Revista Exame

Comprar roupas virtuais? Grifes e estilitas levam a moda ao Metaverso

Cada vez mais grifes e estilistas estão apostando no metaverso para revolucionar a maneira como nos vestimos

Avatar da atriz Maisie Williams, a Arya de Game of Thrones: ação virtual da varejista sueca H&M (Divulgação/Divulgação)

Avatar da atriz Maisie Williams, a Arya de Game of Thrones: ação virtual da varejista sueca H&M (Divulgação/Divulgação)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 12 de dezembro de 2022 às 06h00.

Uma pesquisa do cartão de crédito do banco Barclays, com sede em Londres, constatou que um em cada dez consumidores ingleses compra roupas só para se fotografar com elas para as redes sociais ­— publicados os posts, as peças são imediatamente devolvidas para as lojas. Uma das três fundadoras da The Fabricant, a carioca Adriana Hoppenbrouwer-Pereira costuma recorrer ao levantamento para justificar a razão de ser da grife holandesa — a primeira, de que se tem notícia, que confecciona somente roupas digitais. “Todo mundo utiliza, na prática, apenas 30% do próprio guarda-roupa”, sustenta ela. “Os outros 70% são usados uma única vez e olhe lá.”

E as peças virtuais com isso? “Ninguém compra roupas só em razão da funcionalidade delas; compra para expressar a própria identidade”, argumenta Adriana, que exerce o cargo de CMO da marca. “Hoje, no entanto, expressamos nossa identidade e criamos laços sociais cada vez mais no universo virtual, seja por meio do Instagram, seja por qualquer outra rede social.” Seguindo esse raciocínio, a moda física como meio de expressão estaria com os dias contados. “Dispor de uma coleção digital é muito melhor do que ter um monte de vestimentas no guarda-roupa que nunca são usadas”, defende ela. “Ajuda, por sinal, a diminuir o impacto da moda no meio ambiente”.

Sim, as peças confeccionadas pela The Fabricant são destinadas a avatares. “Em algum momento todo mundo vai ter o seu”, aposta Adriana, lembrando, com razão, que atualmente ninguém se apresenta realmente como é nas redes sociais. “No futuro, provavelmente, veremos hologramas por toda parte, que facilitarão a união do mundo real com o virtual e tornarão as roupas digitais mais populares.”

Look da marca The Fabricant: criatividade além do tecido (Divulgação/Divulgação)

Em seguida, ela diz que provavelmente teria optado por um vestido vermelho radiante para conversar com a EXAME CEO — caso a entrevista fosse realizada por meio de avatares. Para a chamada de vídeo agendada para esta reportagem, ela optou por um look básico com direito a um sóbrio suéter preto. Se as roupas digitais decolarem, supõe a CMO, todo mundo deverá se vestir — no mundo real, veja bem — praticamente só com peças discretas e bem confortáveis. “Foi como nos vestimos na quarentena, não foi?”, argumenta. “Ninguém precisa de mais do que isso no dia a dia.”  

Adriana fundou a The Fabricant em 2018, ao lado de Amber Jae Slooten, a diretora criativa da grife, e Kerry Murphy, que exerce o cargo de CEO. Egresso do mercado de filmes publicitários, Murphy trabalhou para companhias como Facebook, Nike, Asics, Under Armour, Philips e PlayStation. “Para mudar os aspectos ambientais e culturais tóxicos da moda, precisamos mudar a experiência”, defende ele. “A moda apenas digital oferece novas e muitas oportunidades para isso.”

Amber graduou-se no Instituto de Moda de Amsterdã, cidade onde fica o QG da grife. Foi a primeira a obter um diploma na instituição apresentando uma coleção inteiramente virtual. “O mundo digital abre espaço para uma nova onda de criatividade com materiais que vão além do tecido”, afirma ela, citando, como exemplo, água, fumaça e luzes. “Talvez você quisesse estar em chamas o dia todo”, divaga ela, em seguida. Formada em administração de empresas pela UFRJ, Adriana cursou MBA na Universidade de Cranfield, na Inglaterra, e trabalhou para gigantes como Nike e Coca-Cola.

O trio resolveu empreender em conjunto depois de se dar conta de que várias indústrias que são sinônimo de criatividade — do cinema à fotografia — já apostavam, sem nenhum pé atrás, na digitalização. Não era o caso da moda. “No começo, todo mundo achava a gente meio maluco e não entendia nada do que estávamos propondo”, recorda Adriana. Faz sentido. 

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Em meados de 2019 a grife foi procurada pela Dapper Labs. Trata-se da fabricante de um dos primeiros games que se valem da tecnologia blockchain, o CryptoKitties — os NFTs desses bichanos virtuais estão à venda por até 1.000 ethereuns, o equivalente a mais de 6 milhões de reais. Para a companhia, a The Fabricant confeccionou um vestido digital protegido pela tecnologia blockchain, um feito inédito. Batizado de Iridescence, foi leiloado por 9.500 dólares. Ele ganhou uma versão física que ajudou a promovê-lo — quem o veste nas fotografias de divulgação é a artista visual francesa Johanna Jaskowska.

Além de criar vestimentas digitais para grifes tradicionais, a marca holandesa dispõe de uma plataforma onde qualquer estilista pode promover roupas digitais e comercializar os NFTs atrelados a elas. Também há um marketplace, no qual dá para arrematar por 84,68 dólares, por exemplo, um look digital inspirado no visual da Lara Croft — um dos trajes assinados pela The Fabricant custa mais de 87.000 dólares.

“Com o NFT, a relação entre as grifes de moda e os consumidores muda completamente”, afirma Adriana. “Eles passam a torcer pela valorização das peças digitais que adquiriram, pois, no futuro, poderão vendê-las por preços bem superiores.” Hoje com 45 funcionários, a The Fabricant captou 14 milhões de dólares com investidores nas duas primeiras rodadas (seed e série A). Para 2025, a marca se impôs a meta de vestir 100 milhões de pessoas — ou melhor, avatares.

A moda parece estar se aproximando do metaverso com o mesmo ímpeto que as artes plásticas — e, assim como elas, deixando muita gente sem entender nada. Em abril do ano passado, quando a maioria das pessoas não fazia ideia do que era um NFT — sigla em inglês para token não fungível —, Everydays: The First 5000 Days, do Beeple, virou a terceira obra de arte mais cara já vendida por um artista vivo. Só é superada por Portrait of an Artist (Pool with Two Figures), de David Hockney, e Rabbit, de Jeff Koons. Todas foram leiloadas pela Christie’s. A de Beeple, por 69,3 milhões de dólares, o equivalente a 358 milhões de reais; a de Hockney, por 90,3 milhões de dólares; e a outra, por 91 milhões de dólares. 

A grife italiana Dolce & Gabbana: venda de NFTs de nove peças por cerca de 6 milhões de dólares (Divulgação/Divulgação)

Everydays: The First 5000 Days é uma série de composições digitais que o americano Mike Winkelmann, o Beeple, fez e compartilhou diariamente, por meio de seu blog e também no Facebook, no Twitter e no Instagram. As imagens costumam mesclar uma atmosfera de HQs, personagens da Disney, personalidades reais e situações futuristas ou apocalípticas, não raro de gosto duvidoso. Uma delas mostra Joe Biden, nu, urinando em Donald Trump. Não à toa, Beeple denomina tudo que produz como crap (“porcaria”). Quem comprou sua obra foi um fundo focado em criptoativos chamado Metapurse. “Essa vai ser uma peça de 1 bilhão de dólares algum dia”, disse, após a venda, um dos operadores do fundo ao site Artnet. “Tem potencial para ser a obra de arte desta geração.”

Se a moda fará barulho parecido no metaverso ainda é um mistério. Em setembro do ano passado, a Dolce & Gabbana vendeu NFTs de nove peças por cerca de 6 milhões de dólares no total. Cinco itens ganharam versões físicas: os vestidos, o terno masculino verde-esmeralda e as duas coroas. A tiara e as três jaquetas, chamativas e estampadas como a maioria das peças da grife, existem só no metaverso. 

O que se sabe é que quase nenhuma marca quer ficar de fora dessa onda. A H&M lançou a primeira coleção de moda virtual em colaboração com a atriz Maisie Williams, a Arya de Game of Thrones. Foram três roupas projetadas digitalmente disponíveis para três vencedores de um concurso de moda virtual. A varejista sueca também lançou um showroom virtual para o lançamento de campanhas. 

Nas mãos da Arezzo&Co desde outubro de 2020, a Reserva também caminha em direção ao metaverso. A grife carioca até montou uma divisão só para tratar do tema, a Reserva X, na ativa desde 2021. Em março deste ano, veio ao mundo a primeira coleção de NFTs da marca. É composta de seis versões do chamado Pistol Bird, ou “pássaro pistola”, que remete ao logotipo da Reserva. Cada variação ganhou 83 unidades, vendidas inicialmente por cerca de 750 reais cada uma (o equivalente a 0,125 ethereum). “Comercializamos tudo em 12 horas”, conta com orgulho Pedro Cardoso, diretor de marketing digital e inovação da Reserva.

Ambiente virtual da H&M: showroom para o lançamento de campanhas pode ser acessado de qualquer lugar do mundo (Divulgação/Divulgação)

Atualmente, na plataforma OpenSea, a unidade mais em conta da coleção está à venda por aproximadamente 1.600 reais. “Raros NFTs valorizaram nos últimos meses, que foram classificados como ‘inverno cripto’”, completa o executivo. Uma miniatura do personagem foi despachada para a casa de cada um dos compradores, que também ganharam um moletom exclusivo com capuz e acesso ao clube de vantagens da marca, entre outros mimos.

Como cada transação de NFT, assim como a mineração de ethereuns e companhia, implica emissão de carbono, a pegada atribuída à criação da coleção foi compensada pela Reserva. E parte da receita adquirida com a iniciativa foi revertida para a ONG Banco de Alimentos.

Duas novas levas do Pistol Bird deverão ser anunciadas em breve, uma delas em parceria com o skatista Bob Burnquist e a outra em homenagem a um dos times da série A do Brasileirão. “Enxergamos os NFTs como ferramentas para criar vínculos inovadores com a nossa clientela”, resume Cardoso. “Inovar é fundamental para a sobrevivência da marca no longo prazo.”

Em meados de dezembro, a Reserva vai lançar seus primeiros sneakers digitais. Ou melhor, phygitais. Serão quatro modelos, cada um deles com apenas 181 unidades, numeradas, e uma versão física e outra virtual — a coleção ganhou o nome de Spriz. Os calçados propriamente ditos serão confeccionados conforme os NFTs forem adquiridos — em respeito à numeração do pé de cada um dos compradores. Estes poderão requisitar a versão física quanto antes ou mantê-la intacta, sob os cuidados da grife, por até sete anos. “Durante esse tempo, esses tênis vão valorizar da mesma forma que os NFTs”, acredita Cardoso. Os preços ainda não foram divulgados.

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