Frederico Pompeu: sócio do banco analisa as mudanças que a atual crise impõe à gestão das empresas (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 26 de março de 2020 às 05h30.
Última atualização em 26 de março de 2020 às 05h30.
Em fevereiro, tive a oportunidade de assistir a uma palestra do professor Salim Ismail, da Singularity University, a qual tive o prazer de frequentar dois anos atrás. Autor do best-seller Organizações Exponenciais, o professor voltou a lembrar que as pessoas estão acostumadas a pensar linearmente, e não exponencialmente. Para exemplificar sua afirmação, ele perguntou: “Quantos metros uma pessoa avançaria se desse 30 passos lineares de 1 metro cada um?” Todos prontamente responderam que essa pessoa avançaria 30 metros em relação ao ponto de partida.
Em seguida, ele provocou: “E se esses passos fossem exponenciais?” Silêncio na plateia. Ninguém acertou a resposta; afinal, 30 passos exponenciais equivaleriam a 1.073.741.824 metros em relação ao ponto de partida, ou 26 voltas ao redor da Terra! Isso significa que seria praticamente impossível descobrir o ponto exato onde essa pessoa pararia. Lembrei-me dessa passagem nesta semana, quando vi como o coronavírus tem se propagado exponencialmente no mundo.
Realmente vivemos tempos desafiadores. Mas, se por um lado tornou-se importante evitar o convívio social e nos manter em casa o máximo possível para tentar segurar a velocidade de proliferação do vírus e evitar um colapso dos sistemas hospitalares, por outro a humanidade nunca esteve tão preparada para o distanciamento social.
A tecnologia de hoje permite que a maior parte da população realize as tarefas mais cotidianas sem sair de casa. Compras em mercado, farmácia ou outros estabelecimentos podem ser feitas via delivery. A maioria dos bancos realiza operações online, sendo alguns players 100% digitais. A parte do entretenimento fica por conta dos aplicativos de streaming, esportes e jogos. E o próprio isolamento não é tão solitário com as redes sociais e apps como o WhatsApp. Para tornar o tempo mais produtivo, cursos e aulas também podem ser feitos à distância.
Também nunca estivemos tão preparados para trabalhar remotamente. Quem trabalha em escritórios consegue estar 100% conectado com seu time por meio de mensagens, teleconferências, videoconferências ou até mesmo por hologramas, ainda que as pessoas estejam no conforto da própria casa. Olhando o copo meio cheio, diversos estudos apontam que o trabalho remoto pode ajudar a melhorar a produtividade dos funcionários, aumentar sua retenção e fazer com que se sintam mais confiantes e mais capazes de equilibrar as responsabilidades profissionais com a vida particular — tornando-os mais felizes e seus times mais efetivos.
A Owl Labs, empresa com sede em Massachusetts que fabrica dispositivos de videoconferência, divulga anualmente uma pesquisa sobre trabalho remoto nos Estados Unidos. Em 2019, eles entrevistaram 1.202 trabalhadores daquele país, com idade entre 22 e 65 anos.
Da amostra pesquisada, 62% praticavam trabalho remoto de alguma maneira, sendo que 30% deles trabalhavam remotamente em período integral. Alguns pontos que chamaram a atenção: 55% dos funcionários que trabalham remotamente procurariam outro emprego se não pudessem mais fazer home office e 61% deles esperariam um aumento de salário caso fossem proibidos de trabalhar de casa.
Em outras palavras, essa pandemia, que hoje é um grande teste para a economia mundial, pode redefinir algumas questões que pautam a forma como as grandes empresas trabalham. Supondo que a produtividade mundial não caia drasticamente com a adoção em massa de home office, ensino à distância e delivery, algumas questões deveriam passar a ser pauta do C-Level das empresas em geral. Afinal, pense comigo sobre a variedade de impactos.
Imóveis. Supondo que mais da metade dos funcionários de escritórios possa trabalhar de casa, faz sentido o investimento em grandes sedes ou escritórios nas melhores ruas e bairros do país? Dependendo do perfil da companhia, além de ser grande para abrigar todos os funcionários, o imóvel precisa estar bem localizado, não só pela proximidade dos clientes mas também por uma questão de posicionamento de marca. Com uma adoção maciça do trabalho em casa, o investimento nesse tipo de ativo ou o gasto com aluguel poderia cair drasticamente.
Faculdades. Já pensou poder frequentar as melhores faculdades ou cursos do mundo sem precisar mudar de cidade ou mesmo de país? Ter aula com um Nobel de Economia ou aprender sobre a nova cura de uma doença na tela de seu computador, sentado em seu sofá?
Supermercados. As marcas de varejo pagam aos supermercados para ter o direito de expor seus produtos nos lugares mais nobres das prateleiras, facilitando, assim, o impulso de compra por parte dos consumidores. Mas, se as pessoas passarem a comprar mais online do que in loco, você acha que o diretor de marketing dessas marcas vai preferir comprar o espaço premium das gôndolas a investir em banners e promoções das ferramentas de delivery? Além disso, retornamos à questão dos imóveis, pois as grandes varejistas não precisarão mais investir tanto em lojas.
Voltando à Singularity, eles costumam dizer que “os maiores problemas da humanidade são também as maiores oportunidades de negócio”. O café em pó foi criado após a crise do café em 1930; o Airbnb surgiu em 2008, quando o mundo passou por uma das maiores crises da história; mesma época em que surgiu o Uber, que veio a ser uma forma de gerar renda extra aos motoristas informais. Enfim, use esse tempo para reinventar o que você faz, para trazer alternativas para os consumidores, para gerar valor e recriar a própria marca. Não deixe de inovar, porque esta pode ser a oportunidade de você criar uma nova forma de fazer negócio.