Tratamento de água em Limeira, São Paulo: falta muito para vencer o atraso no saneamento (Claudio Rossi/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 29 de março de 2011 às 13h14.
Rio Claro, município de 185 000 habitantes no interior de São Paulo, decidiu transformar o meio ambiente em aliado para atrair empresas preocupadas com sustentabilidade. Para isso, a cidade fechou, no ano passado, uma parceria público-privada com o grupo Odebrecht destinada à operação e à ampliação do sistema de esgoto local - o que configurou a primeira PPP municipal do Brasil. Atualmente, Rio Claro tem 100% de fornecimento de água tratada e de coleta de esgoto. Porém, apenas 12% do esgoto recebe tratamento antes de chegar ao rio que abastece a cidade. A meta fixada no contrato da PPP é que até 2011 todo o esgoto seja tratado. Rio Claro segue o exemplo da vizinha Limeira, primeira cidade no país a privatizar o serviço de saneamento, 13 anos atrás, e que hoje conta com 100% de fornecimento de água e coleta de esgoto e 80% de tratamento de esgoto. "Além de o município não precisar se endividar para investir em obras, a empresa privada trabalha de modo mais eficiente", diz Dermeval Nevoeiro Júnior, prefeito de Rio Claro. Esse é um dos exemplos de uma nova rodada de investimentos em saneamento com participação da iniciativa privada - o que tende a levar competição a um setor que passou longo tempo estagnado e quase exclusivamente nas mãos de estatais.
De acordo com a Associação Brasileira de Concessionárias de Serviços Públicos de Água e Esgoto, operadores privados deverão investir quase 18 bilhões de reais em obras de saneamento até 2017. Isso fará com que o setor privado passe a administrar concessões que atenderão 30% da população urbana brasileira - ante os 9,6% atuais. O valor é significativo, mas ainda insuficiente para resolver as carências do país nessa área. Calcula-se que sejam necessários 200 bilhões de reais para a universalização dos serviços em 20 anos. No atual ritmo de investimentos, inferior a 2 bilhões de reais ao ano, demoraria um século para que todos os brasileiros ganhassem acesso pleno ao saneamento básico. "Não dá para imaginar que o Brasil consiga universalizar os serviços de água e esgoto sem os investimentos da iniciativa privada", diz Rogério Tavares, superintendente de saneamento da Caixa Econômica Federal, principal fonte de financiamento do setor.
O Brasil padece de índices vergonhosos de saneamento básico. Embora 93% da população urbana tenha acesso à água tratada, menos da metade conta com coleta de esgoto. Para piorar, apenas um terço do material coletado recebe tratamento - número que coloca o Brasil ao lado de países como o Congo, mas bem distante de nações como a Alemanha, que trata 99% dos dejetos. O restante segue diretamente para o mar, rios e córregos ou acaba contaminando lençóis freáticos. A falta de coleta e tratamento provoca doenças infecciosas e parasitárias, especialmente em crianças, elevando os índices de mortalidade. "Para cada 1 real gasto em saneamento, economizam-se 4 reais em saúde", diz Raul Pinho, presidente do instituto Trata Brasil, que estuda os problemas do setor.
Lentamente, esse cenário desolador começa a mudar. Desde 2003, com a criação do Ministério das Cidades, e mais recentemente com o PAC, o saneamento voltou a receber investimentos públicos, o que elevou ligeiramente o acesso de domicílios à rede de esgoto. O grande impulso ao setor, porém, foi dado no início de 2007, com a aprovação da Lei Geral de Saneamento Básico. A lei regulamentou a atividade e acabou com o poder das companhias estaduais, que dominam o setor.
Com a legislação definida, o setor privado voltou novamente seus olhos para os 5 562 municípios brasileiros, especialmente aqueles em que as concessões estaduais estão prestes a vencer. "O novo modelo obriga a ter eficiência; caso contrário, o município poderá substituir o operador do serviço", diz Yves Besse, presidente da associação de concessionárias privadas. Apenas no estado de São Paulo, deverão vencer nos próximos dois anos 129 concessões operadas pela Sabesp, companhia controlada pelo governo estadual que atende 366 municípios. As cidades podem, no vencimento das concessões, fazer uma licitação aberta a todos. Hoje, apenas 23 cidades paulistas têm contratos com empresas privadas e outras 256 contam com serviços municipais. É justamente nessa faixa que se encontra um mar de oportunidades para o setor privado. O grupo Odebrecht, por exemplo, acabou de criar sua empresa de saneamento, que já reúne sete concessões no setor, incluindo as de Rio Claro e Limeira. A companhia analisa 25 municípios que devem abrir licitações para conceder os serviços. "Temos 1,5 bilhão de reais em capital próprio para investir em novas concessões nos próximos três anos", diz Fernando Reis, presidente da Odebrecht Engenharia Ambiental. Quem também tem plano ambicioso no setor é o grupo espanhol OHL. "Para ter uma idéia do nosso potencial em saneamento, é só olhar nossos investimentos em rodovias", diz Paulo Roberto de Oliveira, presidente da OHL Meio Ambiente Brasil. Por ora, a OHL administra 3 226 quilômetros em nove concessões rodoviárias no país, mas é dona de apenas dois contratos de esgoto no interior de São Paulo: em Ribeirão Preto e Mogi Mirim. Este último foi assinado em setembro, em parceria com a Sabesp, e prevê um investimento de 36 milhões de reais para o tratamento, até 2010, de metade do esgoto da cidade de 84 000 habitantes, que hoje lança sem cuidado os dejetos no rio Mogi Mirim. Os planos da OHL no setor incluem conquistar cinco concessões no médio prazo e investir 600 milhões de reais. (Apesar de o investimento privado em saneamento básico ser uma boa notícia, o histórico das relações entre empresas e poder público mostra que esse pode ser um caminho tumultuado. Recentemente, o grupo Odebrecht, juntamente com CBPO e Cliba, foi condenado pela Justiça a devolver 160 milhões de reais aos cofres da prefeitura de São Paulo por irregularidades nos contratos de coleta de lixo. A Odebrecht já anunciou que vai recorrer da decisão.)
A chegada da concorrência cria nova pressão sobre as estatais. "Temos vantagens comparativas, mas as empresas privadas estão com bastante apetite e disposição, o que vai exigir de nós mais eficiência e redução de custos operacionais", diz Gesner de Oliveira, presidente da Sabesp. A competição pode ser também uma oportunidade para as estatais, em particular as mais competitivas. Até a aprovação do novo marco regulatório, as estatais eram proibidas de investir fora de seu território. Isso mudou. A Copasa, de Minas Gerais, atua em 611 municípios e já vislumbra transpor as fronteiras estaduais. "Vamos buscar oportunidades em estados onde há municípios que não estejam bem servidos", diz Ricardo Simões Campos, diretor financeiro da Copasa.
Não é apenas no Brasil que a iniciativa privada engatinha no setor de saneamento. Segundo o escritório de advocacia inglês Pinsent Masons, especialista em projetos na área, no ano passado operadores privados proviam serviços a 706 milhões de pessoas, o que representa apenas 11% da população mundial. Até 2015, a participação deverá ser elevada para 16%. Proveniente de capital privado ou não, a experiência internacional mostra que o saneamento exige investimentos pesados e vigilância permanente da qualidade dos recursos hídricos. O caso do Tâmisa, cartão-postal de Londres, mostra que não se pode vacilar quando o assunto é contaminação de rios. Apesar de o primeiro plano de saneamento de Londres datar do século 19, o Tâmisa foi considerado biologicamente morto há cerca de 50 anos. Foram necessárias então duas décadas para despoluir o rio, onde hoje é possível até pescar. Tudo isso, naturalmente, tem preço. A companhia Thames Water, privatizada em 1989, investe por ano 1,5 bilhão de dólares em projetos de água e esgoto na capital inglesa. A exemplo do que ocorreu em Londres, São Paulo também tenta recuperar o maior rio que corta a cidade. O projeto de despoluição do Tietê já consumiu 3 bilhões de reais e 16 anos em obras e ainda está longe do fim. A terceira fase do plano começará no ano que vem, com conclusão prevista para 2015, e requisitará mais 800 milhões de dólares. Se os peixes voltarem a povoar o rio, como ocorreu em Londres, o dinheiro terá sido bem gasto - e o sucesso poderá estimular ações semelhantes Brasil afora.