Petrobras: o fundo de pensão da empresa está no vermelho (Divulgação/Petrobras)
Da Redação
Publicado em 31 de outubro de 2015 às 04h56.
São Paulo — Um grupo de funcionários da estatal de energia Celesc, de Santa Catarina, mantém, há alguns anos, um blog em que são postadas notícias sobre reajustes salariais, festas da empresa, movimentos sindicais. Nos últimos meses, porém, o tema que domina os fóruns de discussão são os problemas da Celos, fundação que cuida do fundo de pensão dos empregados. A coisa está feia por lá.
Um funcionário chegou a convocar os colegas a fazer uma novena para Santo Expedito (aquele das causas urgentes) “para a fundação ter caixa para bancar as aposentadorias”. O fundo, que acumula déficit de 337 milhões de reais, obrigou os participantes a aumentar 9% a contribuição ao plano até setembro de 2016 para tentar sair do vermelho (e a empresa vai fazer um aporte da metade do valor).
Se não funcionar — e há mesmo o risco de que não funcione, porque a rentabilidade do fundo de janeiro a agosto deste ano é de apenas 2,6%, enquanto a inflação foi de 7,6% —, o fundo pode pedir mais dinheiro aos empregados. O mais preocupante é que a Celos não é, nem de longe, a única fundação com problemas. Há dezenas delas com déficit.
Isso significa que funcionários e empresas, muitas delas estatais, poderão ser obrigados a coçar o bolso para salvar suas aposentadorias — sem garantia de que conseguirão salvá-las. Os fundos de pensão têm déficit quando seu rendimento fica abaixo da meta de rentabilidade prometida aos investidores. Esse é um problema dos fundos que determinam o reajuste que as aposentadorias terão no futuro.
Em geral, são planos antigos, mas que ainda respondem por mais da metade dos recursos desse setor (nos fundos mais recentes, o valor das aposentadorias depende do resultado dos investimentos). Pelas regras do Ministério da Previdência, os fundos de pensão não podem ter déficit por três anos consecutivos.
Quando isso acontece, precisam cobrir o buraco no quarto ano, e o mais comum é que o ajuste seja feito por meio do aumento das contribuições dos funcionários e de um aporte de recursos da empresa. Um levantamento feito a pedido de EXAME pela consultoria financeira Aditus com 60 fundações mostra que 97% dos fundos que elas administram estão no vermelho há três anos.
O Ministério da Previdência também determina que os fundos não podem ter déficit superior a 10% num único ano — e devem fazer ajustes quando isso ocorre. Somados os problemas, o déficit dos fundos de pensão chega a 46 bilhões de reais, segundo a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).
Estimativas de especialistas e executivos do setor ouvidos por EXAME indicam que as fundações terão de levantar recursos para cobrir 40% desse total — ou cerca de 20 bilhões de reais — já em 2016. Cerca de 700 000 trabalhadores têm contas em fundos com problemas.
Além da Celos, da Celesc, outras fundações estão fazendo ajustes. Entre as 15 maiores do país, apenas cinco estão com as contas em ordem neste ano — incluindo a Previ, do Banco do Brasil, e a Valia, da mineradora Vale. A Postalis, dos Correios, passou a cobrar dos participantes neste ano, e a Petros, da Petrobras, pode cobrar no ano que vem.
Correios e Petrobras podem ter de fazer novos aportes nos planos. A Funcef, dos funcionários da Caixa Econômica Federal, tem déficit de 5 bilhões de reais e vai apresentar em dezembro um plano para equacionar as contas. O plano prevê que o banco e os funcionários terão de colocar mais dinheiro no plano a partir de 2016.
Segundo a Funcef, “serão contribuições extraordinárias devido ao encrudescimento na crise”. A Fapes, dos funcionários do BNDES, teve déficit de 1,2 bilhão de reais em 2014 — o banco deveria fazer um aporte no fundo neste ano, mas o valor está sendo questionado pelo Ministério do Planejamento, responsável pelo BNDES.
O indicador mais usado por fundações e consultorias para medir o equilíbrio financeiro dos planos é o índice de solvência, que calcula a relação entre o déficit atual dos fundos e seu patrimônio. Hoje, ele está no pior patamar desde o início da década de 90, mas ainda na casa de 90%. Existem diferenças importantes entre a situação atual e a de 20 anos atrás.
Naquela época, as perdas dos fundos foram causadas, principalmente, pela gestão precária e por fraudes e desvios de recursos. Hoje, há fundações sendo investigadas por irregularidades — caso da Postalis e da Serpros, empresa vinculada ao Ministério da Fazenda —, mas elas são minoria. A dificuldade de cumprir as metas se deve, basicamente, à situação caótica da economia.
Como as metas de rentabilidade dos fundos são atreladas à inflação, a disparada dos preços aumentou o rendimento que eles precisam entregar. Em tese, faz sentido, porque isso preserva o poder de compra dos aposentados. O problema é que as metas foram fixadas numa época em que os juros reais (aqueles que excedem a taxa de inflação) eram altíssimos.
Com isso, os fundos precisam obter neste ano um retorno médio de 15%, que é a soma da variação de um índice de preço (IPCA ou INPC) mais 5% ou 6%, dependendo do que está escrito no estatuto do fundo. Poderia ser fácil alcançar essa meta — atualmente, há títulos públicos que pagam entre 7% e 8% ao ano acima do IPCA.
Mas as fundações não têm apenas esses papéis na carteira, já que seria arriscado demais apostar tanto numa coisa só. “Elas precisam de liquidez para pagar as aposentadorias, então devem fazer aplicações de prazo mais curto, que rendem menos. Além disso, há o estoque de títulos públicos antigos, com rendimentos mais baixos”, diz Guilherme Benites, sócio da Aditus.
Algumas fundações argumentam que o déficit atual não ameaça sua capacidade de pagar as aposentadorias porque seus compromissos são de longo prazo — e que, portanto, têm tempo para ajustar as contas. “Os fundos de pensão trabalham com visão de longo prazo, mas são regulados por legislação de curto prazo”, diz a Petros em nota enviada a EXAME.
A fundação afirma que, mesmo com o déficit do ano passado, tem condições de pagar as pensões por mais de 30 anos. Situações como a da Petros levaram a Abrapp a pedir uma mudança na regulação do setor. A associação quer que o ministério considere o prazo médio do pagamento das aposentadorias ao exigir que os fundos façam ajustes em suas contas.
Com isso, só seriam consideradas deficitárias as fundações que efetivamente não tiverem dinheiro para pagar as pensões. “Isso evita que empresas e funcionários tenham de colocar mais recursos em fundos que têm condições de honrar seus pagamentos, mas estão com resultados ruins porque o mercado está complicado”, diz José Ribeiro Neto, presidente da Abrapp.
A expectativa da associação é que a mudança seja votada no Conselho Nacional de Previdência Complementar, presidido pelo Ministério da Previdência, em novembro. Mas fontes do ministério dizem que o assunto não está em pauta (o ministério não deu entrevista).
A maioria dos especialistas do setor é favorável à mudança — desde que ela permita que os reguladores detectem os problemas nos fundos a tempo de eles serem resolvidos. Um caso recente mostra a importância desses ajustes para o futuro dos fundos. Depois de quase quebrar em 2003, a fundação Capef, dos funcionários do Banco do Nordeste, reviu regras e investimentos.
Reduziu as aplicações em ações, passou a comprar mais títulos públicos e, com a aprovação dos participantes do plano, condicionou os reajustes dos benefícios ao retorno obtido. “Temos mais aposentados do que participantes em fase de contribuição, por isso as mudanças eram necessárias”, diz José Danilo Nascimento, diretor de investimentos da Capef.
Não é o melhor dos mundos para os funcionários, que tiveram de abrir mão de parte da rentabilidade prometida pelo fundo. Mas, pelo menos, eles não tiveram de pedir ajuda a nenhum santo.