Revista Exame

Encontro entre Merkel e Macron marca mudança de 180º na política

Num encontro simbólico em Berlim, Angela Merkel e Emmanuel Macron dão ânimo ao projeto da União Europeia — pelo menos até uma nova ameaça da extrema direita

Emmanuel Macron e Angela Merkel: o futuro da Europa depende do desempenho do novo governo francês (Fabrizio Bensch/Reuters)

Emmanuel Macron e Angela Merkel: o futuro da Europa depende do desempenho do novo governo francês (Fabrizio Bensch/Reuters)

RS

Raphaela Sereno

Publicado em 20 de maio de 2017 às 05h55.

Última atualização em 20 de maio de 2017 às 05h55.

São Paulo — O simbolismo não podia ter sido maior. Pouco mais de 24 horas depois de tomar posse, Emmanuel Macron, o jovem presidente francês, viajou a Berlim para um encontro com Angela Merkel, a chanceler alemã. Se alguém ainda duvidava, ficou claro que Merkel tem agora ao seu lado o representante de uma grande potência europeia, com a força que só as urnas podem conceder, disposto a lutar pelos mesmos ideais que ela.

A grande líder do mundo livre, apelido que Merkel ganhou após a eleição do populista Donald Trump nos Estados Unidos, não está mais sozinha tanto no rechaço aos extremistas como na defesa da União Europeia. “A Alemanha só vai ter êxito no longo prazo se a Europa for bem. E a Europa só vai se sair bem se tiver uma França forte ao seu lado”, disse Merkel, que não conseguia esconder o sorriso, com Macron a poucos metros. “Precisamos de mais pragmatismo, de menos burocracia e de uma Europa que proteja seus cidadãos”, disse o novo presidente francês.

O encontro aumentou as especulações sobre a chance de sucesso da proposta de reforma da União Europeia defendida pela Alemanha. A ideia central é que os países do bloco possam aderir a diferentes níveis de integração — do mais para o menos integrado. Os espanhóis e os italianos já demonstraram apoio à mudança. Se adotada, a medida permitiria que alguns países mais alinhados aderissem a mais regras e políticas comuns. Enquanto isso, outros países mais periféricos, se quisessem, ficariam de fora de determinados acordos. Macron, pelo que disse até agora, parece favorável à integração com diferentes velocidades.

O encontro entre Merkel e Macron em Berlim marcou uma mudança de 180 graus na cena política. Em questão de dias, o medo do fim da União Europeia com a saída da França em uma eventual vitória da ultradireitista Marine Le Pen deu lugar a uma discussão sobre como melhorar os mecanismos de integração do bloco. Depois da crise desencadeada pelo referendo que decidiu pela saída do Reino Unido do bloco, em junho de 2016, era tudo o que os defensores da União Europeia queriam ver e ouvir.

Diante da ameaça populista que ronda o poder no continente, esses encontros e discursos ganham em importância porque marcam a vitória dos campos mais moderados da sociedade. Mas, para transformar simbolismos e palavras em algo palpável, Macron terá de trilhar um difícil caminho. Precisa, acima de tudo, convencer os franceses de que é capaz de reformar a economia para reduzir a taxa de desemprego — hoje, de 10%, acima da média do bloco — e acelerar o ritmo de crescimento econômico, que patina na casa do 1%. Se atingir esses objetivos, garantirá o apoio popular necessário para dissipar a ideia, predominante entre os eleitores da extrema direita, de que a relação com a União Europeia é um obstáculo para o crescimento da economia.

O novo presidente vai enfrentar seu primeiro teste em menos de um mês. Nos dias 11 e 18 de junho, a França vai realizar eleições legislativas. Macron é sustentado por um movimento político ainda pequeno — La République En Marche (“A República em frente”). Tão pequeno que o novo presidente, logo após a posse, escolheu como primeiro-ministro Edouard Philippe, prefeito da cidade de Le Havre e um político de outro partido — da ala moderada do Republicano, de direita.

“Macron ganhou um aval dos eleitores contrários às ideias antieuropeias e tem o capital político a seu favor”, afirma Alain Gentot, cientista político e professor no Instituto de Estudos Políticos de Paris. “Mas, para conseguir implementar as reformas prometidas, precisa ampliar a presença de seu partido no Parlamento.”

Mesmo com a vitória do centro na França, a ameaça da ultradireita continua forte em outras partes da Europa. Em dezembro, Norbert Hofer, candidato do nacionalista Partido da Liberdade, que pretendia liderar a saída da Áustria da União Europeia, obteve quase 47% dos votos nas eleições presidenciais. No final, acabou perdendo para o ecologista Alexander van der Bellen. Perdeu mas continua forte. Hoje o Partido da Liberdade lidera as pesquisas eleitorais para as próximas eleições parlamentares, que podem ocorrer ainda neste ano. O holandês Geert Wilders — um radical a favor da saída da Holanda da União Europeia — esteve a ponto de se tornar premiê nas eleições de março. Não levou, mas seu partido continua vigoroso.

Foi o segundo mais votado nas eleições legislativas. Na Itália, quarta economia europeia, a derrota do ex-chefe de governo, Matteo Renzi, em um referendo constitucional ampliou o cacife político de nacionalistas como Beppe Grillo e Matteo Salvini, reforçando as posições antieuropeias para as próximas eleições, que deverão ocorrer até o começo de 2018.

A Alemanha, principal pilar do bloco europeu, assiste com preocupação ao crescimento do movimento de extrema direita Alternativa para a Alemanha às vésperas das eleições federais de setembro. “O efeito dominó do nacionalismo que varreria a Europa acabou não se confirmando. Mas isso não significa que o risco ao projeto de integração europeia não continue alto”, diz Carlos Malamud, pesquisador e analista sênior do Real Instituto Elcano, com sede em Madri.

Um dos principais estudiosos da política europeia, o historiador britânico Timothy Garton Ash concorda que ainda é cedo para celebrar as derrotas da extrema direita. Ele lembra que o partido da candidata Marine Le Pen duplicou sua votação desde 2002, quando o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, também chegou ao segundo turno na eleição presidencial. “Embora Macron seja um entusiasta de uma reforma que torne o sistema europeu mais eficaz, as decisões sobre esse tema não dependem apenas dele”, diz.

Um desafio para esvaziar a agenda da extrema direita será lidar com a crescente ameaça terrorista na Europa. Nos últimos dois anos, a França sofreu 15 atentados, com mais de 200 mortos. Não só na França, mas por toda a Europa se amplia o sentimento de que o pouco rigor do bloco para conter a crescente chegada de estrangeiros ilegais tem favorecido a ação de grupos terroristas islâmicos.

Durante a campanha eleitoral, Macron prometeu ampliar em mais 10 000 postos o atual efetivo da polícia nacional, além de melhorar os organismos de inteligência e prevenção de delitos. Mas ele vê como inevitável a chegada de mais imigrantes e acredita que também seja necessário reforçar as políticas de amparo econômico aos refugiados e aos estudantes estrangeiros. “Nas próximas décadas, a imigração com origem em conflitos geopolíticos continuará a acontecer. A França não será capaz de detê-la”, disse ele num comício antes do primeiro turno. Em sua visão, trabalhar em conjunto com os demais países europeus continua sendo o melhor caminho para solucionar os problemas da região. Parece um discurso de Angela Merkel? Agora eles são dois.

Acompanhe tudo sobre:Emmanuel MacronFrançaPolíticaTerroristas

Mais de Revista Exame

Melhores do ESG: os destaques do ano em energia

ESG na essência

Melhores do ESG: os destaques do ano em telecomunicações, tecnologia e mídia

O "zap" mundo afora: empresa que automatiza mensagens em apps avança com aquisições fora do Brasil

Mais na Exame