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Menos floresta e menos renda na Amazônia

Dados mostram que o modelo ultrapassado de exploração de madeira na Amazônia obrigou a abertura de novos espaços de corte. O volume de produção, porém, caiu

Destruição na Amazônia: há caminhos para a exploração legal de madeira, mas os entraves ainda têm prevalecido | Bruno Kelly/Reuters

Destruição na Amazônia: há caminhos para a exploração legal de madeira, mas os entraves ainda têm prevalecido | Bruno Kelly/Reuters

Há um aparente paradoxo nos dados sobre o mercado de madeira nativa na Amazônia. A produção gerada pela exploração legal diminuiu nos últimos 20 anos. O volume passou de 28 milhões de metros cúbicos por ano para 8,8 milhões de metros cúbicos em 2018. A queda não evitou, no entanto, que outras áreas de floresta fossem derrubadas para que a exploração continuasse nesse período.

As informações inéditas compõem o resultado da primeira pesquisa com ferramenta de big data produzida pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, o Imaflora, e obtida com exclusividade por EXAME. O instituto desenvolveu uma plataforma que cruza e analisa dados de órgãos como o Ibama e de sistemas como o Sisflora, que reúne estatísticas estaduais. A comparação permitiu a publicação de uma informação consolidada que nunca havia sido oficialmente contabilizada.

Há duas conclusões principais. “Entre outros fatores, é possível dizer que mais regulamentação e mais fiscalização da atividade madeireira, quase inexistentes há 20 anos, ajudaram a reduzir a exploração indiscriminada”, diz Leonardo Sobral, gerente de certificação florestal do Imaflora. Vale a ressalva de que não está somado aí o insondável tamanho do mercado de exploração ilegal. A segunda conclusão é uma constatação de que o modelo de exploração usado historicamente não é sustentável.

A extração de madeira sem planejamento tem rendimento médio de um a três anos — depois disso, a reestruturação da mata, quando possível, pode levar até 30 anos, obrigando o produtor a buscar novas áreas. “A atividade madeireira teve de se direcionar para regiões com mata disponível, deixando a periferia da Amazônia para entrar nas áreas mais centrais”, diz Sobral. Se, há 20 anos, o Pará era o estado mais produtivo do setor, gerando 40% do volume de madeira extraída, hoje a liderança é de Mato Grosso, com 53% da produção.

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É curioso notar que há um caminho legal aberto para mudar essa lógica e permitir que a economia avance de mãos dadas com a preservação da floresta. Em 2006, foi sancionada a lei que passou a permitir concessão de florestas públicas para extração de recursos por meio do manejo sustentável. “Na técnica do manejo, faz-se uma catalogação das árvores da região para selecionar rigorosamente quais serão derrubadas”, diz Ricardo Tamanho, consultor e proprietário de duas empresas concessionárias há mais de uma década, a Samise e a Blue Timber Florestal. “Além disso, existem limites mínimos de preservação de espécies, e máximos para a abertura de estradas e clareiras, por exemplo.”

Os contratos podem durar até 35 anos e preveem pagamentos ao poder público sobre a produção em metros cúbicos, sendo o total arrecadado pelos governos dividido entre entidades como o ICMBio e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. Mesmo com as taxas, as concessões são vantajosas para o empresário. “Ao comparar o manejo florestal no sistema de concessão e o manejo em áreas privadas, o preço do produto final é o mesmo”, afirma Tamanho.

Se a solução não é nova, por que o problema persiste? O Brasil tem cerca de 1,5 milhão de hectares de florestas sob concessão, o equivalente a menos de 3% do potencial nacional. Segundo análises do Imaflora, até 25 milhões de hectares de concessões poderiam suprir 100% da produção de madeira atual, sem a necessidade de migrar para outras áreas. Calcula-se que, somando florestas nacionais e estaduais e áreas ainda sem destinação, mas passíveis de concessão, haja entre 50 milhões e 60 milhões de hectares disponíveis para manejo. Se o potencial é enorme, as dificuldades têm se mostrado ainda maiores.

Um dos empecilhos é a própria lei que trouxe apoio jurídico para o modelo de gestão, mas estabelece ritos complicados. “Hoje, o processo de licitação tem três fases, sendo a última a análise financeira”, diz José Humberto Chaves, diretor substituto de concessão florestal e monitoramento do Serviço Florestal Brasileiro. “Uma simples inversão dessas etapas, colocando a parte financeira no início, reduziria o número de concorrentes aventureiros.” A cessão de áreas federais também pode depender de interações complexas com governos estaduais, caso de uma floresta nacional no Amapá cujo acesso depende da abertura de estradas na região.

Há também o entrave da definição da função de áreas sem destinação, que é responsabilidade da Secretaria de Patrimônio da União. “Esperamos agilizar a oferta dessas áreas”, afirma Chaves. “Na medida em que damos valor à floresta por meio do manejo, conseguimos mantê-la de pé e ainda fazemos rodar a economia local.” Um bom negócio para todos: meio ambiente e comunidades.

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