Rio selvagem e floresta canadense: assim como o Canadá, o Brasil pode usar seu patrimônio natural e humano para exportar tecnologias limpas | Pierre Longnus/GETTY IMAGES
Da Redação
Publicado em 6 de junho de 2019 às 05h34.
Última atualização em 25 de junho de 2019 às 15h30.
“Alguns países já entenderam que pode ser vantajoso aproveitar a onda de transformação da economia global para enfrentar as mudanças climáticas. Estão se preparando para ser os líderes globais da gigantesca mudança em curso. Essa posição de liderança não cai do céu. Nem brota organicamente da espontânea dinâmica do mercado interno de inovação e empreendedorismo. É preciso cuidar dela. Isso significa que os governos desses países estão adotando políticas consistentes para incentivar o desenvolvimento de setores com empresas e tecnologias limpas com potencial para atender o mercado interno e competir globalmente.
O Canadá enxergou uma chance para se posicionar como protagonista global no mercado de produtos e serviços limpos. Apesar das diferenças de desenvolvimento econômico, o potencial ambiental dele é muito parecido com o nosso. Assim como o Brasil, o Canadá é rico em florestas, água, fontes de energia limpa, minérios, povos indígenas, território e diversidade humana. A forma como os canadenses aproveitam o patrimônio natural para estimular a qualidade de vida é uma referência interessante para países como o Brasil.
O plano do Canadá para o clima é bem detalhado. Ele prevê, por exemplo, a adoção de um preço nacional para o carbono emitido. O valor mínimo foi estabelecido em 10 dólares canadenses por tonelada no ano passado, subindo até chegar a 50 dólares em 2022. Fixar um preço para o carbono é um dos meios mais eficazes de incentivar empresas e até governos municipais e provinciais a reduzir as emissões, buscando as saídas mais eficientes. Isso também permite que o país que reduzir suas emissões com folga possa vender créditos para os outros. É internacionalmente sabido que criar um preço para o carbono estimula a competitividade das tecnologias mais limpas. Também é uma forma de tentar precificar o impacto que as mudanças climáticas causam.
Além disso, o Canadá criou objetivos para abandonar o carvão em várias províncias. Ontário, a mais rica, já abandonou essa fonte energética poluidora. A província de Alberta, apesar de ser o maior produtor do país de areia betuminosa (poluidora na extração e no uso), tem planos para acabar com as termelétricas a carvão até 2030. O país também criou um banco para investir em infraestrutura, o Canada Infrastructure Bank. Ele financia investimentos em energia limpa e equipamentos urbanos para tornar as cidades menos poluidoras — e melhores para viver. São 15 bilhões de dólares investidos em áreas como transporte público e tecnologias para limpar as chaminés das fábricas e para produzir energia sem poluir.
Um dos aspectos importantes dessa política é identificar os setores que têm maior potencial para gerar empresas competitivas. No caso do Canadá, foram três áreas. E todas elas têm lições para nós, brasileiros. A primeira é a da água. Assim como o Brasil, o Canadá é um país rico em água, por seus rios e lagos. O mercado de produção e tratamento gera 35 bilhões de dólares canadenses por ano. É o maior do mundo. Aproximadamente 80% das tecnologias que o país desenvolveu nessa área são exportadas. Isso inclui desde filtros, tratamentos para limpeza de água e tecnologias para verificar a segurança de tubulações até tecnologias modernas para monitorar o uso de forma inteligente. A segunda área forte do Canadá é a geração de hidroeletricidade. O país é o terceiro maior produtor mundial de energia hidrelétrica (atrás apenas da China e do Brasil). A terceira área engloba a redução do impacto de atividades potencialmente poluidoras, como a mineração.
Os resultados estão vindo na forma de empresas que exportam com tecnologia de ponta. Uma delas, a Echologics, está fornecendo sensores que detectam vazamentos no sistema de tubulações, cisternas e bombas para distribuidoras de água da Califórnia, nos Estados Unidos. Outra, a Terragon, inventou sistemas de reúso de água industrial para a indústria mineradora operar em áreas de natureza sensível. Está vendendo para minas remotas na Floresta Amazônica do Equador, diminuindo em 70% a carga potencialmente poluidora que vai para os rios. A Corvus Energy desenvolveu sistemas para barcos elétricos, principalmente os que operam em rotas onde é possível recarregar as baterias frequentemente. Foi o caso de um ferryboat na Noruega. A Canadian Solar é uma das maiores fabricantes de painéis solares do mundo. Tem fábricas em vários países, inclusive em Sorocaba, no interior de São Paulo.
Algumas dessas empresas estão vindo com a delegação do Canadá para a primeira feira de negócios pelo clima da América Latina, a Conexão Carbono Zero, que acontecerá nos dias 11 e 12 de junho, no hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, com o apoio de EXAME. O evento reunirá empresas, empreendedores, financiadores e governos para trocar experiências e criar sinergias a favor do clima, com benefícios para todas as partes envolvidas, inclusive para nós, que precisamos do aquecimento global sob controle.
O sucesso do Canadá tem o crédito adicional de não estar aproveitando algum hipotético vácuo deixado pela política antiecológica do presidente americano, Donald Trump. Isso porque, apesar de Trump estimular indústrias de energias fósseis, como o carvão e o petróleo, as fontes renováveis e limpas continuaram crescendo nos Estados Unidos. Em abril deste ano, pela primeira vez na história, as fontes limpas americanas geraram mais eletricidade do que o carvão. Ou seja, mesmo com a monumental máquina industrial americana operando a todo vapor para gerar tecnologias limpas bem ali do lado, os canadenses estão encontrando seu espaço. Isso indica a vastidão das oportunidades disponíveis para todos os países que correrem agora.
A transição energética
É só perguntar aos dois líderes mundiais: Alemanha e China, não por acaso os dois maiores exportadores do planeta. A estratégia alemã, batizada de Energiewende (algo como ‘Transição energética’), é um projeto de longo prazo alimentado pelos gestores públicos. E que está gerando lucros. O país subsidiou por décadas a pesquisa em energia eólica e solar, criando empresas robustas no meio do caminho. A Alemanha adotou metas ambiciosas de energia limpa no mercado interno. Foi criticada por alguns, mas continua sendo uma potência exportadora, com qualidade de vida para seus cidadãos.
A China decidiu seguir o exemplo e dominar o mercado de energia limpa do planeta. Embora seja o país que mais consuma energia, queimando metade do carvão mineral do mundo, a China também se transformou em líder na produção de painéis solares. Tem quatro dos dez maiores produtores de turbinas para energia eólica. Lidera a produção de baterias, elemento estratégico para o sucesso da energia renovável e da eletricidade nos veículos. Também é a maior produtora de carros elétricos do mundo. ‘Embora a China e a Alemanha estejam entre os maiores emissores de gases de efeito estufa (respectivamente, no primeiro e no sexto lugar), os dois países, provavelmente mais do que quaisquer outros, entenderam as oportunidades econômicas que vêm com a proteção do clima’, afirma Bjorn Conrad, pesquisador do think thank alemão Instituto Mercator para Estudos Chineses.
Até as crianças sabem disso. Ou principalmente elas. ‘Agora estou falando para todo o mundo’, disse a estudante sueca Greta Thunberg, de 16 anos, eleita Pessoa do Ano pela revista americana Time. A adolescente liderou um movimento internacional para pressionar os adultos a fazer algo para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas. Greta não está sozinha. Diante do crescente peso das tragédias climáticas (com enchentes, secas, ondas de calor e tempestades) em todos os países, e apesar dos negacionistas da ciência do clima, a economia global continuará sua transição para modos de produção de bens e serviços com menos emissões. Ou talvez até emissão zero. Se o Brasil ouvir Greta e observar o que fazem as economias exportadoras, poderá aproveitar seus imensos potenciais natural e humano para virar um dos gigantes do clima.”
Alexandre Mansur é diretor de estratégia da consultoria O Mundo Que Queremos