O chef Gabriel Broide, na horta do hotel Botanique, entre São Paulo e Minas: expedições nas matas locais com os hóspedes (Botanique/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 12 de setembro de 2019 às 05h24.
Última atualização em 12 de setembro de 2019 às 10h46.
Quando Gabriel Broide conta que se embrenha no mato duas vezes por semana atrás de auricularia, beldroega, serralha e vinagreira, costuma notar um ponto de interrogação no rosto do interlocutor. Explicar que vários ingredientes usados no Mina são encontrados nos arredores faz parte das atribuições do chef. Suas expedições começam de manhãzinha e duram quase 2 horas. Às vezes tem a companhia dos clientes para quem vai cozinhar em seguida. E não raramente precisa repetir diversas vezes que os itens colhidos não são nocivos nem intragáveis, e sim cogumelos comestíveis ou plantas alimentícias não convencionais, as chamadas pancs.
O Mina é o restaurante do hotel Botanique, com diárias que iniciam em 1.610 reais. Na divisa de São Paulo com Minas Gerais, está inserido em um terreno de 80.000 metros quadrados que se espalha por três municípios. Duas das 11 vilas estão situadas em São Bento do Sapucaí. As outras e os seis quartos, além da sede, ficam em Campos do Jordão. Já a piscina e as trilhas se encontram em Santo Antônio do Pinhal. Ricardo Semler, dono do grupo Semco, e sua mulher, Fernanda Ralston Semler, detêm 70% do negócio, que pertence ainda a David Cole, fundador da AOL, e Gordon Roddick, criador da The Body Shop.
A prática de servir itens encontrados na natureza tem um nome em inglês: foraging. “A prática permite trabalhar com gostos exclusivos da região”, diz o chef Broide, de 37 anos. “Servir trufas e foie gras dá para fazer em qualquer canto.” A prática tem a ver com a sustentabilidade. Fernanda diz tratar 100% da água gasta antes de devolvê-la à natureza e empregar 70 funcionários da região, de um total de 75. A maioria das hortaliças consumidas sai de uma horta com 350 canteiros. Com exceção de carnes e pescados, os ingredientes vêm de produtores locais. Os itens recolhidos no mato viram acompanhamentos ou temperos nas receitas dos menus-degustação, com seis (290 reais) ou nove etapas (330). No cardápio estão receitas como peixe empanado no fubá guarnecido de couve, arroz vermelho, vinagrete e emulsão de limão-cravo (105 reais).
Outro hotel brasileiro que adota sistema parecido é o Unique Garden, em Mairiporã, no interior de São Paulo. A maioria dos alimentos servidos nos quatro restaurantes do complexo é produzida em canteiros ao ar livre e em oito estufas e pode ser colhida pelos hóspedes. No Tuju, em São Paulo, com duas estrelas Michelin, todas as 350 espécies de folhas e pancs usadas pelo chef Ivan Ralston saem da horta do restaurante — a diferença é que os clientes não precisam se embrenhar no mato. Rafael Costa e Silva, dono do Lasai, no Rio de Janeiro, com uma estrela Michelin, montou duas hortas, uma em Itanhangá, na zona oeste do Rio, e outra na região de Petrópolis, para produzir as hortaliças servidas em seu restaurante.
Quem não vê sofisticação no foraging talvez desconheça um de seus maiores defensores. Estamos falando de René Redzepi, chef do Noma, em Copenhague, o número 1 em quatro edições do ranking The World’s 50 Best Restaurants. Reaberto em 2018 depois de ficar três anos fechado, serve só menus-degustação baseados em ingredientes achados nos arredores. Em 2017, Redzepi anunciou o Vild Mad, um aplicativo que ajuda a encontrar a própria comida na natureza. “E se nossas crianças pudessem colher alimentos no parque da mesma forma que pegam sucrilhos no mercado?”, questionou. Há pouco, o hotel Four Seasons de Washington entrou na onda. Na companhia do chef Drew Adams, que comanda o Bourbon Steak, hóspedes e clientes exploram as ruas da cidade procurando o que comer. Realmente a gastronomia não é mais a mesma.
A aposentadoria do mais influente crítico de vinhos deve favorecer rótulos leves e com menos álcool
Uma charge do jornal britânico Daily Mail resume a esmagadora influência de Robert Parker. Em uma degustação de vinhos, um senhor de gravata-borboleta e cara de empáfia calça sapatos gigantescos. “They’re Robert Parker’s shoes”, diz. Semanas depois de o americano de 72 anos anunciar sua aposentadoria do The Wine Advocate, boletim bimestral controlado por investidores de Singapura desde 2012 e hoje tocado por outros críticos, a sátira perde o sentido.
À frente da publicação que criou em 1978, quando ganhava a vida como advogado, Parker reinou como o maior crítico de vinhos nos últimos 30 anos. Radicado em Baltimore, foi o primeiro a exaltar a safra de 1982 dos tintos de Bordeaux. O sistema de pontos que inventou, principal referência do mercado, nasceu da percepção de que várias vinícolas não se esforçam para lançar produtos que honrem a reputação delas e que muitos críticos deixam barato por atuar como consultores.
Parker chegou a avaliar mais de 10.000 rótulos por ano. Os com menos de 59 pontos (de 0 a 100) são considerados intragáveis. Replicado por várias publicações, o sistema agora é posto na balança. “Precisamos de um modelo que ajude os consumidores a fazer as próprias escolhas”, escreveu Eric Asimov, crítico do New York Times.
“Atribuir uma pontuação a uma bebida que continuará a evoluir por até dez anos ou mais é como fotografar um maratonista”, disse Parker a respeito de seu próprio sistema. Os detratores ignoraram a ressalva. Ao biografá-lo em O Imperador do Vinho, a jornalista Elin McCoy expressou preocupação com um mundo dominado pela “tirania de um paladar”. As críticas se devem ao fato de incontáveis vinícolas terem se adequado ao gosto de Parker por vinhos encorpados, frutados e com bastante álcool. “São vinhos mais fáceis de beber e que devem continuar em alta”, diz José Luiz Alvim Borges, diretor da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo. No médio prazo, vinhos com corpo mais leve e taninos mais delicados, como os tintos da Borgonha, tendem a ganhar os holofotes. “Desses, Parker admitia não gostar”, diz Borges.