presidentes nos últimos dez anos — num mandato médio de cerca de três anos para cada um.

Mesmo com tamanha rotatividade, 37% das entrevistadas não têm sucessores mapeados para substituir seus presidentes. E 82% delas, a exemplo da Berkshire de Buffett, não definiram data para a troca no comando. "Se uma em cada três empresas não pensa nem na sucessão do principal executivo, imagine o que acontece com os demais cargos", diz Denys Monteiro, sócio da Fesa e coordenador do estudo.

Como resultado dessa falta de planejamento, 65% dos presidentes das empresas ouvidas vieram de fora da companhia. O baixo aproveitamento dos potenciais sucessores internos pode causar uma série de transtornos — entre eles o fato de que executivos do mercado normalmente custam mais caro para ser contratados e podem não se adaptar à cultura da companhia.

"O ideal é trazer um candidato externo apenas quando é preciso fazer uma mudança estratégica profunda", diz Peter Cappelli, professor da escola de negócios Wharton, da Universidade da Pensilvânia.

Planejamento

Para criar uma linha de formação de líderes dentro de casa, não basta pensar numa transição que começa na diretoria e acaba na presidência. "Um plano de sucessão eficiente deve envolver todos os níveis hierárquicos", diz Jean-Claude Ramirez, sócio da consultoria Bain & Company.


"A sucessão não pode ser uma ação isolada para apagar incêndio, mas deve fazer parte da cultura da empresa." É o que acontece na operadora logística ALL, onde preparar sucessores internamente é parte do trabalho dos executivos.

"Se precisarmos trazer alguém do mercado é sinal de que nossa política de formação de talentos falhou", diz Melissa Werneck, diretora de gente da ALL, onde 90% dos diretores e 92% dos gerentes foram formados dentro de casa.

Privatizada em 1997, a empresa iniciou em setembro de 2010 seu terceiro ciclo de comando, quando Bernardo Hees deixou a presidência para assumir a operação global da rede de fast food Burger King, nos Estados Unidos. Em seu lugar, está o capixaba Paulo Basílio, de 36 anos.

A política de promoções constantes é uma das maneiras encontradas pela ALL para formar presidentes em velocidade recorde. Basílio, que entrou na empresa em 2001, após concluir mestrado na Fundação Getulio Vargas, foi promovido cinco vezes antes de chegar à presidência.

Todos os trimestres, cerca de 1 000 funcionários da companhia são avaliados em cinco metas individuais — e para cada uma delas recebem um pequeno adesivo nas cores verde, amarelo ou vermelho colado ao lado de suas mesas e visível a todos que passam por ali.

Segundo Basílio, desde seu primeiro dia no novo posto, ele analisa os três ou quatro executivos mais preparados para sucedê-lo. "Evidentemente, ainda é cedo para pensar num único nome. Mas sempre soube que formar o próximo presidente é uma de minhas prioridades", diz.

A preparação de um candidato interno para assumir a presidência é, necessariamente, um processo de longo prazo. No caso da Promon, uma das maiores empresas de engenharia do país, esse processo durou exatos três anos. Em 2007, após seis anos no comando, o então presidente Luiz Ernesto Gemignani começou o processo de decisão do sucessor.

Durante vários meses, ele manteve conversas constantes com os 60 principais executivos da companhia e chegou a dois principais candidatos. No último ano, o então diretor executivo Luiz Fernando Rudge, na companhia desde 1987, despontou como favorito. "Rudge tem o perfil empreendedor necessário para levar a empresa a novas áreas de atuação", diz Gemignani.


A partir daí, o presidente passou a consultar o potencial sucessor nas principais decisões e delegou a ele a definição do planejamento da Promon para 2020. Há cerca de um ano, o bastão foi oficialmente passado. A lógica de formar internamente novos líderes vale também para as cinco diretorias executivas da companhia.

Graças a essa política, em 51 anos de história a Promon teve apenas três diretores contratados do mercado. "Todos por aqui ficarão muito pouco confortáveis se algum dia precisarmos contratar um forasteiro para assumir a presidência ", diz Gemignani.

Para convencer seus executivos da necessidade de preparar sucessores, algumas companhias incluíram a questão como uma das metas que pesam na remuneração variável. Foi o que fez a Natura, maior fabricante de cosméticos do país, com faturamento de 5,1 bilhões de reais no ano passado.

Até 2009, a Natura preenchia apenas 40% de seus 450 cargos de liderança com sucessores internos. Com a perspectiva de contínuo aumento das vendas — nos últimos cinco anos, a companhia cresceu 89% —, determinou que seu primeiro time deveria ter sucessores para prazos de um, três e cinco anos.

"Não podíamos correr o risco de ter apenas um candidato para cada cargo", diz Marcelo Cardoso, vice-presidente de desenvolvimento organizacional da Natura. Hoje, 70% de seus 600 executivos foram formados internamente e a meta é chegar a 80% até 2012.

Para chegar lá, a empresa criou neste ano um novo mecanismo que atrela até 20% do bônus anual dos executivos ao desempenho de seus sucessores durante os 12 primeiros meses no novo cargo.

"Queremos deixar bem claro que formar sucessores deve ser prioridade", diz Cardoso. Em companhias familiares, que representam mais de 80% dos negócios no Brasil, as incertezas que envolvem a sucessão podem ganhar contornos mais dramáticos.

Em geral, essas empresas se confundem com a história de seus fundadores — e a interferência deles nas decisões do dia a dia pode tornar inviável qualquer tentativa de sucessão.

Além disso, sempre existe a possibilidade de o sangue falar mais alto. E competência, como se sabe, não é uma característica hereditária. A troca no comando da transportadora paranaense Ouro Verde é emblemática dos cuidados que esse processo exige.


O empresário Celso Frare fundou a empresa nos anos 70 e, em 2007, às vésperas de completar 60 anos, decidiu deixar a presidência. Seus dois filhos, na época com 30 e 32 anos, nunca demonstraram interesse pelos negócios. "Só então me dei conta de que não havia dentro da empresa ninguém que pudesse ocupar o lugar", diz Frare.

A saí­da foi buscar um profissional de mercado — o paranaense Karlis Kruklis, então executivo da empresa de telefonia GVT. Para dar autonomia a Kruklis, Frare comprou uma empresa de operação de contêineres no porto de Paranaguá, a 80 quilômetros da sede da Ouro Verde, e passou a se dedicar quase integralmente ao novo negócio.

"Decidi me afastar para não interferir demais na nova gestão", diz. Desde que assumiu, Kruklis dobrou o faturamento, para 500 milhões de reais, graças ao investimento na locação de automóveis, tratores e colheitadeiras para cana-de-açúcar — mercado que não era prioritário, mas que atualmente representa 80% das receitas.

Na empresa de refeições coletivas Sapore, com faturamento de 800 milhões de reais em 2010, o fundador, Daniel Mendez, decidiu fazer uma transição com dois anos de duração para reduzir pouco a pouco sua influência na rotina dos negócios.

Em janeiro de 2010, Mendez criou um comitê de gestão composto de três diretores e por Diogo Lombas, que, no início de 2012, vai assumir a presidência. Embora Mendez ainda esteja no cargo, o comitê ficou responsável pelas principais decisões da companhia.

"Passei mais de dez anos preparando a empresa para minha saída", diz Mendez. Se não é uma garantia de sucesso, pelo menos é um bom começo.

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