Fábrica de painéis solares da BYD, em Campinas (SP): as licenças municipais saíram em menos de dois meses (Alexandre Battibugli/Exame)
Flávia Furlan
Publicado em 27 de abril de 2017 às 05h55.
Última atualização em 27 de abril de 2017 às 05h55.
São Paulo – Em junho de 2016, a multinacional chinesa de tecnologia BYD assinou um contrato para a venda de painéis de energia solar para parques de geração no Nordeste. Pelo contrato, as primeiras entregas precisavam ser feitas até o fim de abril deste ano, num prazo de apenas dez meses. Com um detalhe: a BYD não tinha ainda uma fábrica de painéis solares no Brasil. A empresa teve de correr para escolher a cidade onde investiria os 150 milhões de reais para a instalação de uma montadora.
Em jogo estavam multas altíssimas em caso de atraso. O cenário não era animador. A obtenção de licenças e alvarás costuma demorar meses (e às vezes anos) no Brasil. Numa fábrica de veículos elétricos instalada em 2015 em Campinas, no interior paulista, o mesmo grupo chinês teve de esperar seis meses para conseguir a documentação. Mas, durante a procura, a BYD descobriu que algo havia mudado em Campinas.
A cidade tinha criado um conselho para analisar os projetos de alto impacto tecnológico e com grande geração de empregos, liberando as licenças mais rapidamente. “Optamos por Campinas devido à nova forma de licenciamento, mesmo sendo mais caro construir ali do que em outras cidades”, diz Adalberto Maluf, diretor da BYD. As licenças saíram em menos de dois meses. No início de abril, os primeiros painéis foram entregues.
Campinas é exemplo de uma tendência: há um número crescente de prefeitos empenhados em reduzir a burocracia, facilitar a abertura de negócios e atrair investimentos. Não é, portanto, apenas João Doria, em São Paulo, que está adotando essas ideias. O que move essa agenda pró-mercado é o pragmatismo. “Não é uma questão de doutrina liberal, mas de reconhecer que as pessoas precisam de emprego e que só o setor privado pode suprir isso”, diz Jonas Donizette (PSD), prefeito reeleito de Campinas.
Segundo apurou a consultoria 4E, em 2016 as despesas superaram as receitas na soma dos 5 570 municípios brasileiros pela primeira vez desde 1998. Mais de 70 prefeituras declararam calamidade financeira neste ano. Um estudo do banco Itaú indica que os municípios terão déficit de 1,5 bilhão de reais em 2017 caso não entrem recursos extraordinários como os do programa de repatriação de recursos. “Diante do caixa curto, a nova safra de prefeitos precisa dessa agenda para entregar resultados”, diz Juliano Seabra, diretor-geral da ONG Endeavor, que fomenta o empreendedorismo.
Reduzir a burocracia tem sido uma das premissas da onda pró-mercado. De acordo com a Endeavor, há dez capitais adotando iniciativas de redução de tempo para a abertura de empresas. Dados da Rede Cidade Digital, organização que fomenta o uso de tecnologia, mostram que, num grupo de 31 cidades — as capitais e os maiores polos do interior, que, somados, representam 40% do PIB —, 29 prefeitos eleitos têm um total de 321 propostas de uso da tecnologia para melhorar a gestão: 21% delas para aprimorar serviços públicos e 13% para fomentar negócios.
Em Florianópolis, o prefeito eleito, Gean Loureiro (PMDB), encaminhou à Câmara Municipal um pacote de 40 medidas para estímulo dos negócios, entre elas itens como a simplificação da emissão de alvarás e licenças. “Queremos a vinda de empresas para Florianópolis”, diz Loureiro. Em Recife, o prefeito reeleito, Geraldo Júlio (PSB), convidou o empresário Bruno Schwambach, cuja família é dona das concessionárias de automóveis Parvi, para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Ele já está em ação: reuniu num único prédio a equipe de 100 pessoas responsáveis pelo licenciamento de obras — elas estavam espalhadas por seis locais, não seguiam um padrão de procedimento e davam interpretações distintas a processos semelhantes.
Uma das ideias replicadas Brasil afora é a de Porto Alegre. Em 2015, a prefeitura iniciou um programa para cortar o tempo de abertura de empresas, que, em média, era de 474 dias. A fila para ter o aval do Corpo de Bombeiros era única, sem considerar o risco do negócio. Além disso, todos os documentos eram entregues em papel — alguns empreendedores chegavam com carrinho de supermercado cheio.
Desde 2015, negócios de baixo risco podem se autodeclarar ajustados às regras de prevenção de incêndio e os documentos são digitalizados. Com medidas como essa, o prazo de abertura caiu para, em média, 15 dias. O prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB), que assumiu em janeiro, pretende facilitar o caminho para empresas de negócios de alto risco, que ainda levam, em média, 290 dias para ser abertos porque continuam obrigadas a entregar documentos em papel. “A padronização evita interpretações ideológicas e acelera os processos”, diz Marchezan Jr.
Outra frente de ação nas cidades são as privatizações, as concessões ou as parcerias com o setor privado. Dados da consultoria GO Associados mostram que, de janeiro a abril, 27 novos projetos foram publicados no Diário Oficial (a maioria em municípios com mais de 50 000 habitantes), enquanto no mesmo período de 2014 foram 13 projetos. Não entram na conta ideias ainda embrionárias, como os 55 projetos de João Doria.
O grupo espanhol de infraestrutura Acciona já participou da elaboração de cinco projetos de concessão em municípios neste ano — ante apenas um em todo o ano de 2016. “A nova fronteira para investimento em infraestrutura é nos municípios”, diz André Clark, presidente da Acciona. A urgência da agenda é tamanha que o governo federal deve anunciar em 25 de abril um pacote que poderá gerar 2 bilhões de reais em concessões e parcerias nos municípios em dois anos. No pacote, está previsto um fundo com 100 milhões de reais para estruturar projetos, o uso da Caixa Econômica Federal para prestar assessoria técnica e a oferta de crédito por bancos públicos.
Os prefeitos argumentam que faz sentido recorrer ao setor privado quando os ativos não dão resultado. Em Porto Alegre, a prefeitura quer privatizar ou abrir o capital da empresa municipal de transportes Carris, que deu prejuízo de 50 milhões de reais em 2016. Outro motivo apontado é que o setor privado pode prestar serviços melhores. Em Teresina, o prefeito reeleito, Firmino Filho (PSDB), montou uma secretaria para a gestão de concessões e parcerias, e espera leiloar três projetos neste ano no valor de 800 milhões de reais.
Um deles é de iluminação pública. Com grande distância entre terrenos, Teresina tem 83 000 postes, enquanto cidades com o dobro da população têm, em média, 90 000. Uma equipe de fiscais, ou mesmo os cidadãos, avisa sobre a queima de lâmpadas e o reparo é demorado. Na parceria com o setor privado, a prefeitura vai exigir sistemas que alertem imediatamente quando uma luz apaga, acelerando o reparo.
Nessa fase pró-negócios nos municípios, há uma mudança na relação com o setor privado. Os prefeitos têm recebido mais empresários nos gabinetes, estão pedindo doações para resolver problemas urgentes e batem na porta de investidores com seus projetos — bem ao estilo Doria. Em Curitiba, Rafael Greca (PMN) já pediu a laboratórios a doação de remédios e marcou viagem a São Paulo para encontrar investidores. “Eu tenho um déficit de 2 bilhões de reais, uma dívida de 1 bilhão e um orçamento de 7 bilhões. Toda parceria é bem-vinda”, diz Greca.
Os prefeitos também estão deixando o setor privado ajudar na gestão. O projeto Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável, criado em 2012 pela organização civil Comunitas, que atendia 12 prefeituras, deverá ganhar outras oito neste ano. O projeto reúne empresários e poder público para melhorar a gestão das cidades, em encontros periódicos que parecem reuniões de conselhos de administração de empresas, momento em que são traçadas metas e cobrados resultados.
As prefeituras também tendem a assumir um novo papel. “Em vez de executar os serviços, elas terão cada vez mais de coordenar o que será oferecido por meio de parcerias, doações e concessões. Tudo isso vai exigir prefeitos com perfil gestor, deixando pouco espaço para o populismo”, diz Glaucio Neves, diretor da consultoria de gestão Macroplan. Se essa tendência significar melhor atendimento à população — e com custo menor —, que ela se espalhe cada vez mais pelo Brasil.