Revista Exame

O cliente num zap: empresas apostam no WhatsApp para vendas

De pequenos comerciantes a grandes varejistas, empresas abraçam de vez o WhatsApp, vital nos meios físico e digital

 (Oscar Wong/Moment/Getty Images)

(Oscar Wong/Moment/Getty Images)

FS

Filipe Serrano

Publicado em 22 de outubro de 2020 às 05h19.

Última atualização em 23 de outubro de 2020 às 11h19.

Isabela Lepera se formou advogada, mas nunca se identificou muito com a profissão. Durante a faculdade, começou a vender doces, como um negócio paralelo. Em 2016, com o crescimento do WhatsApp e das redes sociais, o número de pedidos aumentou e ela deixou o direito para perseguir seu sonho: tornar-se uma confeiteira especializada em doces americanos. A receita deu certo. Assim nasceu a loja Cupcakes by Isa, um negócio individual que faturou mais de 30.000 reais neste ano, com uma média de 40 pedidos por mês. Em 2020, com a pandemia, o WhatsApp se tornou um aliado indispensável. Entre janeiro e setembro, de cada dez vendas, seis foram por meio do aplicativo. “Todos os públicos estão no ­WhatsApp e ele humaniza o atendimento. A pessoa me chama pelo nome, mesmo por escrito. Você sabe com quem está falando”, diz Lepera, que mora em São Carlos, no interior de São Paulo. Foi também com a ajuda do Whats­App que Arsene Amaral virou empreendedora aos 80 anos. Em abril, já na pandemia, ela abriu um negócio de caldos e saladas em Olinda, Pernambuco, chamado Cozinha no Pote. Com o auxílio dos netos, a avó criou um cardápio, definiu preços e passou a receber pedidos via Whats­App e Instagram. “Mantemos contato com os clientes, enviando promoções e novidades”, diz ela. Uma expansão para uma cozinha maior, em Recife, está prevista para o ano que vem. O mundo segue mudando. Siga em evolução com a EXAME Academy

Isabela Lepera, da Cupcakes by Isa: o WhatsApp se tornou um aliado dos pequenos comerciantes (Germano Lüders/Exame)

Tanto a paulista Isabela Lepera quanto a pernambucana Arsene Amaral ancoraram seus negócios em uma nova realidade tecnológica: a ascensão da mensageria e dos smartphones. O uso de internet no Brasil a partir de dispositivos móveis explodiu nos últimos cinco anos. Hoje, 99% dos usuários acessam a rede por um smart­phone, e 92% deles dizem que usam a web para enviar mensagens. Nesse ambiente, quem reina absoluto é o WhatsApp, que tem 160 milhões de usuários no Brasil e é o principal mensageiro do país (embora o Facebook Messenger, o Telegram, o Instagram Direct e outros apps também sejam usados). Não demorou para que esse canal de comunicação, que alcança as mais diferentes faixas etárias e estratos sociais, fosse também adotado por comerciantes, prestadores de serviço e grandes companhias. Com a pandemia, o hábito de fazer compras e contratar serviços pelo WhatsApp se consolidou, forçando as empresas a abraçar os aplicativos de mensagens. 

(Arte/Exame)

Se o consumidor evita circular na rua, é preciso ir aonde o cliente está. E o WhatsApp é o meio mais natural de chegar até ele. Segundo uma pesquisa da consultoria Accenture, de julho deste ano, 83% dos brasileiros já utilizam o WhatsApp para fazer compras — e 37% deles consomem produtos de grandes empresas. Nos negócios de pequeno porte, a prevalência é ainda maior: 64%. E se engana quem pensa que o uso é ocasional. A pesquisa mostra que 59% fazem compras pelo menos uma vez por semana.

É por isso que a aposta de varejistas como o Magazine Luiza foi nas vendas via mensagens. A companhia buscou substituir o atendimento presencial feito pelos vendedores nas lojas físicas por uma comunicação via aplicativos. Para isso, ela levou seus vendedores à internet numa escala sem precedentes na história da empresa. Após um treinamento, mais de 14.000 vendedores passaram a atender pelo WhatsApp. “Criamos um perfil para cada vendedor com um link para as redes sociais, para que eles pudessem fazer a divulgação. O cliente vê os dados do vendedor da loja mais próxima, via geolocalização”, diz Gisele Morila, gerente de produto de transformação digital do Magazine Luiza. As categorias mais populares são os eletrodomésticos e os telefones celulares. Outra empresa que migrou para os aplicativos de mensagens foi a Via Varejo, dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio. A varejista diz ter preparado 20.000 vendedores das lojas físicas para venderem também pela internet. O projeto ficou conhecido pelo nome “Me chama no Zap”. O novo canal tornou-se um dos pilares em meio à pandemia. No segundo trimestre, as vendas dos vendedores online representaram 14% do valor bruto dos produtos comercializados no e-commerce, de mais de 5 bilhões de reais. 

(Arte/Exame)

Os negócios por mensagens são uma nova frente do comércio eletrônico e ganharam até um apelido no jargão do mercado: “comércio conversacional” (uma tropicalização do inglês conversational ­commerce). O nome se refere às vendas realizadas em apps de mensagens ou ferramentas de bate-papo das lojas online. O atendimento é feito por um vendedor especializado ou por um sistema automatizado. 

Se num passado recente os gigantes do varejo investiram pesado em tecnologia para incrementar a operação digital — integrando lojas físicas e online —, agora precisam também criar um canal para “falar” com os clientes por mensagens. “Todo esse investimento na digitalização, para ser honesto, ainda não atingiu todo seu potencial. Com o comércio conversacional, essa tecnologia pode chegar de fato aos consumidores de forma democratizada”, diz Javier Mata, fundador e presidente da Yalochat, startup que tem uma plataforma de inteligência artificial para fazer o atendimento a clientes por apps de mensagens. Fundada no México, a startup recebeu recentemente um investimento de 15 milhões de dólares do fundo de Eduardo Saverin, bilionário brasileiro e um dos cofundadores do Facebook. Com a pandemia, as transações realizadas pela plataforma cresceram dez vezes e o Brasil se tornou o maior mercado. Javier Mata até mudou-se para São Paulo para se dedicar à operação. “Somos uma empresa global, mas o Brasil é hoje o mercado primário”, diz. 

Nessa “whatsappzação” do varejo, uma série de startups cresce a reboque fornecendo ferramentas digitais para a gestão das vendas pelo mensageiro. Uma delas é a ZapCommerce, uma spin-off da Jet e-Business, empresa de soluções para comércio eletrônico com 18 anos de atuação. A plataforma permite criar um perfil para cada vendedor de uma loja (ou de uma rede de lojas), cadastrar os produtos e gerar um link de pagamento, que pode ser enviado por WhatsApp para finalizar a compra. Com a pandemia, o número de pontos de venda que utilizam o serviço disparou, passando de 25.000 no ano passado para mais de 60.000, incluindo desde lojas de moda até concessionárias de veículos. Mais de 70 shoppings contrataram a empresa para oferecer o sistema aos lojistas. A previsão é que a startup feche o ano movimentando 70 milhões de reais em vendas pela plataforma, dez vezes mais do que em 2019. “O consumidor se acostumou a usar os aplicativos de mensagens para fazer compras. Quem não tiver uma boa cobertura de canais de venda vai perder uma venda para um concorrente”, diz Gustavo Chapchap, diretor de marketing da Jet e-Business e cofundador do ZapCommerce.

Centro de distribuição do Magazine Luiza: as vendas pela internet cresceram com as pessoas passando mais tempo em casa (Germano Lüders/Exame)

Engana-se quem pensa que os aplicativos de mensagens têm vez apenas na compra e venda de itens de baixo custo. A Vivaz Residencial, marca da incorporadora e construtora Cyrela voltada para moradias populares, passou a vender apartamentos com auxílio do app. Com um robô virtual no Whats­App, criado pela Wavy, empresa de inteligência artificial do grupo Movile, a Vivaz realizou 53 vendas de imóveis em 45 dias, em um projeto piloto em seu site. “Na pandemia, o WhatsApp foi um canal importante para nos mantermos próximos dos clientes”, diz João Quina, gerente de vendas da Vivaz. Segundo Rodrigo Passeira, gerente de produto da Wavy, grande parte das dúvidas é respondida pelo sistema automatizado. Com isso, quem chega até o vendedor recebe um atendimento personalizado. “Existia uma demanda reprimida por vendas via aplicativo”, diz Passeira. 

Na incorporadora MRV, que entrega entre 40.000 e 50.000 unidades por ano, o atendimento por canais digitais, incluindo o WhatsApp, foi motor dos negócios em 2020. A empresa fala com cerca de 160.000 clientes todos os meses, e troca cerca de 70.000 mensagens diariamente. Desde que começou a vender imóveis pelo Whats­App, há um ano, 2 bilhões de reais em vendas se iniciaram no aplicativo. No acumulado dos primeiros nove meses do ano, a empresa teve um resultado 35% maior do que em 2019, mesmo sem os plantões de vendas presenciais. Em maio, a renegociação de dívidas também passou a ser feita por mensagens. “O aplicativo é responsável por 16% das renegociações efetivadas. Queremos chegar a 30%”, diz Weslei Oliveira de Azevedo, responsável pela área na MRV. Ele afirma que o WhatsApp tem uma avaliação melhor do que os canais de atendimento padrão.

(Arte/Exame)

O comércio via mensagem tem se intensificado a ponto de a montadora americana General Motors, dona da marca Chevrolet, ter vendido mais no feirão digital que realizou pelo aplicativo do que no offline. Já a montadora Fiat aumentou em 36% a venda de carros e tem 100% das concessionárias da marca aptas a realizar atendimentos digitais. Segundo o Facebook, 70% das revendedoras da indústria automotiva adotaram o serviço. De acordo com André Sabioni, diretor de negócios no Facebook para as indústrias de Finanças, Automóveis e Construção Civil, os negócios por aplicativos de mensagens têm três pilares: a conveniência (uma vez que todos já usam o app); a descoberta (porque é possível tirar dúvidas sobre um produto ou serviço); e a transação (o momento final da compra no app).

No caso da adquirente Stone, conhecida por suas maquininhas de pagamento, o atendimento por WhatsApp é usado há um ano. O mensageiro está presente desde o contato com os comerciantes até o processo de prospecção. Alessandra Giner, diretora de marketing, diz que a premissa é atender o cliente no tempo dele. “Entendemos que nossos clientes passam grande parte do dia no aplicativo e veem nele uma ferramenta para fazer negócios e interagir com os fornecedores. Não poderíamos deixar de estar lá”, diz ela.

O futuro do negócio

Há um motivo pelo qual todos esses casos deram certo. A venda por aplicativos de mensagens replica a lógica do comércio físico em um ambiente digital. Para Federico Sader, presidente da Behup, empresa de pesquisas focada em analisar a interseção entre comportamento humano e tecnologia, houve um crescimento do e-commerce durante a pandemia, mas, para muitos compradores de primeira viagem, a experiência não foi boa — em parte porque não é simples entender a dinâmica das lojas online, mas também porque há um baixo nível de letramento digital no Brasil. “O WhatsApp permite uma conversa e maior precisão no atendimento. Para pessoas menos familiarizadas com o ambiente digital, é como uma relação offline, de pessoa para pessoa. Envolve menos risco e oferece uma experiência mais pessoal”, diz Sader. A Behup é responsável por um relatório que aponta como o mensageiro se tornou um salvador durante a pandemia, especialmente para comerciantes de bairro. Danilo Cersosimo, diretor de relações públicas da empresa, diz que a interação pelo WhatsApp remete ao conceito milenar dos bazares, os tradicionais mercados de rua do mundo árabe, permitindo uma conexão maior entre comerciante e cliente e a formação de laços de confiança. “O que chama a atenção é a proximidade entre os dois lados, por exemplo, quando um cliente pede a um açougueiro para filmar a carne e enviar o vídeo. É um nível de intimidade que não estava presente nas compras pela internet”, afirma.

Sistema de compras drive-thru em shopping de São Paulo: a pandemia forçou as empresas a se digitalizarem (Lucas Lacaz Ruiz/Exame)

É verdade que a relação entre consumidor e vendedor está incompleta. Para efetivar a compra, ainda é preciso abrir o aplicativo do banco para fazer uma transferência ou usar uma plataforma de pagamento online, fora do aplicativo de mensagens. Mas maneiras para facilitar a transação estão no radar. O Pix, novo método de pagamento instantâneo do Banco Central, tende a facilitar as transferências. E o Whats­App trabalha junto com as autoridades para liberar os pagamentos pelo aplicativo. A função foi anunciada pela empresa em junho, mas encontrou entraves regulatórios. Segundo Pablo Bello, diretor de políticas públicas do Whats­App para a América Latina, o app tem conversado com o Banco Central para restaurar a ferramenta. O desejo da empresa é que a função seja liberada aos pequenos comerciantes.

Desde que o WhatsApp foi adquirido pelo Facebook em 2014 por 22 bilhões de dólares, a rede social busca uma maneira de rentabilizar o investimento no app, que nunca teve um modelo de negócios definido. Em 2018 a empresa lançou o Whats­App Business, um meio para que pequenos negócios pudessem ter contato com clientes e parceiros de forma mais profissional. No mesmo ano, a empresa também lançou uma tecnologia (chamada no mercado de API) que permite conectar o Whats­App aos sistemas de gestão de vendas de grandes empresas. Enquanto o serviço do WhatsApp para PMEs é gratuito, a versão corporativa é paga. “A diferença é que a versão paga permite um alto volume de mensagens para empresas com uma extensa base de clientes, a utilização de chatbots, múltiplos atendentes por conta e número verificado, o que aumenta a segurança”, diz Bello, do WhatsApp. 

É graças à integração do WhatsApp com sistemas de gestão empresarial que a americana Zendesk, uma das principais startups de atendimento ao cliente do mundo, com 160.000 clientes, pode oferecer um canal de comunicação com consumidores não só para criar uma versão digital do SAC mas também para gerar vendas. Para Marcelo Rocha, vice-presidente regional de vendas da Zendesk Brasil, as empresas não devem forçar um canal de comunicação, mas buscar o contato com o consumidor em um aplicativo que ele já utilize. Ainda assim, há um desafio: a comunicação precisa ser relevante. “Se a empresa manda uma oferta no WhatsApp, a mensagem precisa ser tão interessante quanto a dos amigos, ou mais. Há uma grande concorrência pela atenção das pessoas nesse tipo de canal. A mensagem precisa ter valor”, diz Rocha. 

Para consultorias e empresas de todos os portes ouvidas pela reportagem, a venda por aplicativos de mensagens não é uma tendência passageira. Mas solucionar os gargalos é essencial para melhorar a experiência. O setor ainda tem desafios a vencer, especialmente no campo da comodidade do pagamento e também no da segurança. São frequentes os golpes no WhatsApp, e a falta de um processo centralizado de pagamento dá margem para um mau uso da ferramenta, tanto por estelionatários quanto por usuários desinformados. Mas o futuro é promissor para os apps de mensagens. E deve chegar mais rápido do que um zap.  

Acompanhe tudo sobre:AppsComprasCyrelaMovileVendasWhatsApp

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon