Tensie Whelan: "Os governos precisam lidar com a própria incompetência" (Divulgação/Exame)
Renata Vieira
Publicado em 29 de março de 2018 às 09h02.
Última atualização em 1 de agosto de 2018 às 15h48.
Ex-diretora da ONG Rainforest Alliance e diretora do centro de pesquisa em sustentabilidade na Universidade de Nova York, a americana Tensie Whelan tem uma nova atribuição desde outubro. Ela está entre os quatro especialistas estrangeiros convidados a participar de um conselho global da construtora Odebrecht, um dos alvos centrais da Operação Lava-Jato. O grupo é responsável por elaborar estratégias de combate à corrupção e opinar em questões socioambientais. As reuniões devem ocorrer duas vezes ao ano. De Nova York, Tensie falou a EXAME.
O que a Odebrecht tem feito para passar suas práticas a limpo?
A empresa pôs na mesa uma política interna robusta, tem treinado seus funcionários, e isso vem sendo revisado pela Transparência Internacional e pelo governo. Há um olhar crítico sobre o propósito da companhia. Mas ainda há muito a ser feito.
Por que emprestar não apenas seu nome mas também dedicar atenção a uma empresa sob investigação?
Não se trata de emprestar o nome, mas de participar de um comitê que vai aconselhar a companhia. Onde há crise, há oportunidade para melhorar.
Como o conselho pretende acompanhar e mensurar
o impacto dos projetos de mudança na empresa?
O processo apenas começou, tivemos nosso primeiro encontro há poucos meses. Mas temos acompanhado os relatórios de compliance da Odebrecht a partir das políticas e métricas que a empresa desenvolveu junto com o governo.
Quais empresas se recuperaram de uma crise semelhante?
A empresa de alimentos Nestlé passou por uma profunda crise de confiança depois de ser acusada de desencorajar a amamentação e promover uma fórmula de leite que desencadeou doenças em bebês na África. Isso demandou muito tempo deles. A montadora Volkswagen ainda está lidando com as consequências do escândalo de fraude nos laudos de emissões de poluentes dos veículos e parece estar investindo numa estratégia de pensar adiante — o que fez com que as ações subissem desde o auge da crise.
Como estabelecer estratégias de recuperação genuínas,
e não simplesmente para mudar a imagem da empresa?
A sustentabilidade é uma jornada, não é um episódio. Depende de pessoas aprendendo a como fazer certas coisas. É preciso saber onde se está e para onde se quer ir, evidenciando não só o que vai bem mas também o que ainda vai mal. Comunicação transparente é a chave. As pessoas percebem rapidamente quando não há uma mudança genuína.
As empresas têm se aproximado cada vez mais de outras instituições para melhorar a sustentabilidade do negócio?
Isso é necessário para encarar desafios nos quais as empresas têm bem menos expertise, ainda que tenham impacto significante. Por exemplo, a Rainforest Alliance e o Imaflora (instituição certificadora de áreas agrícolas e florestais) trabalham juntos com a indústria de papel e celulose no Brasil para melhorar as práticas de empresas como Fibria, Veracell e Klabin.
Qual é o papel dos governos na jornada da sustentabilidade corporativa?
Os governos não têm sido muito úteis nesse sentido. Antes de ajudar, ainda precisam lidar com a própria incompetência, corrupção e falta de foco. De um lado, faltam incentivos para comportamentos positivos; de outro, sobram incentivos para comportamentos negativos por parte dos líderes públicos. n