Empresas produzem roupas através sustentabilidade (Catarina Bessell/Exame)
Rodrigo Caetano
Publicado em 24 de junho de 2022 às 06h00.
Última atualização em 1 de julho de 2022 às 19h10.
Em novembro do ano passado, durante a COP26, a Conferência do Clima da ONU, realizada em Glasgow, na Escócia, a fabricante de roupas Malwee lançou o seu Plano ESG 2030. Na primeira versão desse plano, cujo ciclo se encerrou em 2020, os resultados foram expressivos e comemorados pela companhia. Nos últimos cinco anos, o Grupo Malwee reduziu as emissões dos gases do efeito estufa em 75%. O investimento em novos processos produtivos fez com que a Malwee passasse a ter o jeans mais sustentável do país e o consumo de água por peça ficasse 36% menor do que cinco anos atrás. Tão importante quanto os números foi a certeza de ter influenciado a cadeia da moda — motivo de celebração por parte da empresa. “Não adianta ser o mais sustentável sozinho”, afirma Guilherme Weege, CEO do Grupo Malwee.
A empresa tem se lançado em uma série de desafios e investido em tecnologia para tornar a indústria da moda, a segunda que mais polui no mundo, mais amigável ao meio ambiente. Em maio, por exemplo, ela lançou o movimento DES.A.FIO, cuja intenção é promover a moda circular partindo do desenvolvimento de fios feitos de roupas descartadas. A Malwee, inclusive, apresentou seu primeiro moletom feito com esse tipo de matéria-prima. O DES.A.FIO mostra o pioneirismo da Malwee no uso da malha de fio desfibrado de pré-consumo para o pós-consumo, e nasceu de forma colaborativa, como resultado de mais de um ano de pesquisa e desenvolvimento.
Para desenvolver o moletom, a Malwee recolheu peças sem condições de uso em algumas lojas pelo Brasil e do Repassa, maior brechó online do país e um de seus parceiros. O montante de roupas foi encaminhado diretamente para o Grupo EuroFios, empresa especializada na reciclagem e produção de fios sustentáveis (parceira da marca em projetos fabris inovadores e sustentáveis há mais de dez anos) que fez todo o processo de desfibragem e fiação e, junto com a Malwee, criou o “fio do futuro”.
A matéria-prima foi fabricada com 70% de resíduo têxtil pós-consumo e 30% de uma fibra complementar usada para fortalecer a estrutura e a qualidade. O moletom emite 44% menos dióxido de carbono e consome 30% menos água em sua produção. Esse é apenas um exemplo do que Weege chama de moda consciente. “Não fazemos moda descartável”, diz ele. “Esse movimento de conscientização tem de partir das empresas; caso contrário, as mudanças não acontecem na velocidade adequada.”
Pensar o negócio dessa forma também ajuda nos resultados. O jeans sem água desenvolvido pela empresa era caro no início, mas hoje o processo é mais barato do que o tradicional. O uso de ozônio e laser substitui a lavagem na confecção dos detalhes de cada peça produzida pela empresa. O fio feito à base de peças usadas deve seguir o mesmo caminho sustentável. Foram dois anos de estudos até chegar a uma gramatura adequada para produzir uma peça de roupa de qualidade. E vem mais por aí. Weege afirma que a empresa está testando um tingimento natural feito com amoras e um amaciante de roupas produzido com cupuaçu. “Nosso negócio é pura inovação”, garante o CEO.
Apenas 2% das roupas e calçados com as marcas da Arezzo&Co, que incluem a Reserva, não são fabricados no Brasil. “Importamos somente o que realmente não dá para fazer aqui”, afirma Suelen Joner, líder de sustentabilidade da empresa. No setor de calçados, toda a produção está concentrada em um raio de 30 quilômetros, e alguns dos parceiros estão juntos da empresa há mais de 30 anos.
As vantagens de produzir localmente e de ter parceiros de longa data ficaram evidentes durante a pandemia. O fechamento das fábricas na China provocou escassez de produtos. Marcas que dependiam de importação tiveram dificuldade para repor produtos e perderam vendas. Na Arezzo, a preocupação era outra. “Nossos fornecedores sofreram muito assédio de concorrentes brasileiros e estrangeiros”, diz Joner.
Os relacionamentos de longo prazo, no entanto, garantiram a fidelidade, e a empresa registrou seu melhor resultado na história em 2021. Isso prova que gerar valor para toda a cadeia é uma vantagem competitiva. “Pensar ESG dá resultado”, diz a executiva.
Essa forma de atuar também vai ajudar a Arezzo a superar alguns desafios que tem pela frente. O maior deles é a neutralidade em carbono — a empresa vai apresentar suas metas à Science Based Targets initiative (SBTi) neste ano. Praticamente todas as suas emissões estão no escopo 3, que compreende o carbono emitido fora da companhia, por clientes, fornecedores e parceiros. “Vamos precisar trabalhar com a cadeia”, diz Joner. As ações já começaram. Neste ano, a Arezzo passou a usar caminhões elétricos na logística.
A varejista de moda Lojas Renner encerrou 2021 com 81,3% de seus produtos feitos tendo como base matérias-primas de menor impacto, como algodão e viscose certificados, poliamida biodegradável, fio reciclado, entre outros. Isso também inclui processos de produção mais amigáveis ao meio ambiente, com menor consumo de água, tingimento natural e upcycling, quando peças usadas são reinseridas na cadeia de produção. No caso do algodão certificado, ele representa 99,15% de tudo o que a empresa utilizou no ano. Toda a cadeia de fornecedores de produtos têxteis possui certificação socioambiental.
Em relação a 2017, a Renner reduziu em 35,4% suas emissões, e todo seu consumo de energia, incluindo prédios administrativos, lojas e centros de distribuição, é proveniente de fontes renováveis. Os números mostram o resultado do primeiro ciclo de metas ESG da empresa, estabelecido em 2018. Todas foram superadas.
“Quando falamos em mudança de cultura, nos colocamos como agentes de transformação”, afirma Eduardo Ferlauto, gerente-geral de sustentabilidade da Renner. “Construímos uma lógica de desenvolvimento de toda a cadeia, que nos permitiu protagonizar as mudanças.” E o esforço é reconhecido. A última edição do Índice Dow Jones de Sustentabilidade reconheceu a Lojas Renner como a varejista com a maior pontuação no mundo, com 80 pontos. Outro marco recente é o projeto que resultou na inauguração das duas primeiras lojas circulares do varejo brasileiro, no Rio de Janeiro. O novo modelo de operação foi desenhado partindo das premissas de circularidade para diminuir ao máximo o impacto ambiental desde a concepção até a operação.
Veja também: